O período áureo da Mineração (1700-1760), no Brasil Colonial, foi marcado pela rigorosa fiscalização da metrópole que, entre outras coisas, proibia estrangeiros de documentar as atividades mineradoras. Com a vinda da Corte portuguesa para o Brasil, as normas foram abrandadas e surgiram, então, os primeiros registros iconográficos sobre extração de ouro e diamantes.
A aquarela “Lavagem do minério de ouro”, de Rugendas é a mais detalhada e importante imagem da atividade mineradora de Minas Gerais do início do século XIX. Por isso, ela merece uma leitura visual mais cuidadosa que permita explorar mais a fundo suas informações.
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- BNCC: 7° e 8° anos – Habilidades: EF07HI10, EF07HI11, EF07HI12, EF07HI13, EF08HI05
“Lavagem do minério de ouro”: leitura da imagem
A imagem mostra a extração aurífera em uma lavra na qual o trabalho é organizado em grande escala com aparelhamento para a lavagem do ouro. Cerca de 30 escravos trabalham na lavra sob o olhar atento de 7 ou 8 feitores brancos, uma vigilância rigorosa para evitar que os escravos roubassem o proprietário da lavra.
A lavra situa-se na região montanhosa de Minas Gerais, nas proximidades das cidades de Mariana e Ouro Preto (antiga Vila Rica). O pico do Itacolomi, com 1.772 metros de altitude, o ponto mais alto da Serra do Espinhaço, era chamado de “Farol dos Bandeirantes” pois servia de referência para os antigos viajantes da Estrada Real que ali passavam a caminho das Minas Gerais. A região é repleta de nascentes, rios e cachoeiras em meio à densa vegetação da Mata Atlântica.
O ouro é de aluvião, encontrado em meio ao cascalho, areia e argila que se forma nas margens ou na foz dos rios. Na imagem de Rugendas, vê-se dois locais de exploração do ouro de aluvião: no canal escavado, em primeiro plano, e na área alagada pela cachoeira, no fundo à esquerda. Há, também, um terceiro ponto, na encosta da montanha, onde foi escavada uma galeria para extrair ouro incrustado na rocha.
Rugendas dá mais detalhes sobre a cena que pintou:
Escavam-se longos canais condutores a fim de trazer a água até o lugar que se deseja explorar. Gradis aí colocados retêm as pedras mais grossas, deixando passar, com a água, a areia e o pedregulho ou cascalho. Esses reservatórios, chamados mundéus, são constantemente remexidos para que o ouro, se purifique e, ao depositar-se no fundo, esvazia-se a água a qual carrega o cascalho. Pode-se também recolher o ouro, ou melhor a areia aurífera, em couros de bois ou cobertores de lã grosseira sobre os quais o minério é depositado pelas águas vindas da montanha.
[Os faiscadores] entram na água até a cintura e recolhem a areia do rio numa bateia. Remexendo a bateia à superfície da água, deixa-se sair a terra e o cascalho, ficando o ouro, mais pesado, no fundo cônico da bateia.
Outros faiscadores preferem amontoar a areia dos rios, fazendo correr por cima um pouco de água para retirar as partes mais leves. O restante é levado para uma panela chata; aí lava-se e remexe-se esse amontoado de areia, fazendo-o passar por cima de um couro de boi; finalmente tudo é colocado de novo em uma gamela para uma última lavagem. (RUGENDAS, 1972, p. 36-37).
Em primeiro plano, à esquerda, um escravo mergulha um grande couro na água do reservatório. O couro será depois batido – como se vê à direita – para soltar as pedrinhas de ouro que se prenderam a ele. O ouro extraído é pesado e se for de bom peso, a descoberta é comemorada pelos escravizados pois eram recompensados com comida, cachaça ou roupas novas.
Acima dessa cena, um escravizado é punido pelo senhor de casaca amarela – possivelmente por desobediência, rebeldia, furto ou mesmo por ser improdutivo.
Próximo, há duas negras levando sobre a cabeça carubés (vasilha de madeira, semelhante à bateia, mas de tamanho menor). Embora em menor número, negras mineradoras foram utilizadas na exploração do ouro e também de diamantes. O trabalho feminino na mineração era comum na África, especialmente na região da Costa da Mina, e elas tinham a reputação de dominarem a técnica de exploração aurífera e até de trazerem sorte.
Outras mulheres negras e mestiças, escravizadas ou forras, circulavam nos arraiais e morros com seus tabuleiros repletos de doces, frutas, queijo, fumo etc. Eram as chamadas “negras de tabuleiro” ou “quitandeiras” que vendiam suas mercadorias recebendo em ouro e diamantes, o que permitiu a muitas delas acumular uma certa fortuna e adquirir bens, inclusive escravos.
Transitando entre diversas minas, arraiais e vilas essas mulheres formavam uma rede de comunicação, de solidariedade e até de intrigas tornando-se poderosas mediadoras culturais da região.
