DoaçãoPrecisamos do seu apoio para continuar com nosso projeto. Porque e como ajudar

TelegramEstamos também no Telegram, siga nosso grupo. Estamos no TelegramAcesse Siga

As 10 ideias erradas ou ultrapassadas sobre a Pré-História

13 de janeiro de 2025

10741
Visitas

197
compartilhamentos

Acessibilidade
Array ( [0] => WP_Term Object ( [term_id] => 1043 [name] => agricultura [slug] => agricultura [term_group] => 0 [term_taxonomy_id] => 1043 [taxonomy] => post_tag [description] => [parent] => 0 [count] => 4 [filter] => raw ) [1] => WP_Term Object ( [term_id] => 3204 [name] => criação [slug] => criacao [term_group] => 0 [term_taxonomy_id] => 3204 [taxonomy] => post_tag [description] => [parent] => 0 [count] => 1 [filter] => raw ) [2] => WP_Term Object ( [term_id] => 3412 [name] => EF06HI01 [slug] => ef06hi01 [term_group] => 0 [term_taxonomy_id] => 3412 [taxonomy] => post_tag [description] => Identificar diferentes formas de compreensão da noção de tempo e de periodização dos processos históricos (continuidades e rupturas). [parent] => 0 [count] => 14 [filter] => raw ) [3] => WP_Term Object ( [term_id] => 3418 [name] => EF06HI02 [slug] => ef06hi02 [term_group] => 0 [term_taxonomy_id] => 3418 [taxonomy] => post_tag [description] => Identificar a gênese da produção do saber histórico e analisar o significado das fontes que originaram determinadas formas de registro em sociedades e épocas distintas. [parent] => 0 [count] => 10 [filter] => raw ) [4] => WP_Term Object ( [term_id] => 3404 [name] => EF06HI03 [slug] => ef06hi03 [term_group] => 0 [term_taxonomy_id] => 3404 [taxonomy] => post_tag [description] => Identificar as hipóteses científicas sobre o surgimento da espécie humana e sua historicidade e analisar os significados dos mitos de fundação. [parent] => 0 [count] => 11 [filter] => raw ) [5] => WP_Term Object ( [term_id] => 3401 [name] => EF06HI05 [slug] => ef06hi05 [term_group] => 0 [term_taxonomy_id] => 3401 [taxonomy] => post_tag [description] => Descrever modificações da natureza e da paisagem realizadas por diferentes tipos de sociedade, com destaque para os povos indígenas originários e povos africanos, e discutir a natureza e a lógica das transformações ocorridas. [parent] => 0 [count] => 12 [filter] => raw ) [6] => WP_Term Object ( [term_id] => 3205 [name] => Estado [slug] => estado [term_group] => 0 [term_taxonomy_id] => 3205 [taxonomy] => post_tag [description] => [parent] => 0 [count] => 1 [filter] => raw ) [7] => WP_Term Object ( [term_id] => 3200 [name] => hominização [slug] => hominizacao [term_group] => 0 [term_taxonomy_id] => 3200 [taxonomy] => post_tag [description] => [parent] => 0 [count] => 1 [filter] => raw ) [8] => WP_Term Object ( [term_id] => 3199 [name] => idade da pedra [slug] => idade-da-pedra [term_group] => 0 [term_taxonomy_id] => 3199 [taxonomy] => post_tag [description] => [parent] => 0 [count] => 1 [filter] => raw ) [9] => WP_Term Object ( [term_id] => 2979 [name] => neolitico [slug] => neolitico [term_group] => 0 [term_taxonomy_id] => 2979 [taxonomy] => post_tag [description] => [parent] => 0 [count] => 3 [filter] => raw ) [10] => WP_Term Object ( [term_id] => 3203 [name] => nomadismo [slug] => nomadismo [term_group] => 0 [term_taxonomy_id] => 3203 [taxonomy] => post_tag [description] => [parent] => 0 [count] => 2 [filter] => raw ) [11] => WP_Term Object ( [term_id] => 3198 [name] => paleoltico [slug] => paleoltico [term_group] => 0 [term_taxonomy_id] => 3198 [taxonomy] => post_tag [description] => [parent] => 0 [count] => 1 [filter] => raw ) [12] => WP_Term Object ( [term_id] => 153 [name] => pintura rupestre [slug] => pintura-rupestre [term_group] => 0 [term_taxonomy_id] => 153 [taxonomy] => post_tag [description] => [parent] => 0 [count] => 4 [filter] => raw ) [13] => WP_Term Object ( [term_id] => 149 [name] => Pré-História [slug] => pre-historia [term_group] => 0 [term_taxonomy_id] => 149 [taxonomy] => post_tag [description] => [parent] => 0 [count] => 13 [filter] => raw ) [14] => WP_Term Object ( [term_id] => 3197 [name] => pre-historico [slug] => pre-historico [term_group] => 0 [term_taxonomy_id] => 3197 [taxonomy] => post_tag [description] => [parent] => 0 [count] => 1 [filter] => raw ) [15] => WP_Term Object ( [term_id] => 4264 [name] => revolução agrícola [slug] => revolucao-agricola [term_group] => 0 [term_taxonomy_id] => 4264 [taxonomy] => post_tag [description] => [parent] => 0 [count] => 1 [filter] => raw ) [16] => WP_Term Object ( [term_id] => 1042 [name] => revolução neolítica [slug] => revolucao-neolitica [term_group] => 0 [term_taxonomy_id] => 1042 [taxonomy] => post_tag [description] => [parent] => 0 [count] => 2 [filter] => raw ) [17] => WP_Term Object ( [term_id] => 3202 [name] => sedentarização [slug] => sedentarizacao [term_group] => 0 [term_taxonomy_id] => 3202 [taxonomy] => post_tag [description] => [parent] => 0 [count] => 2 [filter] => raw ) [18] => WP_Term Object ( [term_id] => 3201 [name] => urbanização [slug] => urbanizacao [term_group] => 0 [term_taxonomy_id] => 3201 [taxonomy] => post_tag [description] => [parent] => 0 [count] => 1 [filter] => raw ) )

