Em 19 de novembro de 1703, no final do reinado de Luís XIV, morreu um misterioso prisioneiro em uma cela solitária da Bastilha, em Paris. Conhecido como “Máscara de Ferro” teve seu nome, idade e origem mantidos em segredo durante todo o tempo de encarceramento. Sequer o motivo da prisão foi revelado.
Ele foi enterrado no cemitério de St. Paul com o nome de Marchiali, embora outras fontes indiquem os nomes Marchioly ou Marchialy. Teria, talvez, uns 50 anos de idade
- BNCC: 78º ano. Habilidade: EF07HI07
O Homem da Máscara de Ferro ficou preso por 34 anos, de 1669 até sua morte em 1703. Primeiro em uma fortaleza nos Alpes, depois em outras duas prisões e finalmente na Bastilha, sempre sob a vigilância do mesmo carcereiro, Bénigne Dauvergne de Saint-Mars que faleceu cinco anos depois de seu prisioneiro.
Vivia com relativo conforto na cela, vestia-se com tecidos caros e era tratado com respeito.
O que se sabe a respeito do Homem da Máscara
A primeira menção “pública” do prisioneiro misterioso é uma carta da Duquesa de Orléans à Sofia de Hanôver, datada de 10 de outubro de 1711. Ela menciona explicitamente que ele tinha que usar uma máscara em tudo que fazia, mesmo comendo e dormindo, mas nada sabia de sua identidade.
Registros da fortaleza da Bastilha, de 1698, relatam sobre a admissão de um prisioneiro idoso, a quem foi ordenado pelo diretor da prisão Benigne Dauvergne de Saint-Mars a sempre usar uma máscara.
Segundo a correspondência entre o marquês de Louvois, ministro da Guerra de Luís XIV e Saint-Mars (documentação bastante fragmentada, faltando muitas páginas), têm-se as informações a seguir.
O homem da máscara foi preso pela primeira vez em 24 de agosto de 1669 na fortaleza de Pinerolo, no Piemonte (Itália). Estava junto com outros prisionerios importantes como Nicolas Fouquet (ex-ministro das Finanças de Luís XIV e preso pelo mosqueteiro do rei D’Astagnan) e o marquês de Lauzun (ex-ministro da Guerra de Luís XIV).
Em 1681, o homem da máscara foi transferido para a fortaleza de Exilles, também na região de Piemonte. No ano seguinte, as condições de prisão foram reforçadas novamente por ordem de Louvois.
Em 3 de maio de 1687, quando a fortaleza de Exilles foi ameaçada de guerra, o homem da máscara foi transferido para a ilha de Sainte-Marguerite, na costa de Cannes, onde inicialmente vivia apenas um outro prisioneiro.
Em setembro de 1698 foi levado para a Bastilha, em Paris, onde morreu em 19 de novembro de 1703.
A cada mudança de local, o carcereiro Saint-Mars era transferido chegando assim a ser governador da Bastilha em 1698 – sempre com o homem da máscara e alguns outros prisioneiros em seu rastro.
O tratamento dado ao prisioneiro
O homem desconhecido tinha que usar máscara ao andar no pátio e em direção a estranhos e não tinha permissão para ter qualquer contato com alguém sob pena de morte para o cúmplice.
A cada mudança de prisão, tomava-se um cuidado escrupuloso para garantir que ninguém pudesse ouvir sua voz, ver seu rosto ou mesmo falar com ele. Quando foi transportado para a ilha de Sainte Marguerite, foi carregado em uma liteira hermeticamente fechada com um cadeado que quase o sufocou.
Para sua conveniência pessoal, no entanto, ele recebeu inúmeras vantagens. Em Sainte-Margerite, trocava a roupa de cama duas vezes por semana, tinha a cela mobiliada, recebia todos os livros que pedia, podia tocar alaúde e receber atendimento médico se necessário. Saint-Mars recebia 12 libras por dia para a alimentação do prisioneiro e seu criado.
Nenhuma despesa foi poupada em guardá-lo. Só a soma gasta na construção de sua cela privativa na ilha de Sainte-Marguerite, foi de 5.000 libras. Uma cela especial foi construída em Pignerol, que teve que ser adentrada por três portas para que os guardas não pudessem ouvir. Tinha janelas com grades duplas que não podiam ser vistas do lado de fora.
Ele era cuidado pessoalmente pelo diretor da prisão, que lhe servia as refeições. Segundo depoimentos da época, os oficiais tiravam os chapéus na presença dele e só voltavam a colocá-lo quando solicitados a fazê-lo.
