A referência de tempo universal é obtida a partir de um ponto no subúrbio londrino de Greenwich e nossas telas geralmente mostram GMT (Greenwich Mean Time, que significa Tempo Médio de Greenwich). Por que é o meridiano que passa pelo Observatório de Greenwich, na Inglaterra que serve de referência para marcar as horas no globo?
Foi em 1884, durante um congresso em Washington que reuniu delegações de cientistas de todo o mundo, que a questão foi decidida. Mas como veremos, não foi tão simples e cristalizou os velhos inimigos que são a França e a Inglaterra.
Estabelecer um meridiano: uma longa história
Muito cedo na História, surgiu a questão da escolha de um meridiano. Para nos orientarmos no espaço na superfície do globo, precisamos apenas de dois números: latitude e longitude. Latitude usa o equador como linha de referência, um círculo imaginário que separa naturalmente a Terra em dois hemisférios. A longitude também usa um círculo imaginário, mas passa pelos pólos geográficos da Terra. No entanto, há uma infinidade de círculos que passam pelos pólos. Qual seria o melhor para servir de referência?
Marino de Tiro, geógrafo nascido na província romana da Fenício no final do século I, tomou o extremo ocidental do mundo conhecido na época como ponto de partida para as longitudes: as míticas Ilhas dos Bem-aventurados. Estas ilhas estão localizadas na costa da África. Possuem terras abundantes e seus habitantes estão livres de todo trabalho. O problema é que não se sabia exatamente onde estavam essas ilhas (e ainda não se sabe), o que comprometeu o empreendimento dos primeiros geógrafos.
Na Idade Média, eram considerações políticas ou religiosas, e não científicas, que ditavam aos homens onde colocar o meridiano. Cada país estabelecia a sua capital como o centro do mundo por onde passava o meridiano inicial e a confusão era total.
Foi apenas no início do século XVII que houve consenso sobre um meridiano comum e devemos isso ao cardeal Richelieu (1585-1642). A França governada por Luís XIII e o cardeal Richelieu decidiram, em 1634, que o meridiano da Ilha El Hierro, no arquipélago das Canárias, deveria ser utilizado como referência nos mapas, uma vez que esta ilha é a posição mais ocidental da Europa. Para além destes limites, prevalece a lei do mais forte nos mares. Richelieu organizou esta zona de proteção para permitir que a marinha francesa navegasse protegida dos ataques espanhóis e portugueses.
Em 1667, durante o reinado de Luís XIV foi construído um observatório em Paris para medir a longitude. O chamado meridiano de Paris seria utilizado pelos cartógrafos franceses como meridiano de origem mais de 200 anos.
No século XIX, com a ferrovia e o navio a vapor, as distâncias se encurtam e fronteiras são atravessadas. Tornou-se necessário definir um horário universal para sincronizar os horários dos trens que atravessavam a Europa. Cada país usou seu próprio meridiano na época. Os americanos situavam-se em relação ao meridiano de Washington, os alemães ao de Berlim, os franceses ao de Paris, os italianos a Roma, os russos a Pulkowa, etc. Em toda a ilha da Grã-Bretanha, as companhias ferroviárias adotavam o meridiano de Greenwich e o Greenwich Mean Time desde 1847.
A primeira conferência geodésica
Uma primeira reunião preparatória, a conferência geodésica, teve lugar em Roma em 15 de outubro de 1883 e recomendou a utilização do meridiano de Greenwich que já era amplamente utilizado, em particular por marinheiros ingleses, mas também por marinheiros americanos e russos.
A França, porém, não concordou e insistiu em usar o meridiano de Paris por vários motivos: o francês era a língua mais difundida no mundo naquela época, o Observatório de Paris estava menos sujeito a variações geológicas do que o de Greenwich! Assim, Paris e Greenwich se confrontam na conferência de Roma.
Mas note este pequeno parágrafo na conclusão do relatório desta conferência:
A conferência espera que se o mundo inteiro concordar com a unificação das longitudes e dos tempos, aceitando o meridiano de Greenwich como ponto de partida, a Grã-Bretanha encontrará neste fato uma razão para dar mais um passo em favor da unificação de pesos e medidas, aderindo à convenção do metro de 20 de maio de 1875.
Ao dar aos ingleses a referência do tempo, toda a comunidade científica europeia espera fazê-los adotar outras referências de unidades de origem francesa (o metro, o quilograma, etc.), e cujos padrões são mantidos no Pavilhão de Breteuil a Sèvres dentro do Bureau Internacional de Pesos e Medidas. Mas os franceses não pretendiam ceder no meridiano.
A Conferência de Washington
Em 1º de outubro de 1884, foi realizada em Washington a conferência internacional que estabeleceu o posicionamento do meridiano de referência para definir a hora universal e unificar as longitudes.
Em seu relatório, o cientista francês Jules Janssen (1824-1927) surpreendeu-se com a presença de numerosas delegações de pequenos estados amigos dos Estados Unidos e, portanto, da Inglaterra.
Na abertura da conferência, um delegado americano propôs o meridiano de Greenwich como o meridiano universal. Esta atitude de ir direto ao ponto e evitar discussões sobre a relevância da escolha geográfica do meridiano, ofendeu os franceses. Os franceses defendiam a ideia de um meridiano tomado por razões científicas com uma preocupação com a neutralidade das nações. Propuseram duas soluções durante a conferência: um meridiano que passava pelos Açores e um meridiano que passava pelo Estreito de Bering:
…no imenso lençol de água que separa a América da Ásia, em direção a estes confins do norte, onde o novo mundo se une ao velho.
