Em 19 de fevereiro de 1649 ocorreu a segunda e decisiva Batalha dos Guararapes, na capitania de Pernambuco entre tropas luso-brasileiras e holandesas da Companhia das Índias Ocidentais. A vitória luso-brasileira marcou o fim do domínio holandês que, desde 1624 controlava boa parte do Nordeste brasileiro. Os holandeses, porém, continuaram no Brasil até 1654 quando foi assinada a capitulação no Recife, de onde partiram os últimos batavos em direção à Europa.
Além da motivação econômica (endividamento dos plantadores de cana junto aos holandeses), o movimento teve, também, motivações religiosas, uma vez que se tratava de uma luta entre católicos e protestantes (calvinistas). Os católicos luso-brasileiros diziam lutar em nome da “liberdade divina” contra os “hereges” holandeses.
O interesse holandês pelo Brasil e África
O interesse dos Países Baixos pelo Brasil era muito anterior aos ataques à Bahia (1624-1625) e a invasão a invasão de Pernambuco (1630-1654). Desde o século XVI, os holandeses eram os principais fornecedores do capital necessário à produção de açúcar brasileiro, além de dominarem a técnica de refino do açúcar.Navios holandeses “apenas disfarçados em embarcações pertencentes a comerciantes portugueses, assumiram uma proporção substancial do tráfego entre o Brasil e a Europa e essa participação continuou a crescer, a despeito da união das coroas portuguesa e espanhola (1580)” (MELLO, 2009).
Em 1621, as autoridades holandeses se lançam numa política agressiva contra o Império colonial português. Não lhes interessava mais o comércio pacífico, mas a conquista territorial. Naquele ano, criaram a Companhia das Índias Ocidentais, empresa que reuniu capitais para conquista, comércio e navegação entre as colônias da América e da África.
A ocupação holandesa no Nordeste compreendeu dois episódios: a curta conquista de Salvador (1624-1625) e a invasão de Pernambuco (1630-1654). Essa última estendeu-se a uma área que ia desde a foz do rio São Francisco até São Luís do Maranhão.
Na África centro-oriental, os holandeses tomaram dos portugueses São Jorge da Mina e Angola, importantes fontes fornecedoras de africanos escravizados. Com essas conquistas, os holandeses fecharam aos navios ibéricos os dois lados do Atlântico Sul.
A Companhia também estabeleceu diversas colônias nas Antilhas e Guiana entre 1634 e 1648, incluindo Aruba, Curaçao e Saint Martin, mas depois perdeu muitos deles para a França. A colônia holandesa na América do Norte, Nova Holanda (rebatizada de Nova Iorque em meados da década de 1660), tornou-se uma província da empresa em 1623. A Companhia das Índias Ocidentais foi assumida pelo Estado em 1791 e foi dissolvida na sequência da invasão francesa da República Holandesa em 1794.
As batalhas de Guararapes
Foram duas batalhas ocorridas em Guararapes com um espaço de dez meses entre elas: a primeira, em 18-19 de abril de 1648 e a segunda, em 19 de fevereiro de 1649. Antes delas, já havia ocorrido a batalha dos Montes das Tabocas e o ataque surpresa ao Engenho de Casa Forte, em 1645, vitoriosa para os luso-brasileiros. Os colonos retomaram quase 130 léguas de terras desde o Rio Grande do Norte até o rio São Francisco, tomaram dez fortalezas e fortins, e mais de 70 peças de artilharia. Também mataram ou fizeram reféns mais de 18 mil holandeses.
Em 1648, quando ocorreram as batalhas de Guararapes, a região sob domínio do invasor já havia se reduzido e os holandeses estavam praticamente restritos a Recife. Além disso, os exércitos luso-brasileiros, comandados por João Fernandes Vieira, Vidal de Negreiros, Henrique Dias, filho de escravo, e o índio potiguar Filipe Camarão, “já contavam com um bom suprimento de carne bovina vindo da região do Jaguaribe (Ceará), do sertão do São Francisco e do Rio Grande do Norte. Os holandeses, ao contrário, viviam uma situação de penúria dentro dos limites do Recife” (NASCIMENTO, 2011).
A primeira batalha, abril de 1648
Os luso-brasileiros com cerca de 2.200 combatentes enfrentaram os 4.500 holandeses de Sigismundo van Skoppe. Foram aproximadamente cinco hotas de combate intenso. Atacando pela retaguarda, Vidal de Negreiros derrotou os holandeses que tiveram mais de 1.200 mortos, entre eles 180 oficiais e sargentos. Do lado vitorioso, apenas 84 mortos. Muitos soldados da Companhia desertaram, fugindo para o mato. Entre os mortos estavam mercenários ingleses, franceses e poloneses, além de negros e índios tupis e tapuias.
