O período áureo da Mineração (1700-1760), no Brasil Colonial, foi marcado pela rigorosa fiscalização da metrópole que, entre outras coisas, proibia estrangeiros de documentar as atividades mineradoras. Com a vinda da Corte portuguesa para o Brasil, as normas foram abrandadas e surgiram, então, os primeiros registros iconográficos sobre extração de ouro e diamantes.
A aquarela “Lavagem do minério de ouro”, de Rugendas é a mais detalhada e importante imagem da atividade mineradora de Minas Gerais do início do século XIX. Por isso, ela merece uma leitura visual mais cuidadosa que permita explorar mais a fundo suas informações.
Este artigo remete para atividades no site Stud História. Veja no final.

“Lavagem do minério de ouro perto da montanha de Itacolomi”, Johann Moritz Rugendas, aquarela sobre papel, 30 x 26 cm, 1835.
“Lavagem do minério de ouro”: leitura da imagem
A imagem mostra a extração aurífera em uma lavra na qual o trabalho é organizado em grande escala com aparelhamento para a lavagem do ouro. Cerca de 30 escravos trabalham na lavra sob o olhar atento de 7 ou 8 feitores brancos, uma vigilância rigorosa para evitar que os escravos roubassem o proprietário da lavra.
A lavra situa-se na região montanhosa de Minas Gerais, nas proximidades das cidades de Mariana e Ouro Preto (antiga Vila Rica). O pico do Itacolomi, com 1.772 metros de altitude, o ponto mais alto da Serra do Espinhaço, era chamado de “Farol dos Bandeirantes” pois servia de referência para os antigos viajantes da Estrada Real que ali passavam a caminho das Minas Gerais. A região é repleta de nascentes, rios e cachoeiras em meio à densa vegetação da Mata Atlântica.
O ouro é de aluvião, encontrado em meio ao cascalho, areia e argila que se forma nas margens ou na foz dos rios. Na imagem de Rugendas, vê-se dois locais de exploração do ouro de aluvião: no canal escavado, em primeiro plano, e na área alagada pela cachoeira, no fundo à esquerda. Há, também, um terceiro ponto, na encosta da montanha, onde foi escavada uma galeria para extrair ouro incrustado na rocha.
Rugendas dá mais detalhes sobre a cena que pintou:
Escavam-se longos canais condutores a fim de trazer a água até o lugar que se deseja explorar. Gradis aí colocados retêm as pedras mais grossas, deixando passar, com a água, a areia e o pedregulho ou cascalho. Esses reservatórios, chamados mundéus, são constantemente remexidos para que o ouro, se purifique e, ao depositar-se no fundo, esvazia-se a água a qual carrega o cascalho. Pode-se também recolher o ouro, ou melhor a areia aurífera, em couros de bois ou cobertores de lã grosseira sobre os quais o minério é depositado pelas águas vindas da montanha.
[Os faiscadores] entram na água até a cintura e recolhem a areia do rio numa bateia. Remexendo a bateia à superfície da água, deixa-se sair a terra e o cascalho, ficando o ouro, mais pesado, no fundo cônico da bateia.
Outros faiscadores preferem amontoar a areia dos rios, fazendo correr por cima um pouco de água para retirar as partes mais leves. O restante é levado para uma panela chata; aí lava-se e remexe-se esse amontoado de areia, fazendo-o passar por cima de um couro de boi; finalmente tudo é colocado de novo em uma gamela para uma última lavagem. (RUGENDAS, 1972, p. 36-37).

Lavagem do minério de ouro (detalhe), Rugendas
Em primeiro plano, à esquerda, um escravo mergulha um grande couro na água do reservatório. O couro será depois batido – como se vê à direita – para soltar as pedrinhas de ouro que se prenderam a ele. O ouro extraído é pesado e se for de bom peso, a descoberta é comemorada pelos escravizados pois eram recompensados com comida, cachaça ou roupas novas.
Acima dessa cena, um escravizado é punido pelo senhor de casaca amarela – possivelmente por desobediência, rebeldia, furto ou mesmo por ser improdutivo.
Próximo, há duas negras levando sobre a cabeça carubés (vasilha de madeira, semelhante à bateia, mas de tamanho menor). Embora em menor número, negras mineradoras foram utilizadas na exploração do ouro e também de diamantes. O trabalho feminino na mineração era comum na África, especialmente na região da Costa da Mina, e elas tinham a reputação de dominarem a técnica de exploração aurífera e até de trazerem sorte.