Compartilhe

Foi durante a Pré-História que ocorreu o longo e complexo processo de hominização que conduziu ao homem moderno. Período de importantes aquisições mentais e culturais sem as quais o homem talvez nem tivesse sobrevivido tal a sua fragilidade física, entre as quais: o desenvolvimento da fala e da comunicação; a proteção ao frio na Idade do Gelo com roupas de pele costuradas; a produção e manutenção do fogo; o refinamento de ferramentas e armas com cabos; a expressão gráfica nas pinturas rupestres; a formulação de rituais de sepultamento; a domesticação de animais; a invenção da roda; o desenvolvimento da noção de tempo; a distinção entre plantas comestíveis e venenosas etc.

No entanto, o longuíssimo período da Pré-História recebe pouca atenção nos currículos escolares que a ele dedicam 2-3 aulas ou nem isso. Nas visitas aos museus, a seção de artefatos pré-históricos atrai quase somente os especialistas. O professor Alexis A. Borloz, do departamento de Pré-História da UFSC, lembra que a Pré-História é “percebida como um campo menor ou menos nobre do conhecimento histórico, por não ter a dignidade da fonte escrita” (…) considerado “um campo de conhecimento menos exato, mais sujeito ao erro e à interpretação tendenciosa”.

Muitos equívocos e estereótipos já foram superados. Já não se fala mais em Idade da Pedra Lascada, nem se imagina homens musculosos com um tacape nos ombros e arrastando mulheres pelos cabelos até a caverna. Contudo, ainda há erros e distorções, além do desconhecimento de pesquisas recentes que subverteram os estudos sobre a pré-história. Listamos abaixo as afirmações mais comuns sobre a Pré-História que hoje estão ultrapassadas.

Afirmações que não se sustentam mais:

1. A pré-história é o período anterior à História.

2. A Pré-História tem três estágios: Idade da Pedra, do Bronze e do Ferro

3. A produção de ferramentas de pedra pelo Homo habilis marca o início da Pré-História.

4. Divisão do trabalho por sexo: homem caçador e mulher coletora.

5. A invenção da escrita pôs fim à Pré-História.

6. A agricultura levou à sedentarização e ao surgimento das cidades.

7. A pré-história chegou ao fim com a formação do Estado.

8. A agricultura originou-se no Crescente Fértil e daí expandiu-se.

9. O pensamento pré-histórico era para fins imediatos.

10. A arte pré-histórica era simples como desenhos infantis

1. A pré-história é o período anterior à História.

DEFINIÇÃO POLÊMICA. A definição clássica da Pré-história coloca um certo número de problemas entre os quais a própria ideia de “pré” que significa anterior, antes de – o que dá a entender que é um período fora História, ou pior, sem História.

