O inglês Charles Cunningham Boycott (1832-1897) era um militar que, depois de aposentado em 1872, trabalhou como agente de terras para Lord Erne, um nobre e grande proprietário de terras na Irlanda. Cabia a Charles Boycott receber os alugueis dos camponeses que trabalhavam nas terras de Lord Erne recebendo, para isso, 10% do total arrecadado.
A situação dos camponeses, porém, estava muito difícil durante a Longa Depressão (1874 a 1879), período de recessão econômica mundial em que os preços dos produtos agrícolas despencaram. O quadro agravou-se em 1879, com a chamada Fome Irlandesa causada pela praga que destruiu as plantações de batata e a cólera que dizimou a criação de galinhas.
Muitos agricultores irlandeses não conseguiram pagar os aluguéis, especialmente nas regiões mais pobres. Sem nenhuma legislação que os protegesse, começou a ocorrer o despejo em massa de inquilinos famintos e, pior, em pleno inverno.
Os camponeses que trabalhavam nas terras de Lord Erne, pediram ao seu agente, Charles Boycott a redução de seus aluguéis, mas esse negou-se e iniciou as ações de despejo. Vigorava ainda a ideia do direito divino dos senhores sobre suas terras e de agirem como bem entendessem, sem qualquer questionamento.
Foi quando entrou em ação a Liga Irlandesa da Terra.
Liga Irlandesa de Terra
Fundada em 1879, a Liga Irlandesa de Terra, organizou a resistência dos camponeses da Irlanda contra os abusos dos proprietários de terras. Seu principal objetivo era abolir o latifúndio na Irlanda e permitir que os arrendatários possuíssem as terras em que trabalhavam.
As reivindicações da Liga eram: facilitar a obtenção de empréstimos para os inquilinos comprarem terras e exigir a aplicação dos “Três F” (free sale, fixity of tenure, fair rent) isto é:
- venda livre – o inquilino poder vender sua participação a um novo inquilino sem interferência do proprietário;
- fixação da posse – proibição do inquilino ser despejado se tiver pago o aluguel;
- aluguel justo – que seria decidido pelos tribunais e não pelos proprietários.
A Liga encorajou os seus membros a negociarem o aluguel com seus senhorios. Se isso fosse recusado, o aluguel seria pago pelos inquilinos à Liga e o proprietário não receberia nenhum dinheiro até aceitar fazer um desconto.
A resistência incluía, também, não fazer a colheita e recusar-se deixar a terra.
A campanha contra Charles Boycott
Chales Boycott era famoso pela dureza com que tratava os camponeses e por sua inflexibilidade. Era o agente de terras mais odiado pela população e sobre ele caiu a maior resistência dos camponeses que fizeram uma campanha de isolamento total de Boycott em sua comunidade.
Os lojistas recusaram a atendê-lo, nenhum mercador lhe vendia sequer um ovo, na igreja ninguém sentava no banco onde ele estava, as pessoas desviavam dele nas ruas, os vizinhos não lhe dirigiam a palavra, o correio não entregava a sua correspondência.
Em uma carta ao The Times, de 14 de outubro de 1880, Boycott descreveu sua situação:
“[…] No dia 22 de setembro […] uma multidão uivante, gritou e vaiou para os membros da minha família. No dia seguinte, 23 de setembro, as pessoas se reuniram em multidões em minha fazenda […] Meu ferreiro recebeu uma carta ameaçando-o de assassinato se ele fizesse mais algum trabalho para mim, e minha lavadeira também recebeu ordem de desistir de minha roupa. Um rapazinho de doze anos de idade, que transportava a minha mala postal […] foi agredido e obrigado a desistir do seu trabalho. […] Acabo de receber uma mensagem da funcionária do correio dizendo que a mensageira do telégrafo foi parada e ameaçada na estrada […]. Não consigo contratar trabalhadores para fazer nada, e a minha ruína é abertamente declarada […].
A campanha de isolamento de Boycott fortaleceu o poder dos camponeses e, no final de 1880, camponeses em toda Irlanda estavam fazendo o mesmo contra proprietários e seus agentes.
O caso ganhou repercussão nacional. Os jornais enviaram correspondentes à Irlanda para destacar o que consideraram a vitimização de um empregado de um nobre britânico pelos nacionalistas irlandeses.
Os líderes da Liga Irlandesa de Terras foram levados a julgamento (28 de dezembro de 1880) sob a acusação de conspiração para impedir o pagamento de aluguel. O julgamento atraiu milhares de pessoas em frente ao tribunal. Em 24 de janeiro de 1881, o juiz encerrou o caso a favor da absolvição.
O final da história dos inquilinos e de Boycott
O primeiro ministro Gladstone levou a discussão sobre a reforma agrária para o Parlamento. Em abril de 1881, foi aprovada a Lei de Terras da Irlanda na qual foi estabelecido o princípio da dupla propriedade da terra entre proprietários e inquilinos, e introduzidos os três F. A lei criou, também a Comissão Irlandesa de Terras, um órgão judicial que fixaria os aluguéis por um período de 15 anos e garantia a estabilidade da posse.
A essas alturas, a imprensa já usava verbo “boycott” (boicotar) significando intimidar. Em 1888, a palavra já aparecia no Novo Dicionário Inglês (mais tarde conhecido como The Oxford English Dictionary). A palavra também entrou no léxico de outras línguas como holandês, francês, alemão, polonês, russo e português.
Quanto à Charles Boycott, ele deixou a Irlanda e viajou aos Estados Unidos incógnito usando seu sobrenome Cunningham. Não adiantou: ao chegar a Nova York tinha uma multidão de jornalistas esperando por ele, e o New York Tribune noticiou: “ A chegada do senhor Boycott, que involuntariamente adicionou uma nova palavra ao idioma, é um evento de algo parecido com interesse internacional.” Boycott tinha virado um verbo e morreu com essa infâmia.
Fonte
- Marlow, Joyce. Captain Boycott and the Irish, London, 1973.
- On this day: 24 september 1880: Captain Charles Boycottn sent to “moral Coventry”. Ript, 23 set 2023.
- Charles Boycott: the man who vecame a verb. Amusing Planet, 12 jan 2023.
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