Em 18 de dezembro de 1912, o arqueólogo amador Charles Dawson (1864-1916) anunciou a descoberta do “elo perdido” entre o macaco e o homem: o Homem de Piltdown, cujo crânio teria sido descoberto em uma pedreira em Piltdown, em Sussex, Inglaterra. O crânio era perfeitamente humano e a mandíbula igual a de um macaco, porém com os dois molares com características humanas. O fóssil foi datado entre 200.000 e 500.00 de anos.
A descoberta de Piltdown parecia capaz de responder como se deu a evolução humana e, por isso, foi exaltada como a descoberta do século e rapidamente aceita, especialmente por cientistas ingleses, embora as circunstâncias da descoberta tenham permanecido duvidosas. Até então, os restos de humanos mais antigos encontrados eram o Homem de Neanderthal, descoberto em 1856, nas proximidades de Düsseldorf, na Alemanha, o homem de Cro-Magnon, em 1868 na cidade francesa de Eyzies-de-Tayac-Sireuil, o Homem de Java, em 1891, em Java, na Indonésia, e a mandíbula de Mauer, em 1907, em Heidelberg, na Alemanha.
A descoberta da fraude
Pesquisadores alemães e franceses tiveram dúvidas sobre o valor informativo dos fragmentos de Piltdown desde o início, devido ao seu conhecimento detalhado das descobertas dos neandertais. Mesmo à luz de descobertas fósseis posteriores da Ásia e da África, o homem de Piltdown poderia se afirmar, na melhor das hipóteses, como um ramo subsidiário intrigante na árvore genealógica dos humanos, pois aqueles ocupam um caminho de desenvolvimento completamente diferente dos humanos modernos, em geral mais jovens e com aumento tardio do volume cerebral.
A importância do homem de Piltdown permaneceu em disputa por 40 anos até ele ser denunciado como uma fraude. Em 1949, a moderna datação de fósseis determinou que o achado não tinha mais de 50.000 anos, o que tornava impossível ser de um animal pré-humano. Em 1953, em um congresso internacional de paleontólogos, o Homem de Piltdown foi abertamente declarado uma fraude. Um estudo intensivo dos fragmentos mostrou que eles eram na verdade um crânio humano medieval de 600 anos de idade com mandíbula de um orangotango de 500 anos e um dente de um chimpanzé. Exames microscópicos indicaram que os dentes haviam sido modificados para que ficassem parecidos com os de humanos. Os cientistas também descobriram que os ossos tinham sido tratados com produtos químicos para parecerem mais antigos.
Buscando entender a fraude
Os antropólogos britânicos foram enganados porque, na época, pouco se sabia sobre fósseis de hominídeos e o processo de datação era rudimentar. Além disso, os especialistas britânicos estavam dominados por um fervor nacionalista pois, até então, somente a França e a Alemanha tinham descoberto fósseis humanos muito antigos.
Aponta-se, também, que o nacionalismo e o racismo tenham exercido influência para a aceitação, pelo menos por algumas décadas, da descoberta do que foi chamado o “primeiro britânico”. Um monumento chegou a ser erguido no suposto local da descoberta. Detentora do maior império da época, a Inglaterra viu no Homem de Piltdown uma prova concreta para desafiar os achados fósseis de hominídeos em outros países.
Novas investigações feitas em 2003 e 2016 concluíram que não só o Homem de Piltdow era uma fraude mas pelo menos 38 espécimes da coleção de Dawson eram evidentes falsificações. Dawson provavelmente agiu sozinho, e era a única pessoa no grupo de suspeitos com conhecimento científico suficiente para ter levado o blefe.
O Homem de Piltdown e outras “descobertas” de Charles Dawson são mantidos nos arquivos do Museu de História Natural de Londres.
Fonte
- ASIMOV, Isaac. Cronologias das Ciências e das descobertas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.
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Abertura
- O Homem de Piltdown, a escura seriam os fragmentos originais e a parte clara é gesso para reconstituir o crânio.