Outras mulheres negras e mestiças, escravizadas ou forras, circulavam nos arraiais e morros com seus tabuleiros repletos de doces, frutas, queijo, fumo etc. Eram as chamadas “negras de tabuleiro” ou “quitandeiras” que vendiam suas mercadorias recebendo em ouro e diamantes, o que permitiu a muitas delas acumular uma certa fortuna e adquirir bens, inclusive escravos.
Transitando entre diversas minas, arraiais e vilas essas mulheres formavam uma rede de comunicação, de solidariedade e até de intrigas tornando-se poderosas mediadoras culturais da região.
Muitos forros e forras dedicaram-se à mineração e empregaram seus escravos nessa atividade, ainda que pouco(as) deles(as) tenham conseguido a posse de terras minerais.
Breve história da mineração no Brasil Colonial
A mineração no Brasil Colonial concentrou-se em Minas Gerais e Goiás na primeira metade do século XVIII, alcançando seu ponto máximo em torno de 1760. O ouro provocou grandes transformações na colônia contribuindo para o povoamento do interior e o crescimento demográfico do Brasil. Levou à fundação de numerosas vilas e cidades e, com elas, a proliferação de mercadores, artesãos, taberneiros, boticários, cirurgiões-barbeiros, tropeiros etc.
O ouro permitiu construir igrejas imponentes e revestiu seus altares e tetos. Mas enriqueceu poucos. A riqueza acabou se acumulando de fato nas mãos dos comerciantes, locais e forasteiros. A pobreza marcou a sociedade mineradora como bem analisou Laura de Mello e Souza.
Esgotadas as minas, o declínio foi relativamente rápido e, em 1780, a renda da mineração era menos da metade do que fora no auge. A queda da extração aurífera, contudo, não acarretou uma decadência econômica, como afirmava a visão tradicional. A economia mineira, a partir da segunda metade do século XVIII, diversificou-se com a produção de alimentos, atividades artesanais e um vigoroso comércio.
A produção de carnes, derivados da cana-de-açúcar e do leite, milho entre outros alimentos cresceu a partir das necessidades de abastecimento, oferecendo importantes oportunidades comerciais. Além disso, a extração de ouro e diamantes não desapareceu, sua produção diminuiu sem dúvida, mas as lavras continuaram sendo exploradas e muitos faiscadores ainda lançavam suas bateias nos riachos.
Foi essa situação que Rugendas encontrou em Minas Gerais quando ali esteve por volta de 1824.
Rugendas: o pintor e sua obra

Johann Mortiz Rugendas tinha apenas 20 anos de idade quando entrou na expedição de Langsdorff. Permaneceu no Brasil por três anos e para o país retornou em 1845.
Johann Moritz Rugendas (1802-1858), também conhecido no Brasil como João Maurício Rugendas, integrou a expedição do naturalista e diplomata russo-alemão Georg Heinrich von Langsdorff que percorreria o interior do Brasil, em 1822.
Estava na região de Minas Gerais quando, desentendeu-se com Langsdorff e abandonou a expedição, prosseguindo viagem sozinho (1824-1825).
Ao retornar à Europa publicou sua obra Viagem Pitoresca através do Brasil (1827-1835) reunindo cerca de 100 litografias das imagens produzidas em sua expedição.
Apesar de Rugendas, enquanto membro da Expedição Langsdorff ter podido observar situações próximas à que representou, a aquarela “Lavagem do minério de ouro” é uma composição inventada, embora sendo uma paisagem geográfica que ele conheceu. A cena representada teve como base inspiradora a narrativa dos austríacos Spix e Martius que percorreram o interior do Brasil entre 1817 e 1820.
Trabalho escolar com a “Mineração de ouro”, de Rugendas
A gravura ““Lavagem do minério de ouro de Itacolomi”, permite um trabalho de leitura crítica da imagem que vai enriquecer as aulas sobre mineração e sociedade do Brasil colonial.
- Faça cópias da gravura e distribua-a aos alunos reunidos em grupo. Se possível, projete-a no Power Point.
- Contextualize a pintura: comente a época em que foi feita e fale brevemente sobre o pintor e sua obra.
- Leia a descrição de Rugendas sobre a imagem e estimule os alunos a identificarem os elementos citados pelo artista.
