Em 3 de agosto de 1988, a Assembleia Constituinte aprovou o fim da tortura e da censura no Brasil, esta última em vigor no país havia vinte e um anos. A tortura e as ações armadas contra o Estado democrático e a ordem constitucional foram qualificadas como crimes inafiançáveis. Foi declarada, também, a liberdade de expressão intelectual, artística, científica e de comunicação, e vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.
A Assembleia Constituinte foi instalada no Congresso Nacional, em Brasília, em 1º de fevereiro de 1987 com o objetivo de elaborar a nova Constituição após o fim do regime militar no Brasil. Os trabalhos da Constituinte foram encerrados em 22 de setembro de 1988, após a votação e aprovação do texto final da chamada “Constituição cidadã”.
O que a censura escondeu
Com o fim da censura e o estabelecimento da democracia, os problemas sociais e econômicos que antes eram escondidos por medo de denunciá-los vieram à tona. Assim, casos de racismo, corrupção em órgãos públicos, aumento da inflação, carestia, miséria, índice de mortalidade infantil, analfabetismo, aumento de roubos e assaltos ou mesmo surtos de doenças (como foi o caso da epidemia de meningite da década de 1970) — temas proibidos de serem noticiados pela ditadura — começaram a ganhar espaço na imprensa.
As pessoas começaram a ter a falsa percepção de que o país estava ficando pior com a democracia porque “no tempo da ditadura não existiam esses problemas”. Em 21 anos de censura, com uma geração inteira à margem da realidade do país e os grandes meios de comunicação amordaçados, criou-se o mito “na ditadura não tinha corrupção”.
Pesquisas mais recentes têm demolido esse mito mostrando casos de corrupção envolvendo militares e aliados da ditadura como empreiteiras e bancos, de supersalários pagos a servidores do alto escalão, das compras superfaturadas de chefes de estatais, de desvios de verbas, quadrilhas de contrabando formadas por oficiais, associação ao tráfico e até cinema privativo com sessões de filmes proibidos pela ditadura.
Ficaram famosos casos de ilegalidades envolvendo empresas e o Estado como o relatório Saraiva, Capemi, Coroa-Brastel, Halles, Delfin, BUC, Lume, Luftalla, Áurea, Atalla, TAA, Dow Chemical, projeto Jari, Petropaulo, Brasilinvest entre outros.
Não somente a censura escondeu esses casos como agentes públicos calaram para sempre quem denunciasse a corrupção como ocorreu com o diplomata José Jobim, assassinado em 1979 e o jornalista Alexandre von Baumgarten, assassinado em 1982.
A maior consequência social da censura não é o que ela esconde, mas o mundo (falso) que ela cria e a memória que ela constrói nas pessoas. Afinal, só existe o que se sabe que existe.
Fonte
- AVRITZER, Leonardo. Impasses da democracia no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016.
- CAMPOS, Pedro Henrique Pedreira. Estranhas Catedrais: as empreiteiras brasileiras e a ditadura civil-militar (1964-1988). Niterói: Eduff, 2015.
- CASTRO, Celso; D’ARAÚJO, Maria Celina. Ernesto Geisel. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1997.
- FICO, Carlos. Como eles agiam. Os subterrâneos da ditadura militar: espionagem e polícia política. Rio de Janeiro: Record, 2001.
- FILGUEIRAS, Fernando. Corrupção, democracia e legitimidade. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.
- GASPARI, Elio. A ditadura acabada. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2016.
- BIONDI, Pedro. Casos de corrução da ditadura continuaram a aparecer décadas após a redemocratização. São Paulo, Brasil de Fato, 24 abr 2019
Saiba mais
- Lei de Imprensa impõe censura prévia
- Decretado o Ato Institucional no.5 (AI-5)
- Promulgada a Constituição de 1988
Abertura
- “Censorship”, charge de Eric Drooker, s/d.