As discussões foram acaloradas especialmente entre os representantes da Grã-Bretanha e da França em uma clara disputa pela hegemonia mundial. O delegado do Brasil, Luís Cruls, resumiu a situação:
[…] Eu esperava que essas discussões, iniciadas sob a influência de uma rivalidade generosa, e tendo como único propósito o estabelecimento de uma medida […], levariam a uma solução completa e final do problema. Infelizmente, e lamento ser obrigado a acrescentar, as diferenças de opinião que se manifestaram neste Congresso dificilmente permitem uma esperança deste resultado. […] Em tal discussão, os argumentos que devem prevalecer devem ser, antes de tudo, extraídos da ciência, a única fonte de verdade que pode nos esclarecer, de modo a permitir-nos formar um julgamento sólido e decidir unicamente com base em considerações de natureza puramente científica. […] Concluo, senhores, declarando que votarei a favor da adoção de um meridiano com caráter de neutralidade absoluta.
(Luís Cruls, delegado do Brasil na Conferência de Washington, 1884.)
O Brasil fazia uso de três meridianos: o principal, o do Rio de Janeiro, para a confecção dos mapas nacionais; o de Paris, na sua navegação costeira; bem como os trabalhos do Coast and Geodetic Survey estadunidense na determinação de longitude por telegrafia. Dessa forma, o Brasil estaria preparado para qualquer resultado do congresso.
A Grã-Bretanha apresentou seus argumentos em defesa da adoção do meridiano de Greenwich:
Parece, portanto, que um desses meridianos, o de Greenwich, é usado por 72% de toda frota comercial do mundo, enquanto os 28% restantes são divididos entre dez meridianos de origem diferentes. Se, então, a conveniência do maior número predominar, não pode haver dificuldade em uma escolha; mas Greenwich é um meridiano nacional [britânico], e seu uso como um zero internacional desperta suscetibilidades nacionais.
(Sandford Fleming, delegado da Grã-Bretanha na Conferência de Washington, 1884.)
A França contestou denunciando os interesses comerciais britânicos. Lembrou, ainda, que lhe havia sido proposto “sacrificar-se” aceitando o meridiano de Greenwich e, em troca, a Grã-Bretanha adotaria o sistema francês de pesos e medidas:
Apenas me levanto para acrescentar algumas palavras […] a fim de explicar claramente a situação do Governo Francês nesta importante discussão. Fica evidente, a partir de agora, após o instrutivo debate que acabamos de assistir, que o meridiano de Greenwich não é científico e que sua adoção não implica nenhum progresso para a astronomia, geodésia ou navegação; isto é, para todos os ramos da atividade humana interessados na unificação que almejamos.
[…] O principal, direi mais, o único mérito do meridiano de Greenwich […] é que há interesses agrupados em torno dele […]. O meridiano de Greenwich, diz o relatório, corresponde a um império que abrange 20 milhões de quilômetros quadrados e uma população de 250 milhões. Sua marinha mercante, que conta com 40.000 navios de uma tonelagem de 6 a 9 milhões de toneladas e tripulações de 370.000 homens, supera em importância todos os outros fuzileiros navais juntos. Outros Estados, igualmente importantes por sua marinha mercante, especialmente os Estados Unidos, fazem uso do meridiano de Greenwich. Bem, senhores, se pesarmos essas razões — as únicas que foram apresentadas, as únicas que atualmente militam pelo meridiano de Greenwich — não é evidente que essas são superioridades materiais, preponderâncias comerciais que vão influenciar sua escolha?
[…] O caráter da determinação proposta do meridiano inicial é tão evidente que o relator da Conferência em Roma, Sr. Hirsch, admite isso implicitamente, pois reconhecendo que a adoção do meridiano de Greenwich é um sacrifício para a França, ele pede que a Inglaterra responda com uma concessão semelhante, favorecendo a adoção definitiva do sistema métrico […]. Assim, o Sr. Hirsch, em um espírito de justiça, desejou fazer um balanço de lucro e perda — prova evidente de que a questão era de uma vantagem comercial e não científica.
(A. Lefaivre, delegado da França na Conferência de Washington, 1884.)
Na votação final, 22 votos foram para Greenwich, enquanto 3 se opuseram ou se abstiveram (França, Brasil, Santo Domingo).
A França não adotou a hora inglesa como referência universal até 1911. No entanto, o general britânico Richard Strachey (1817-1908) anunciou que a Inglaterra havia solicitado a adesão à convenção do metro, um tratado internacional que estabelece unidades reconhecidas internacionalmente e aderiu a elas em 1884.
Embora os ingleses ainda não contem as suas distâncias em metros no seu país, o metro é efetivamente reconhecido como uma unidade de referência no sistema internacional de unidades. Assim, se a referência universal do tempo é dada aos ingleses, as referências do espaço e das massas são francesas. Poucos anos depois, Einstein conciliaria espaço e tempo na sua teoria da relatividade.
O Brasil aderiu à convenção do Tempo Médio de Greenwich com o estabelecimento da Hora Legal Brasileira, em 18 de junho de 1913.
Fonte
- 1884, Greenwich ou le temps anglais. Petites Histoires des Sciences, 28 fev 2015.
- The adoption of a Prime Meridian and the International Meridian Conference of 1884. The Greenwich Meridian.
- Conferência Internacional realizada em Washington para fins de fixação de um meridiano primeira e um dia universal. Outubro de 1884 (p.82 a 92). Project Gutenberg.