O conceito de pré-histórica foi criado no século XIX e cristalizado por historiadores vitorianos que exaltavam a importância das fontes escritas para escrever a “história real” e, portanto, sem elas não se poderia investigar a História de uma sociedade.

Se tomarmos a definição de Marc Bloch que a história é a ciência que estuda as ações do homem no tempo, então tudo é história em se tratando do ser humano e, uma “pré-história” só poderia ser entendida como o estudo da vida antes do aparecimento do primeiro hominídeo na terra. O raciocínio é totalmente equivocado. A história humana inicia com o aparecimento dos primeiros hominídeos.

Outro problema da definição clássica diz respeito aos critérios que determinam o início e fim da pré-história, e também em relação à datação desses limites temporais que discutiremos mais a frente.

2. A Pré-História tem três estágios: Idade da Pedra, do Bronze e do Ferro

NÃO FOI BEM ASSIM. Em 1836, o arqueólogo dinamarquês Christian Jürgensen Thomsen  (1788-1865) definiu o “sistema das três idades”, classificando a história humana (como ele a entendia) na seguinte sucessão cronológica: idade da pedra, idade do bronze e idade de ferro. Segundo ele, os primeiros seres humanos passaram por estágios de desenvolvimento tecnológico que se refletiram na produção de ferramentas de pedra, bronze e ferro.

Vale lembrar que Thomsen não tinha nenhuma técnica de datação absoluta para guiar sua análise (como radiocarbono ou datação de anéis de árvore); ele usou a lei da superposição – uma maneira sofisticada de dizer que o material mais antigo encontrado em um sítio arqueológico está, salvo qualquer perturbação, enterrado mais fundo.

Carro solar de Trundholm

Carro solar de Trundholm, c.1400 a.C., Idade do Bronze, bronze e ouro, Museu Nacional da Dinamarca.

O sistema das três idades não se encaixa para todas as sociedades do mundo. Na África, por exemplo, não existiu uma Idade do Bronze mas uma transição direta da Idade da Pedra para a Idade do Ferro. O sistema também não se aplica a nenhuma sociedade da América anterior à conquista europeia.

Além disso, o ser humano usou muitos outros materiais para fazer ferramentas como osso, madeira, conchas e fibras vegetais. Também o uso do metal (bronze ou ferro) não substituiu a pedra ou a madeira, esses materiais conviveram por milênios. Na Alta Idade Média, enquanto os cavaleiros usavam armaduras e lanças de ferro, os servos aravam a terra com arados de madeira iguais aos dos seus antepassados neolíticos.

Com todas essas ressalvas, a teoria de Thomsen ainda serve de parâmetro para a pesquisa arqueológica em toda a Europa e Eurásia. Se o termo “idade da pedra” não é mais utilizado pelos especialistas, os outros dois ainda são comumente usados.

3. A produção de ferramentas de pedra pelo Homo habilis marca o início da Pré-História.

TALVEZ NÃO. Se as ferramentas mais antigas conhecidas, datadas de milhões de anos, foram feitas de pedra, isso não quer dizer que a pedra tenha sido a primeira matéria-prima usada pelo ser humano. Significa apenas que a pedra por se preservar por muito mais tempo que outro material, como a madeira e o osso, ela serviu de referência ao pesquisador.

Lembre-se também, que muitos animais, incluindo macacos e corvos, fazem e usam ferramentas de pedra e madeira. A ideia de que nossos ancestrais hominídeos não fizeram o mesmo é simplesmente inconcebível.

Há ainda outro elemento a considerar. Descobertas recentes mostraram que os Australopitecus, que são anteriores aos humanos e dos quais os humanos provavelmente se originaram, também podem ter produzido ferramentas de pedra.

