Em 28 de agosto de 1979, foi sancionada pelo presidente João Batista Figueiredo, a lei no. 6.683, conhecida como Lei da Anistia. No artigo 1º, afirma-se o seguinte:
“É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração direta e indireta (…), aos servidores dos poderes Legislativo e Judiciário, aos militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares”.
A anistia não foi uma decisão espontânea da ditadura. Desde o início da década de 1970, ocorreram movimentos e pressões da sociedade civil pela anistia, entre eles:
- Movimento Feminino pela Anistia, criado em 1975 pelas mães, mulheres e filhas de presos e desaparecidos.
- Comitê Brasileiro pela Anistia, surgido em 1978, com representações em diversos estados e até em Paris, onde viviam muitos dos exilados.
- Cartazes e faixas com a frase “anistia geral, ampla e irrestrita” eram abertos em eventos públicos para serem captadas pelas câmeras de TV e pelos fotógrafos dos jornais. Isso ocorreu, por exemplo, no velório de João Goulart, em 1976, e em jogos de futebol.
O movimento logo ganhou o apoio de entidades influentes, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
Anistia ampla e geral, mas não irrestrita
Apesar da relevância da lei, ela não contemplava as reivindicações da Campanha pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita promovida por diversos setores sociais que se opunham ao regime militar. O projeto de Figueiredo embutia, sob o termo de “crimes conexos” (prisões arbitrárias, torturas e “desaparecimento” de presos) o perdão judicial para os torturadores e assassinos que atuaram no aparelho estatal de repressão.
Presos envolvidos em “crimes de sangue”, definidos como atos de terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal, ficaram fora do benefício da Lei. Permaneceram presos e somente foram libertados nos meses seguintes depois que a Justiça Militar passou a interpretar a nova lei de forma flexível.
Além disso, os anistiados tiveram grandes dificuldades para serem reintegrados nas antigas carreiras profissionais que ocupavam quando foram cassados. Muitos familiares de mortos e desaparecidos não puderam obter o atestado de óbito de seus parentes, pois a lei estabeleceu que somente poderia ser emitido um “atestado de paradeiro ignorado” ou de “morte presumida”.
A Lei garantiu impunidade aos agentes do Estado envolvidos em torturas, em grave violação dos Direitos Humanos. Deu-lhes a segurança de que jamais seriam punidos e, mais do que isso, nunca sequer se sentariam no banco dos réus. Sobre isso, denunciou o então deputado Pacheco Chaves (MDB-SP):
— Que moral tem o governo que exclui uns sob a alegação de terrorismo, mas que nem sequer submete os torturadores a processo? Estes, sim, jamais serão merecedores da piedade humana, porque, como se sabe, não atuam por valores relevantes, mas sim por servilismo ou para satisfazer instintos. (Agência Senado)
Da mesma forma, protestou o então senador Lázaro Barbosa (MDB-GO):
— A meu juízo, esses torturadores não podem receber a anistia, pois dela não são dignos. É imprescindível que tais carrascos tomem assento no banco dos réus e respondam pelas monstruosidades cometidas. Não foram crimes políticos. Foram, isso sim, crimes contra a humanidade. (Agência Senado)
A anistia possível
Em 22 de agosto de 1979, em votação simbólica (sem contagem de votos), a Lei da Anistia foi aprovada do jeito que o governo queria. A Arena, o partido governista, tinha maioria dos parlamentares. Grande parte do MDB, partido da oposição, acabou apoiando o projeto da ditadura.
Vanessa Dorneles Schinke, professora de direito da Universidade Federal do Pampa e autora do livro Anistia e Esquecimento (editora Lumem Juris), explica;
“A oposição concluiu que seria melhor ficar com a anistia do governo do que não ter anistia nenhuma. Aquela não era a anistia ideal, mas a possível. Considerando o contexto político de então, a lei de 1979 não deixou de ser uma vitória para a oposição”.
A Lei da Anistia foi negociada entre Petrônio Portela (ministro da Justiça do governo Ernesto Geisel) e Raimundo Faoro (presidente da OAB Nacional). Preparou a volta dos exilados e protegeu os militares de serem responsabilizados pelas 435 vítimas torturadas, mortas ou desaparecidas. Foi a anistia para permitir a transição para a democracia.
A volta dos exilados
Seis dias depois da votação no Congresso, o presidente Figueiredo sancionou a lei, em 28 de agosto. Mesmo com suas limitações e contradições, a Lei da Anistia representou uma grande vitória das forças democráticas sobre a ditadura. Ela permitiu o retorno ao país de centenas de ex-presos políticos, de exilados e clandestinos, e fez justiça a milhares de pessoas que haviam tido seus direitos políticos cassados e perdidos seus empregos,
Entre os líderes que retornaram ao país estavam Luís Carlos Prestes, Leonel Brizola, Miguel Arraes, Francisco Julião, Betinho, Fernando Gabeira, Vladimir Palmira, Carlos Minc e Paulo Freire recebidos com grandes atos públicos.
Fonte
- FICO, Carlos. Além do golpe. Rio de Janeiro: Record, 2004.
- Há 40 anos Lei da Anistia preparou o caminho para o fim da ditadura. Agência Senado.
Saiba mais
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Outros recursos
- Ditadura militar (1964-1985). 2 mapas mentais para preencher.
- Decretação do AI-5 na manchete do Jornal do Brasil. Leitura de documento.