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Início da Revolta da Chibata, Rio de Janeiro

22 de novembro de 1910

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Em 22 de novembro de 1910, por volta das 22h, tiros de canhão foram disparados de um navio da Marinha. Tinha início a Revolta da Chibata, no Rio Janeiro, a mais importante rebelião de marinheiros de baixa patente da Marinha brasileira. Os rebelados exigiam o fim dos castigos físicos contra os marinheiros, melhor alimentação e a colocação em prática da lei de ajustes de horários, aprovada pelo Congresso.

  • BNCC: 9° ano. Habilidade: EF09HI01, EF09HI03, EF09HI04, EF09HI05

A gota d´água para o movimento foi a punição de 250 chibatadas imposta do cabo Marcelino Rodrigues, um marinheiro afro-brasileiro alistado regularmente, por ferir deliberadamente um companheiro com uma lâmina de barbear condenado por ferir um marinheiro a bordo do encouraçado Minas Gerais.

O grupo de marinheiros, negros em sua grande maioria, era liderado pelo cabo João Cândido Felisberto e Francisco Dias Martins, tomou o controle do navio, matou o comandante e mais três resistentes ao movimento, causando pânico geral na cidade do Rio de Janeiro. Outros navios aderiram ao movimento: o Bahia, o São Paulo e o Deodoro. Os marinheiros viraram os enormes canhões dos navios em direção ao Rio de Janeiro e atiraram, vitimando pessoas em dias residências. O ato forçou o marechal Hermes da Fonseca, emposado presidente apenas sete dias antes, a negociar com os rebeldes.

Antecedentes imediatos da Revolta da Chibata

Nos primeiros anos do século XX, a Marinha do Brasil passava por uma modernização tecnológica. A crescente demanda por café e borracha exigia uma marinha mais forte e novos navios foram encomendados.

A modernização, contudo, não foi acompanhada por mudanças sociais nos quadros que compunham a tripulação de baixa patente. Para esses postos eram alistados libertos e filhos de escravos que tinham na Marinha a chance de serem empregados como aprendizes. Foi o caso de João Cândido Felisberto (1880-1969), o líder da Revolta da Chibata, que entrou na Marinha aos 16 anos de idade.

Muitos aprendizes eram jovens negros com 14 anos de idade que tinham cometido ou eram suspeitos de crimes, enviados para a Marinha como forma de regeneração ali permanecendo por doze ou quinze anos.

Marinheiros posam para um fotógrafo a bordo do Minas Gerais , 1913

As punições aplicadas pelos oficiais da Marinha eram pesadas. Iam desde prisão na solitária por um a cinco dias, a pão e água para faltas leves, até 25 chibatadas, no mínimo, para as graves. O castigo corporal era usado até mesmo para punir delitos menores.

A maior parte dos oficiais acreditava que o castigo físico era uma medida essencial para manter a disciplina em seus navios.

Outras reivindicações além da extinção das chibatas

Além de exigir o fim do castigo físico, os marinheiros expuseram outros problemas e apresentaram propostas concretas de mudança. Denunciaram que a chegada dos novos navios exigiu maior quantidade de homens, sobrecarregando o trabalho dos existentes. Reclamaram que os oficiais receberam aumentos de salários, enquanto os marinheiros não tiveram a mesma sorte.

O aumento dos salários e a criação de uma nova tabela de serviços para diminuir o excesso de trabalho, foram duas reivindicações reveladoras da insatisfação dos marinheiros.

A eclosão da revolta

A revolta começou logo após as brutais 250 chibatadas dadas a Marcelino Rodrigues Menezes e mobilizou por volta de 1.500 a 2.000 marinheiros. Na noite do dia 22 de novembro de 1910, os marinheiros do Minas Gerais, tomaram o navio matando o comandante e membros da tripulação leais aos oficiais.

Os tiros disparados alertaram outros navios no porto que a revolta tinha começado. À meia-noite, os rebeldes tinham sob seu controle os navios São Paulo, Bahia e Deodoro com o “almirante” João Cândido no comando geral. As tripulações dos navios República e Benjamin Constant, e dos torpedeiros Tamoio e Timbira também se revoltaram.

Ainda naquela noite, os rebeldes enviaram um telegrama ao presidente, que dizia: “Não queremos o retorno da chibata. Isto é o que pedimos ao Presidente da República e ao Ministro da Marinha. Queremos uma resposta imediata. Se não recebermos tal resposta, destruiremos a cidade e os navios que não são revoltantes.”

João Cândido lendo o manifesto

João Cândido lendo o manifesto da Revolta da Chibata pedindo o fim dos castigos físicos

O presidente Hermes da Fonseca, entretanto, se recusou a permitir qualquer contato direto com os amotinados. Em resposta, na manhã do dia 23, os navios os navios rebeldes dispararam contra fortes militares localizados em torno da Baía da Guanabara, as bases da Ilha das Cobras e da Ilha de Villegagnon, Niterói, e o palácio presidencial.

A situação era complicada para o governo. O presidente poderia reunir a frota que restava para atacar e possivelmente destruir os navios rebeldes, mas isso significaria perder três navios incrivelmente caros e essenciais para a modernização naval do país. Além disso, a frota remanescente era pequena e com navios muito velhos e sucateados.

A única saída foi negociar com os rebeldes e oferecer-lhes a anistia. No dia 26 de novembro, às 19h, os amotinados aceitaram oficialmente as disposições relativas à anistia.