Em 2012, a descoberta de um local de indústria lítica em Lomekwi 3 (sítio arqueológico na região do lago Turkana), no Quênia, datado de 3,3 milhões de anos, mostrou a existência de ferramentas líticas em uma data claramente anterior ao aparecimento do gênero Homo. Os comportamentos tradicionalmente associados ao gênero Homo poderiam, portanto, ser compartilhados por vários gêneros de hominídeos.

Discute-se, agora, se a Pré-história começa em 2,8 Milhões de anos atrás com o primeiro Homo, ou a 3,3 milhões de anos com as primeiras ferramentas ou até mesmo antes.

A espécie Homo habilis (à direita), “homem habilidoso”, recebeu esse nome por se acreditar ser o primeiro hominídeo a fabricar ferramentas. Porém, os Australopithecus (à esquerda) podem também ter feito isso.

4. Divisão do trabalho por sexo: homem caçador e mulher coletora.

FALSO. A ideia de que nas comunidades pré-históricas cabia aos homens caçar e às mulheres coletar frutos e raízes é um estereótipo reproduzido frequentemente nas ilustrações de livros didáticos e revistas para o público leigo. Essa imagem diz respeito à visão masculina da sociedade ocidental e contaminou até o meio acadêmico que por muito tempo sequer imaginavam a possibilidade de mulheres e crianças também serem produtoras de ferramentas.

Como demonstraram as arqueólogas Margaret Conckey e Joan Gero há três décadas em sua obra Engendering Archaeology: Women and Prehistory, todos faziam ferramentas de pedra. Considerando que hoje, mulheres e crianças fabricam e usam ferramentas de pedra em todo o mundo, não há razão para acreditar que isso não ocorresse na pré-história.

Conkey questiona também a ideia de que as pinturas rupestres foram feitas exclusivamente por homens e unicamente como um rito para garantir o sucesso da caçada. O sexo de um esqueleto é detectável, mas ninguém pode saber se homens, mulheres ou ambos seguraram os pincéis e facas para criar arte rupestre. Então, por que, pergunta ela, todas as ilustrações de livros didáticos de pintores de cavernas mostram os homens como os artistas?

Recentemente, a descoberta nas montanhas dos Andes, no Peru, dos restos mortais de uma mulher de 9.000 anos com um arsenal de caça mostrou que as hipóteses de Conckey e Gero estavam no caminho certo. A descoberta levou a uma revisão dos estudos anteriores sobre enterros da mesma época nas Américas e revelou que entre 30% a 50% dos caçadores de animais de grande porte podem ter sido mulheres.

A caça organizada e desenvolvida em grupo, como faziam os grupos pré-históricos, envolve a elaboração de estratégia, a busca de pistas, o rastreamento, a criação de iscas e armadilhas. A caça, portanto, não é só músculo, mas cérebro também.

A divisão de papeis no trabalho não teria sido necessariamente em função do gênero, como se afirmava, e sim por capacidades necessárias para o desempenho de determinadas tarefas. E tais capacidades podem estar em mulheres ou homens, em jovens, crianças ou idosos dependendo da tarefa a ser executada.

A imagem do artista Zdenek Burian (à esquerda) ilustrou livros e revistas por décadas reforçando o estereótipo da mulher cuidadora da família desde a origem. Descobertas arqueológicas recentes, subverteram essa ideia indicando que a mulher pode também ter sido hábil caçadora (à direita).

5. A invenção da escrita pôs fim à Pré-História.

POLÊMICO. Ao tomar a escrita como marco referencial para caracterizar a passagem da pré-história para a História, transmite-se a ideia de que sem o documento escrito não se pode pesquisar de forma científica. Reforça-se, assim, a visão eurocentrista dos historiadores do século XIX que buscavam justificar a supremacia europeia sobre as demais regiões do planeta cujos povos “atrasados” eram ágrafos.

O erro que se comete é o de recusar as recentes contribuições de arqueólogos e pré-historiadores que trabalham com vestígios materiais, capazes de inferir informações a respeito do passado remoto da humanidade como suas formas de organização social, suas relações econômicas, sua complexidade religiosa, sua interação com outras comunidades, entre tantas outras variáveis de interpretação.

Além disso, o surgimento da escrita na Mesopotâmia e no Egito, por volta de 3300 a.C., como critério para marcar o fim da pré-história é problemático uma vez que a escrita não apareceu na mesma data em todas as áreas geográficas.

