A expressão Pré-História brasileira tem sido criticada devido ao fato do termo pré-história refletir uma visão eurocêntrica de mundo, na qual os povos sem escrita seriam povos sem história. No contexto da história do Brasil, essa expressão pode passar a falsa ideia de que os indígenas não teriam uma história própria. Ao contrário, porém, os indígenas brasileiros tiveram uma história própria, de milhares de anos em que suas culturas, técnicas e artes sofreram mudanças e influências. Por essa razão, prefere-se chamar esse período de pré-cabralino (anterior à chegada de Pedro Álvares Cabral).
A história pré-cabralina abrange dois períodos geológicos: Pleistoceno e Holoceno.
Pleistoceno (de 60 mil a 12 mil anos)
O clima e a vegetação do Brasil durante o Pleistoceno eram muito diferentes dos atuais. O clima era úmido e mais frio. Uma densa floresta de grandes árvores, cipós e samambaias cobria o que hoje é o semiárido nordestino. Rios, lagos e cachoeiras dominavam os campos.
Durante o Pleistoceno, uma megafauna, hoje extinta, habitava as florestas e os campos do território brasileiro. Tatus gigantes, os gliptdontes, com 3 metros de comprimento e pesando quase uma tonelada e meia. Sua forte carapaça, quando vazia, podia servir de abrigo aos homens primitivos.
Preguiças gigantes, o megatherium, pesando umas 4 toneladas, tinham o tamanho de um elefante. Passavam o dia todo comendo folhas de árvores e arbustos, utilizando sua língua comprida para obtê-las. Com suas poderosas garras, vergavam facilmente os galhos das arvores.
Mas o animal mais temido era o tigre dente-de-sabre. Um felino com 3 metros de comprimento e pesando 900 quilos, ele foi o grande predador de preguiças, gliptdontes e outros animais da megafauna.
Povoamento do Brasil
Foi durante do Pleistoceno que ocorreu o povoamento do território que hoje corresponde ao Brasil. Os primeiros grupos humanos que ocuparam nosso território são chamados de paleoíndios.
As ossadas mais antigas de paleoíndios encontradas no Brasil pertencem ao final do Pleistoceno, entre 11 mil e 12 anos. Foram encontradas na região arqueológica de Lagoa Santa, em Minas Gerais. Entre as ossadas, está Luzia, o esqueleto mais antigo das Américas, de 11.500 anos.
Na década de 1990, a reconstituição facial do crânio de Luzia pelo especialista britânico Richard Neave surpreendeu o mundo científico. As formas tiveram como base a teoria do professor Walter Neves, da USP, segundo o qual o povo de Luzia teria chegado à América antes dos ancestrais dos povos indígenas atuais (estes de origem asiática).
Os traços de Luzia teriam, então, características africanas ou dos aborígenes australianos e polinésios. Isso sustentou a hipótese do povoamento da América teria sido feito por dois tipos humanos com características físicas distintas: um vindo da Austrália ou das ilhas da Melanésia e da Polinésia, e outro grupo posterior, de origem asiática que teria entrado na América pelo estreito de Bering, e que acabou dominando o continente e dando origem aos indígenas atuais.
Desmontada a hipótese de correntes diferentes de povoamento
No final da década de 2010, novos estudos feitos a partir de DNA fóssil, desmontou aquela hipótese e confirmou a existência de um único grupo populacional ancestral de todas as etnias da América. O trabalho foi desenvolvido por 72 pesquisadores de oito países, pertencentes a instituições como a Universidade de São Paulo (USP), Harvard University, dos Estados Unidos, e Instituto Max Planck, da Alemanha.
Os dados arqueogenéticos – que mesclam conhecimentos de arqueologia e genética – mostraram que todas as populações da América descendem de uma única população que chegou à América pelo estreito de Bering há cerca de pelo menos 20 mil anos.