Muitos forros e forras dedicaram-se à mineração e empregaram seus escravos nessa atividade, ainda que pouco(as) deles(as) tenham conseguido a posse de terras minerais.
Breve história da mineração no Brasil Colonial
A mineração no Brasil Colonial concentrou-se em Minas Gerais e Goiás na primeira metade do século XVIII, alcançando seu ponto máximo em torno de 1760. O ouro provocou grandes transformações na colônia contribuindo para o povoamento do interior e o crescimento demográfico do Brasil. Levou à fundação de numerosas vilas e cidades e, com elas, a proliferação de mercadores, artesãos, taberneiros, boticários, cirurgiões-barbeiros, tropeiros etc.
O ouro permitiu construir igrejas imponentes e revestiu seus altares e tetos. Mas enriqueceu poucos. A riqueza acabou se acumulando de fato nas mãos dos comerciantes, locais e forasteiros. A pobreza marcou a sociedade mineradora como bem analisou Laura de Mello e Souza.
Esgotadas as minas, o declínio foi relativamente rápido e, em 1780, a renda da mineração era menos da metade do que fora no auge. A queda da extração aurífera, contudo, não acarretou uma decadência econômica, como afirmava a visão tradicional. A economia mineira, a partir da segunda metade do século XVIII, diversificou-se com a produção de alimentos, atividades artesanais e um vigoroso comércio.
A produção de carnes, derivados da cana-de-açúcar e do leite, milho entre outros alimentos cresceu a partir das necessidades de abastecimento, oferecendo importantes oportunidades comerciais. Além disso, a extração de ouro e diamantes não desapareceu, sua produção diminuiu sem dúvida, mas as lavras continuaram sendo exploradas e muitos faiscadores ainda lançavam suas bateias nos riachos.
Foi essa situação que Rugendas encontrou em Minas Gerais quando ali esteve por volta de 1824.
Rugendas: o pintor e sua obra
Johann Moritz Rugendas (1802-1858), também conhecido no Brasil como João Maurício Rugendas, integrou a expedição do naturalista e diplomata russo-alemão Georg Heinrich von Langsdorff que percorreria o interior do Brasil, em 1822.
Estava na região de Minas Gerais quando, desentendeu-se com Langsdorff e abandonou a expedição, prosseguindo viagem sozinho (1824-1825).
Ao retornar à Europa publicou sua obra Viagem Pitoresca através do Brasil (1827-1835) reunindo cerca de 100 litografias das imagens produzidas em sua expedição.
Apesar de Rugendas, enquanto membro da Expedição Langsdorff ter podido observar situações próximas à que representou, a aquarela “Lavagem do minério de ouro” é uma composição inventada, embora sendo uma paisagem geográfica que ele conheceu. A cena representada teve como base inspiradora a narrativa dos austríacos Spix e Martius que percorreram o interior do Brasil entre 1817 e 1820.
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Fonte
- BOXER, C. A idade do ouro no Brasil. São Paulo: Cia Editora Nacional, 1969.
- CANO, Wilson. A economia do ouro em Minas Gerais (século XVIII). São Paulo: Contexto, n. 3, 1977.
- DIENER, Pablo e COSTA, Maria de Fátima. Rugendas e o Brasil. Obra completa. Rio de Janeiro: Capivara, 2012.
- LUNA, Francisco Vidal & COSTA, Iraci Del Nero. Minas Colonial: economia e sociedade. São Paulo: Estudos Econômicos-FIPE: Pioneira, 1982.
- PINTO, Virgílio Noya. O ouro brasileiro e o comércio anglo-português. São Paulo: Companhia Nacional/ MEC. 1979.
- RUGENDAS, Johann Moritz. Viagem pitoresca através do Brasil. São Paulo: Martins / USP, 1972.
- SOUZA, Laura de Mello e. Os desclassificados do ouro: a pobreza mineira no século XVIII. Rio de Janeiro: Graal, 1990.
- ANDRADE, Leandro Braga de. A formação econômica de Minas Gerais e a perspectiva regional: encontros e desencontros da historiografia sobre os séculos XVIII e XIX. Revista Caminhos da História. Rio de Janeiro: Vassouras, 2010, v.6, n.1
- PAIVA, Eduardo França. Bateias, carumbés, tabuleiros: mineração africana e mestiçagem no novo mundo. In: PAIVA, E. F.; ANASTASIA, C.M. (orgs.) O trabalho mestiço; maneiras de pensar e formas de viver, séculos XVI a XIX. São Paulo/Belo Horizonte, Annablume / PPGH-UFME, 2002, p. 187-207.
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Olá, procurei em toda parte o seguinte material: CANO, Wilson. A economia do ouro em Minas Gerais (século XVIII). São Paulo: Contexto, n. 3, 1977., mas não achei.
Olá, adorei o artigo! Era exatamente isso que eu procurava para trabalhar na minha aula de Intermediário 3 com alunos estrangeiros! Meus parabéns! Abraços
Que bom professor! Obrigada por nos visitar!