A escrita também não foi tão determinante como se supunha. Existiram sociedades cuja tradição oral era muito forte e que não adotaram a escrita como certas civilizações da África subsaariana e da América pré-colombiana (os incas, por exemplo) – culturas que não têm nada em comum com as sociedades pré-históricas.

Foi proposto o termo Proto-História (proto, do grego, “primeiro”) para situar os povos sem escrita, mas que são mencionados por cronistas que lhe são contemporâneos, como é o caso de muitos grupos étnicos relatados por antigos autores gregos e romanos. Esse conceito, contudo, não é inteiramente aceito pelos pesquisadores.

6. A agricultura levou à sedentarização e ao surgimento das cidades.

NÃO FOI BEM ASSIM. É uma explicação clássica: após um longo período de nomadismo, os grupos pré-históricos se sedentarizaram graças à agricultura e, a partir daí, surgiram as cidades.

Entretanto, a sedentarização não seguiu um padrão único e universal, foi um processo muito mais complexo com períodos de retorno ao nomadismo. Nem toda aldeia agrícola se transformou em cidade. E, derrubando outro mito, o nomadismo não desapareceu mesmo com os grupos nômades tendo contato com os povos sendentários, eles preferiram manter seu modo de vida errante.

O papel da agricultura na sedentarização tem sido discutido. Pesquisas arqueológicas recentes mostraram que os primeiros assentamentos no Oriente Próximo precederam a agricultura. Isso sugere que a sedentarização foi causa e não consequência da invenção da agrícola. Graeber e Wengrow acrescentam:

“A agricultura extensiva pode ter sido a consequência, e não a causa da urbanização.” (GRAEBER e WENGROW, 2022, p. 312-314).

Além disso, a agricultura não é fator único e necessário para a sedentarização. Caçadores-coletores  e pescadores do Paleolítico fixaram-se em locais onde a caça e a pesca abundavam por longo período de tempo como demonstram, por exemplo, as pesquisas  sobre a cultura dos natufianos.

Os primeiros sítios urbanos da humanidade são encontrados em locais considerados inóspitos e pouco favoráveis à formação de um núcleo urbano, como Jericó, na Palestina ou os centros urbanos localizados na costa peruana, próximos ao deserto de Nazca. Estas áreas apresentavam algumas características comuns, como a escassez de matérias-primas básicas e rusticidade do meio físico.

As descobertas em Gobekli Tepe, no sudeste da Turquia, sugerem que a sedentarização pode ter acontecido de outra maneira. Ali foram encontrados uma série de megálitos esculpidos em pedra datados de 8800 a.C. que foram construídos por caçadores-coletores do Paleolítico que não tinham ferramentas de metal e desconheciam a cerâmica. O monumento de Gobekli Tepe mostra que o caminho da sedentarização foi diferente do que se suponha: grupos nômades ergueram templos e centros cerimoniais muito antes de se fixarem em cidades.

Visão geral do sítio arqueológico de Gobekli Tepe, no sudoeste da Anatólia, na Turquia; apenas 1,5% da área já foi exposta.

Escultura de um animal em um pilar de Gobekli Tepe. Obra como essa datando de 12.000 anos é única na História e subverte os estudos de pré-história.

7. A pré-história chegou ao fim com a formação do Estado.

NEM SEMPRE. A ideia que a formação do Estado é resultado do desenvolvimento da agricultura e da sedentarização não se sustenta com as pesquisas recentes. O aparecimento do Estado ocorre de uma maneira bastante complexa e em condições onde algumas de suas organizações fundamentais, como as classes sociais, a divisão do trabalho, a formação de cacicados, entre outras, já estão consolidadas ou em processo de formação. Isto porém, não significa dizer que todas as sociedades passarão por este processo.

A formação de um Estado varia muito de um grupo social para outro. As estruturas que darão origem ao futuro Estado nem sempre se encontram em pleno desenvolvimento. Em algumas sociedades, as estruturas sociais anteriores a este, como por exemplo as comunidades aldeãs da Baixa Mesopotâmia, empreenderam um grau de desenvolvimento político, econômico e social bastante elevado mas não transpuseram a barreira que separava estas de um Estado unificado e pleno.