- Lance questões que estimulem os alunos a refinarem seu olhar identificando objetos na imagem. Para deixar o trabalho mais dinâmico e desafiador, escolha 1 grupo para responder e pontue o acerto. É recomendável que as respostas sejam orais. Tornar a dinâmica uma atividade escrita é cansativa e pouco estimulante para os alunos. Sugerimos as questões a seguir.
Questões para discutir em classe
- Como é a geografia do lugar? Como lhe parece a região de Itacolomi?
- Onde os escravos estão procurando ouro?
- A natureza permaneceu intocada ou teve intervenção humana? Explique.
- Que tipo de ouro era explorado neste local?
- Observando as figuras, percebe-se que há 1 feitor para cada 3 ou 4 escravos. Por que tanta vigilância?
- O que fazem os dois escravos, à direita, em primeiro plano?
- Atrás deles, o que fazem os homens brancos (com chapéus altos)?
- Há mulheres neste local? O que elas estariam fazendo aí?
Aprofunde o trabalho com o Ensino Médio
Para as turmas do Ensino Médio, você pode avançar na dinâmica lançando questões que exijam pesquisa, mobilizem o conhecimento do estudante ou estabeleçam conexões com o tempo presente, como sugerimos a seguir.
- O autor dessa gravura esteve no Brasil? Poderia ter visto essa cena?
- A gravura foi publicada entre 1827 e 1835, mas realizada por volta de 1824, portanto um século depois do auge da mineração, ocorrido na primeira metade do século XVIII. Ainda haveria mineração em Minas Gerais no século XIX?
- Pesquise sobre a riqueza mineral de Minas Gerais no passado e na atualidade.
- Pesquise sobre o Parque Estadual do Itacolomi: localização, origem do nome, ponto mais alto, tipo de vegetação, animais silvestres, sua relação com a mineração colonial.
- Os escravos trabalhavam seminus e dentro da água, sempre fria na região montanhosa, especialmente no inverno. Como seria a saúde desses escravos?
- Pesquise os danos causados pela exploração mineradora ao meio ambiente.
Outras atividades com essa gravura
- Lavagem de ouro, de Rugendas. Teste/quiz online.

Reprodução da gravura “Lavagem do minério de ouro”, de Rugendas, para colorir.
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Fonte
- BOXER, C. A idade do ouro no Brasil. São Paulo: Cia Editora Nacional, 1969.
- CANO, Wilson. A economia do ouro em Minas Gerais (século XVIII). São Paulo: Contexto, n. 3, 1977.
- DIENER, Pablo e COSTA, Maria de Fátima. Rugendas e o Brasil. Obra completa. Rio de Janeiro: Capivara, 2012.
- LUNA, Francisco Vidal & COSTA, Iraci Del Nero. Minas Colonial: economia e sociedade. São Paulo: Estudos Econômicos-FIPE: Pioneira, 1982.
- PINTO, Virgílio Noya. O ouro brasileiro e o comércio anglo-português. São Paulo: Companhia Nacional/ MEC. 1979.
- RUGENDAS, Johann Moritz. Viagem pitoresca através do Brasil. São Paulo: Martins / USP, 1972.
- SOUZA, Laura de Mello e. Os desclassificados do ouro: a pobreza mineira no século XVIII. Rio de Janeiro: Graal, 1990.
- ANDRADE, Leandro Braga de. A formação econômica de Minas Gerais e a perspectiva regional: encontros e desencontros da historiografia sobre os séculos XVIII e XIX. Revista Caminhos da História. Rio de Janeiro: Vassouras, 2010, v.6, n.1
- PAIVA, Eduardo França. Bateias, carumbés, tabuleiros: mineração africana e mestiçagem no novo mundo. In: PAIVA, E. F.; ANASTASIA, C.M. (orgs.) O trabalho mestiço; maneiras de pensar e formas de viver, séculos XVI a XIX. São Paulo/Belo Horizonte, Annablume / PPGH-UFME, 2002, p. 187-207.
Saiba mais
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Olá, procurei em toda parte o seguinte material: CANO, Wilson. A economia do ouro em Minas Gerais (século XVIII). São Paulo: Contexto, n. 3, 1977., mas não achei.
Olá, adorei o artigo! Era exatamente isso que eu procurava para trabalhar na minha aula de Intermediário 3 com alunos estrangeiros! Meus parabéns! Abraços
Que bom professor! Obrigada por nos visitar!