Pelo DNA, é possível confirmar a afinidade dessa corrente migratória com os povos da Sibéria e do norte da China. Os resultados da pesquisa foram publicados na revista científica Cell em 8 de novembro de 2018.
Foram analisados restos fósseis de 49 indivíduos sendo sete provenientes de Lapa do Santo, abrigo rochoso em Lagoa Santa, Minas Gerais. Além do Brasil, foram utilizados fósseis da Argentina, Belize, Chile e Peru, totalizando 15 sítios arqueológicos.
Novo rosto de Luzia e nova hipótese de povoamento
O rosto de Luzia foi redesenhado. A reconstituição foi feita por Caroline Wilkinson, da Liverpool John Moores University, na Inglaterra, especialista em reconstrução forense e discípula de Richard Neave.
Os dados genéticos mostraram que os povo de Luzia tem forte conexão com a cultura Clóvis, uma linhagem de humanos que fez o trajeto do norte da América para o sul do continente há cerca de 16 mil anos. Não se sabia até então que esse grupo havia migrado para o sul. O estudo aponta a presença de DNA fóssil das duas migrações em todo continente sul-americano.
Os descendentes da corrente migratória ancestral diversificou-se em duas linhagens e uma delas cruzou o istmo do Panamá e povoou a América do Sul em três levas consecutivas e distintas.
A primeira leva ocorreu entre 15 mil e 11 anos atrás, e a segunda se deu há, no máximo, 9 mil anos. São os ancestrais diretos dos grupos indígenas que habitaram o Brasil durante o período colonial. A terceira leva é mais recente – cerca de 4,2 mil anos – e se fixou de forma concentrada nos Andes centrais.
Essas datações são contestadas pelas descobertas feitas nas escavações arqueológicas na Serra da Capivara, no sul do Piauí. Ali foram encontrados esqueletos de 8.000 anos e vestígios de presença humana ainda mais antigos que Luzia: são pinturas rupestres, restos de fogueiras e artefatos de 17 mil anos até 48 mil anos!
Os resultados das escavações na Serra da Capivara levaram os cientistas a rever sua hipótese sobre a data do povoamento da América: ele teria ocorrido há pelo menos 40 mil anos atrás, isto é, muito antes do que se suponha.
Entre tantas descobertas, discussões e novas hipóteses, uma coisa é certa: por volta de 12 mil anos atrás, o território brasileiro já estava plenamente ocupado por diversos grupos de paleoíndios.
Veja o vídeo Pré-História do Brasil, parte 1
Fonte
- FAUSTO, Carlos. Os índios antes do Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.
- GASPAR, Madu. A arte rupestre no Brasil. Rio de janeiro: Zahar, 2003.
- NEVES, Walter Alves & PILÓ, Luís Beethoven. O povo de Luzia. São Paulo: Globo, 2008.
- PROUS, André. Arqueologia brasileira. Brasília: UnB, 1992.
- PROUS, André. O Brasil antes dos brasileiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.
- TENÓRIO, Maria Cristina. Pré-História da Terra Brasilis. Rio de Janeiro: UFRJ, 1999.
Outros vídeos da série Pré-História do Brasil
- Parte 2 – Parte Nacional da Serra da Capivara
- Parte 3 – Pinturas rupestres do Seridó e Paraíba, Pedra do Ingá
- Parte 4 – Sambaquis
[…] Parte 1 – Povoamento da América e do Brasil […]
Adorei esse vídeo!!!!
Joelza, esse vídeo é mto bom! Levei para os meus alunos hoje e durante as questões fui pausando e resolvendo-as junto com eles. Foi uma aula super dinâmica, eles adoraram! Parabéns pelo trabalho!
Que bom, Fabrício, saber que o vídeo teve resultado. Eu estava na dúvida se as questões seriam ou não proveitosas. Obrigada pelo retorno.
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É interessante como o Brasil passou a valorizar a história de seus antepassados enriquecendo o conhecimento da humanidade.