É interessante notar que estas comunidades aldeãs já possuíam indícios de escrita, mas não conseguiram formar um Estado unificado, ficaram apenas dentro do conceito de cidades-Estado.

Este enfoque, que toma o Estado como marco referencial, desconsidera todos os grupos que não conseguiram evoluir para esta forma social o que não os classifica como pré-históricos. A formação do Estado não é um processo natural e nem tão simples como se imaginava, e não se pode universalizar exemplos de algumas das sociedades do Oriente Próximo procurando mostrar que nas outras áreas a formação ocorreu da mesma maneira.

Concluem Graeber e Wengrow:

“Entre o aparecimento dos primeiros agricultores no Oriente Médio e o surgimento do que costumamos chamar de primeiros Estados há um período de cerca de 6 mil anos, e em muitas partes do mundo a agricultura nunca levou ao surgimento de coisa alguma remotamente semelhante a esses Estados. […]

Em algumas regiões, sabemos agora, cidades se governaram durante séculos sem nenhum sinal dos templos e palácios, que só surgiram mais tarde; em outras, nem sequer foram erguidos. Em muitas das primeiras cidades, simplesmente não há evidências de uma classe de administradores nem de qualquer tipo de estrato governante. […] Ou seja, a mera existência da vida urbana não implica necessariamente nenhuma forma particular de organização, nem nunca implicou.” (GRAEBER e WENGROW, 2022, p. 147 e 303.)

8. A agricultura originou-se no Crescente Fértil e daí expandiu-se.

NÃO FOI BEM ASSIM. O termo Crescente Fértil (faixa de terra fértil que abrange os atuais estados do Iraque, Irã, Kuwait, Síria, Turquia, Líbano, Chipre, Israel, Palestina, Jordânia e Egito) foi inventado no século XIX, quando as potências imperiais da Europa estavam retalhando o Oriente Médio de acordo com seus interesses estratégicos. Essa denominação passou a ser amplamente adotada entre os pesquisadores e, hoje em dia, é apenas usada pelos pré-historiadores.

As pesquisas arqueológicas recentes combinadas com estudos geológicos, climáticos e botânicos têm mostrado que existiram dois crescentes férteis, um “crescente de terras altas” e um “crescente de terras baixas” que se desenvolveram entre 10.000 a.C. e 8.000 a.C. (GRAEBER e WENGROW, 2022, p. 249). As duas regiões seguiram direções distintas, com assentamentos humanos diversos (aldeias, povoados, acampamentos sazonais e centros rituais) e graus diferentes de cultivo vegetal e criação animal. Ambas se conheciam e trocavam objetos entre si a partir de de longas distâncias.

Não houve, portanto, um centro a partir do qual a agricultura irradiou-se.  Segundo Mazoyer e Roudart, a agricultura teve seis centros de origem, quatro dos quais foram centros amplamente irradiantes. Foram eles:

  • Oriente Próximo, com duas áreas de “crescente fértil”, entre 10.000 e 8.000 anos atrás.
  • Mesoamérica, que compreende o sul do México, Guatemala, Honduras e Belize, entre 9.000 e 4.000 anos atrás.
  • Vale do rio Amarelo, na China, há 8.500 anos atrás.
  • Papua-Nova Guiné, há 10.000 anos atrás.

Dois outros centros de origem da agricultura foram pouco ou nada irradiantes:

  • Andes peruanos ou equatorianos há mais de 6.000 anos atrás.
  • Bacia do médio Mississipi entre 4.000 e 1.800 anos atrá.

9. O pensamento pré-histórico era para fins imediatos.

FALSO.  Arqueólogos descobriram na caverna de Blombos, na África do Sul, vestígios de uma verdadeira oficina de tintas pré-históricas.  A caverna, escavada desde 1991, continha tudo o que seria necessário para montar kits de tinta para pinturas rupestres antigas: recipientes feitos de conchas de abalone, espátulas de osso para moer e misturar componentes, furadores de osso e pigmentos usados ​​na criação de tintas vermelhas e amarelas.

A caverna foi usada como uma oficina de processamento de ocre entre 100.000 e 70.000 anos atrás. As tintas coloridas serviram para pinturas rupestres, decorar objetos de couro, cerâmica ou mesmo como pinturas corporais. As descobertas na Caverna de Blombos mostram um nível inédito de conhecimento químico, preparação e capacidade de produzir e armazenar produtos em massa. Além disso, revelam habilidades de planejamento de longo prazo envolvido na coleta de todos os ingredientes.