A traição do governo

O governo prometeu aos rebelados a anistia e também o fim dos castigos físicos. Porém, assim que os marinheiros entregaram as armas, eles foram presos e expulsos das Forças Armadas. A anistia não foi respeitada.

O presidente da República, Marechal Hermes da Fonseca, autorizou a exclusão da Marinha de todos considerados indesejáveis. Foram cerca de  1.2oo expulsões, o equivalente a metade dos participantes da revolta. Prisões, degredo e fuzilamentos ocorreram com respaldo do Governo da época.

A traição resultou em outro levante, em 9 de dezembro de 1910, no Batalhão Naval localizado na ilha das Cobras, no Rio de Janeiro, envolvendo desta vez os fuzileiros navais. Tropas do Exército foram chamadas para pôr fim à nova rebelião, que deixou um saldo de 24 rebeldes mortos. O governo usou essa segunda revolta como pretexto para uma repressão ainda mais violenta contra João Cândido e seus companheiros.

Na véspera do Natal de 1910, uma onda de prisões foi desencadeada. João Cândido e outros presos foram levados para duas celas solitárias na ilha das Cobras. Nelas foram jogados 31 presos. O comandante do Batalhão Naval, capitão Marques da Rocha, levou as chaves embora. Gritos vindos da prisão foram ouvidos do lado de fora e o calor era insuportável. Dentro das celas praticamente não havia ar para respirar.

No dia seguinte, 25 de dezembro, o carcereiro jogou cal sobre os presos, para tirar o mal cheiro de urina e das fezes. O pó do cal terminou por asfixiar os prisioneiros que já agonizavam. No dia 26, a cela foi aberta e perguntaram se João Cândido ainda vivia. O capitão Marques da Rocha mandou retirar os detidos, que estavam desde o dia 24 sem água e sem comida. Na cela de João Cândido, apenas ele e outro marinheiro sobreviveram.

Outros 105 marinheiros que tiveram participação ativa na Revolta da Chibata, foram embarcados, na véspera do Natal de 1910, para a Amazônia, no navio Satélite. Durante a viagem, vários marinheiros foram sumariamente fuzilados. Aqueles que conseguiram chegar na Amazônia foram encaminhados para as obras da estrada de ferro Madeira-Mamoré ou para os seringais do Acre, onde poucos sobreviviam.

O julgamento em 1912

A notícia do ocorrido na ilha das Cobras vazou e até instituições internacionais protestaram contra os maus tratos dados aos presos. Um Conselho de Guerra chegou a investigar o caso, mas o capitão Marques da Rocha foi absolvido. Continuou seguindo carreira na Marinha e alcançou a patente de almirante.

Finalmente, no final de 1912, os marinheiros presos sobreviventes na prisão da ilha das Cobras foram levados a julgamento pela rebelião no Batalhão Naval, da qual não tiveram participação. Houve uma mobilização social em uma campanha para conseguir bons advogados para a defesa. Os marinheiros foram absolvidos, por unanimidade.

Consequências da Revolta da Chibata

Os castigos físicos na Marinha foram suprimidos mas poucos envolvidos na revolta beneficiaram-se disso. Em 1911, a maior parte deles tinha sido desligada, morta ou fugira.

Em 1923, a Escola de Aprendizes da Marinha da Bahia, teve todas as 47 vagas preenchidas rapidamente. No entanto, o oficial comandante dessa instituição começou a reprovar todos os menores negros, dando lugar aos brancos. Segundo ele, esta era uma seleção “natural”. Parte dos oficiais desejava embranquecer a armada. (NASCIMENTO, 2001).

“Devido ao racismo na Marinha, negros não poderiam ser oficiais. Mesmo que distantes do oficialato, os marinheiros de 1910 desejaram construir uma nova realidade capaz de alavancar suas carreiras. Numa cidade onde a disputa por empregos no mercado de trabalho criou e recriou conflitos por nacionalidade, cor e gênero, os amotinados de 1910 tentaram garantir um espaço no qual assegurassem dias mais felizes para suas vidas.” (NASCIMENTO, 2001).

João Cândido, o líder da Revolta da Chibata, morreu em 1969, anônimo e na extrema pobreza trabalhando como carregador de peixes no porto do Rio de Janeiro. A música “O Mestre-sala dos mares”, de João Bosco e Aldir Blanc, foi composta em homenagem a ele.

Fonte

  • GRANATO, Fernando. O negro da chibata. Rio de Janeiro: Objetiva, 2000.
  • KUPPER, Agnaldo, CHENSO, Paulo André. O navegante negro e a chibata: a revolta dos marinheiros de 1910. São Paulo: FTD, 2001.
  • MAESTRI, Mário. Cisnes Negros: uma história da revolta da chibata. São Paulo: Moderna, 2000.
  • SILVA, Marcos Antonio. Contra a chibata: marinheiros brasileiros em 1910. São Paulo: Brasiliense, 1982.
  • MOREL, Marco. João Cândido. A luta pelos direitos humanos. Projeto Memória.
  • MOREL, Edmar. A Revolta da Chibata. Rio de Janeiro: Graal, 1986.
  • LOVE, Joseph L. The Revolt of the Whip. Stanford, California: Stanford University Press, 2012.
  • NASCIMENTO, Álvaro Pereira. A ressaca da marujada: recrutamento e disciplina na armada imperial. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2001.

Abertura

  • João Cândido, líder da Revolta da Chibata,  (à direita, fazendo continência) entrega o comando do encouraçado Minas Gerais ao capitão Pereiras Leite depois das (falsas) promessas do governo, 26/11/1910.

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