É de se supor que o prisioneiro não estava permanentemente mascarado, mas somente durante as transferências para impedir que alguém o reconhecesse. A máscara não era de ferro, mas de veludo preto – o metal poderia levá-lo a doenças, como septicemia, assim como o crescimento da barba sob essas condições.
Hipóteses de sua identidade
Existem dezenas de versões sobre a identidade do Homem da Máscara que inspiraram romances e filmes.
Em uma versão, o prisioneiro mascarado seria o conde de Vermandois (1667-1683), filho da união de Luís XIV com sua amante duquesa Louise de La Vallière, que caiu em desgraça com o rei por causa de sua homossexualidade e por ter dado um tapa nas orelhas do príncipe herdeiro.
Em outra hipótese, o prisioneiro desconhecido seria o cavaleiro de Lorraine de Harmoises, que estava à frente de uma conspiração contra Luís XIV na Holanda espanhola. Ele foi preso em Péronne em 29 de março de 1673 e, de acordo com essa hipótese, teria sido tão bem guardado porque nobres de alto escalão eram cúmplices da conspiração.
Falou-se, também, que o misterioso prisioneiro seria filho de Oliver Cromwell. Essa hipótese parece derivar de uma carta do próprio Saint-Mars, datada de 8 de janeiro de 1688, na qual ele afirma que o mundo acreditaria que o prisioneiro era Richard Cromwell, filho do lorde inglês, nascido em 1658 ou 1659. Embora tenha desaparecido em 1671 para evitar a perseguição, Richard reapareceu em 1680 e morreu em 1712. Esta versão pode ter sido uma pista falsa lançada na época.
Suposto irmão de Luís XIV
Foi Voltaire quem alegou que o prisioneiro usava uma máscara de ferro, quando na verdade era de veludo preto. Voltaire tentou aprender o máximo possível sobre o caso quando ficou preso na Bastilha em 1717. Segundo Voltaire, na segunda edição de Questions sur l’Encyclopédie, de 1771, o prisioneiro misterioso era irmão gêmeo de Luís XIV. No momento do parto, a rainha Ana da Áustria teria ficado a sós com a parteira e uma criada.
Como os nascimentos na família real francesa tradicionalmente aconteciam em público, é praticamente impossível encobrir o nascimento de gêmeos. Dezenas de pessoas estiveram presentes no nascimento de Luís XIV, seu nascimento está bem documentado por memórias e cartas recheadas de detalhes.
Uma variante dessa hipótese, afirma que o homem mascarado seria filho ilegítimo de Ana da Áustria, a rainha-mãe, portanto novamente a ideia dele ser irmão de Luís XIV. A criança teria sido criada no campo, longe da corte francesa e, mais tarde, encarcerada.
Tais teorias de parentesco são pouco realistas. Além disso, há cartas onde se afirma que, durante a prisão em Pinerolo, o homem da máscara serviu, temporariamente, de criado para o prisioneiro Nicolas Fouquet – fato que quase certamente excluiria seu nascimento nobre.
Porém, e aqui volta-se para o ‘x’ da questão, considerando-se que nenhuma despesa foi poupada para o conforto do homem mascarado e que Luís XIV interessou-se pessoalmente por ele, é quase certo de que se tratava realmente de alguém muito importante da corte francesa.
O homem mascarado na literatura
Foi Alexandre Dumas (1802-1870) quem popularizou a história do homem mascarado em seu romance “Os Três Mosqueteiros” (Les Trois Mousquetaires, 1844). Nele, o romancista apresenta o prisioneiro como irmão gêmeo de Luís XIV, nascido poucas horas depois.
O mito propagou-se com o tempo e inspirou diversos trabalhos de ficção como o filme O Homem da Máscara de Ferro (EUA, direção de Randall Wallace, 1998) com Leonardo DiCaprio em papel duplo como o rei Luís XIV e Phillipe, o prisioneiro.
Fonte
- DABOS, Claude. Le Masque de fer. Une enquete historique de Claude Dabos.
- WILKINSON, Josephine. Quem era o verdadeiro “homem da máscara de ferro”, o famoso prisioneiro que se dizia gêmeo do rei Luís XIV. BBC, 27 nov 2021.
- La “Maschera di Ferro”, com curadoria de Alessandro Prandi.
Abertura
- Manequim exposto nas celas do castelo de Vaux-le-Vicomte, França.
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