“Esta descoberta representa uma referência importante na evolução da cognição humana complexa (processos mentais), pois mostra que os humanos tinham a capacidade conceitual de fornecer, combinar e armazenar substâncias que eram possivelmente usadas para aprimorar suas práticas sociais”, afirma o professor Chris Henshilwood, da Universidade de Johannrburg.

Conchas de abalone com restos de ocre, caverna de Blombos, África do Sul.

As esculturas paleolíticas, como as chamadas Vênus e o do Homem-Leão, assim como as decorações gravadas em lançadores de marfim e as marcações no osso de Ishango são evidências que o homem pré-histórico não se limitava a instintiva sobrevivência e busca de alimentos, mas tinha um pensamento complexo que entre o lógico e o simbólico, abstrato e imaginativo.

10. A arte pré-histórica era simples como desenhos infantis

FALSO. Arnold Hauser, em sua obra de 1951, já observava que o naturalismo do homem paleolítico não constituía, de modo algum, um mero fenômeno instintivo, estático e à margem da história:

“A exatidão do desenho atingiu tal nível de virtuosismo que tornou possível traduzir atitudes e aspectos, sucessivamente mais complicados, movimentos e gestos cada vez mais dinâmicos, assim como esboços e intersecções cada vez mais arrojadas. (…) Há estudos de movimento que nos fazem lembrar as modernas fotografias instantâneas. (…) Os pintores da Idade Paleolítica souberam encontrar, a olho nu, cambiantes delicadas que o homem moderno só consegue descortinar com o auxílio de instrumentos complicados.”

Bisão, Grande Salão da caverna de Altamira, Espanha, arte do Paleolítico Superior, 14.500-12.000 a.C.

Um estudo de 2012 sobre representações artísticas do movimento em animais de quatro patas confirmou as observações de Hauser. O estudo abrangeu desde pinturas rupestres pré-históricas até a era moderna. Verificou-se que os artistas pré-históricos eram melhores em retratar com precisão o movimento dos animais do que os artistas modernos.

Segundo esse estudo, publicado na Plos One, a taxa de erro da arte rupestre do Paleolítico superior mostrando quadrúpedes andando era de apenas 46%, enquanto as representações artísticas do século XIX tiveram cerca de 58% de erro, isso em uma época que os pintores tinham por referência as fotografias de Muybridge (1830-1904) que captavam o movimento.

E a pré-história do Brasil?

Os estudos pré-históricos no Brasil tiveram um grande impulso nos últimos anos. O termo “pré-história do Brasil” não é mais usado pelos especialistas que denominaram esse período de pré-cabralino, isto é, anterior à chegada de Pedro Álvares Cabral, em 1500.

A periodização da história pré-cabralina também não segue a tradicional divisão em paleolítico e neolítico. Os especialistas preferem utilizar as épocas geológicas: o pleistoceno e o holoceno. Neste sentido, a periodização do pré-cabralino se divide em:

  • Pleistoceno (60.000-12.000 A.P*): desde a chegada dos primeiros povoadores do território do atual Brasil. O fóssil mais antigo desse período é o de Luzia, com cerca de 12.500-13.000 anos.
  • Holoceno no Brasil (12.000-4.000 A.P*): subdividido em

> Arcaico antigo (12.000-9.000 anos)

> Arcaico médio (9.000-4.500 anos)

> Arcaico recente (4.000 anos até à chegada dos europeus).

*A.P = antes do presente.

Fonte

Saiba mais

Recursos didáticos

 

 

 

 

Agenda 2025
Doação
Doação

Estamos no limite de nossos recursos 😟 O site Ensinar História produz conteúdo de qualidade sem custos, sem propaganda e sem restrições aos seguidores. Contribua com nosso projeto realizando uma doação.

Compartilhe

Comentários

Inscrever-se
Notificar de
guest
0 Comentários
mais antigos
mais recentes Mais votado
Feedbacks embutidos
Ver todos os comentários

Outros Artigos

Últimos posts do instagram

0
Adoraria saber sua opinião, comente.x