Para se vingar da derrota, as tropas holandesas fizeram muitos estragos na Bahia, queimaram e destruíram mais de vinte engenhos e saquearam muitos moradores. Barcos ficavam a uma distância pequena da costa e às vezes entravam pelos cursos d’água, atemorizando os civis (NASCIMENTO, 2009).
A segunda batalha, fevereiro de 1649
Para a segunda batalha, as tropas holandesas reuniram 5.000 soldados, reforçadas com 200 índios, duas companhias de negros e 300 marinheiros por mar. Os holandeses, comandados pelo general Brick (Van Schkope fora ferido na primeira batalha), foram auxiliados por índios potiguares, liderados por Pedro Poty e Antônio Paraupaba, além dos tapuias janduís.
Os luso-brasileiros, apesar de numericamente inferiores (contavam com 2.600 homens), conseguiram derrotar os holandeses que perderam quase 2.000 homens contra apenas 47 dos vitoriosos. A derrota acabou de vez com a moral das tropas invasoras.
Razões da vitória brasileira
A vitória luso-brasileira se explica, entre outras razões, pelo maior conhecimento da região e experiência de luta no difícil terreno formado por matas, mangues, alagadiços e colinas. A força holandesa com suas roupas grossas, de cores vivas e armaduras pesadas de metal perdia agilidade na luta em meio à mata densa e úmida. Além disso, a estratégia luso-brasileira de impedir que os holandeses tivessem acesso a abastecimento enfraqueceu o inimigo.
As derrotas holandesas levaram os Países Baixos a abandonarem a reconquista do território nordestino. Em 26 de janeiro de 1654, os holandeses assinaram a rendição no Tratado Campina da Taborda, em Recife, segundo o qual deixariam o solo brasileiro e abdicavam de todas as posses no Brasil. A evacuação neerlandesa do Recife só aconteceu a partir de abril de 1654.
Para reaver o Nordeste, Portugal aceitou indenizar o inimigo em 4 milhões de cruzados no prazo de 16 anos.
Guararapes no imaginário de Pernambuco
A Restauração Pernambucana ocupou um lugar central no imaginário popular pernambucano. “Ao longo de dois séculos decorridos da expulsão dos holandeses, ainda se podiam ver os vestígios físicos dos monumentos civis, religiosos e militares deixados pela ocupação. As gerações que se sucederam comemoraram regularmente, nos montes Guararapes, na Estância ou em Olinda, os principais feitos bélicos. A iconografia fixou em painéis as batalhas decisivas” (MELLO, 2009).
Os heróis restauradores – Vieira, Vidal, Henrique Dias e Camarão – foram exaltados como representantes das principais camadas sociais no esforço de guerra, mesmo que isso não significasse qualquer mudança à estrutura da sociedade escravocrata.
Nasceram lendas destinadas a provar a proteção divina aos restauradores como a da aparição de Nossa Senhora na primeira batalha de Guararapes. Ainda em nossos dias, a Festa de Nossa dos Prazeres continua com forte um apelo religioso e patriótico. Ainda se faz a colheita do “capim da batalha” que, segundo a crença, tem a cor vermelha do sangue dos heróis que tombaram em Guararapes e que se acredita ter poderes curativos. Durante a procissão, os romeiros buscam pedras miúdas, de cor escura, existentes na grota do Boqueirão. Segundo a tradição, aquelas pedras miúdas foram distribuídas pela Virgem dos Prazeres para serem utilizadas como balas pelas forças luso-brasileiras.
Fonte
- MELLO, Evaldo Cabral de. Rubro Veio: o imaginário da restauração pernambucana. Rio de Janeiro: nova Fronteira, 1986.
- ___________. Olinda Restaurada: Guerra e Açúcar no Nordeste, 1630-1654 . Rio de Janeiro: Topbooks, 1998.
- ___________. Imagens do Brasil holandês. ARS-São Paulo, v. 7, n. 13, 2009.
- SANTIAGO, Diogo Lopes. História da Guerra de Pernambuco. Recife: Cepe, 2004.
- VARNHAGEN, F. A. de. História das lutas com os holandeses no Brasil. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora, 2002.
- BOXER, Charles R. Os holandeses no Brasil. São Paulo: Cia Editora Nacional, 1961.
- VILAÇA, Marcos Vinicius. Duas vezes Guararapes (1648-1649). Revista da Cultura. Fundação Cultural Exército Brasileiro. Ano VI, n.
- NASCIMENTO, Rômulo Luiz Xavier do. A toque de caixas. Entre o pântano e os Montes Guararapes, os luso-brasileiros puseram um ponto final no sonho holandês nos trópicos. Revista de História da Biblioteca Nacional, ed. 70, julho de 2011.
- _________. Ribanceira abaixo. Historia Viva. Publicado em 24 mai 2009.
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