Anacaona era jovem, talvez tivesse 18 anos de idade, quando Cristóvão Colombo e sua tripulação chegaram à ilha Quisqueya em 5 de dezembro de 1492. Era a primeira das quatro viagens que Colombo fez à América. Quisqueya, que significa “mãe de todas as terras”, era o nome que os Taino, habitantes da ilha, davam à sua terra, mas que os espanhóis chamaram Hispaniola (hoje dividida em dois Estados soberanos: República Dominicana e Haiti).
A primeira reação de Anacaona ao ver os espanhóis foi de assombro, curiosidade e admiração. Aqueles homens tinham conhecimentos diferentes aos de seu povo e, em sua ingenuidade, pensou que poderiam contribuir para melhorar a vida dos seus.
Anacaona era uma mulher bonita e talentosa. Seu nome deriva das palavras taino ana, “flor”, e caona, “ouro” ou “dourado”. Era uma “flor de ouro” como registraram os poucos cronistas que a descreveram.
Frei Bartolomeu de las Casas, na sua História das Índias (1527-1547), refere-se a ela como “uma mulher admirável, muito prudente, muito graciosa e nobre em suas palavras, artes e gestos, amiga dos cristãos”.
O padre jesuíta francês Pierre François Xavier de Charlevoix que atuou como missionário em São Domingo, registrou em sua Histoire de l’Isle Espagnole ou de S. Domingue (1730) que Anacaona era “uma mulher muito inteligente, superior ao seu sexo e à sua nação”
Os Taino e sua princesa Anacaona
Os taínos ou tainos habitavam diversas ilhas do Caribe como Bahamas, Cuba, Hispaniola, Porto Rico, Jamaica e as Pequenas Antilhas. O termo “taíno” era utilizado pelos indígenas da ilha de Hispaniola para indicar que eles eram homens “bons, nobres”.
Na época da chegada de Cristóvão Colombo, em 1492, havia cinco cacicados tainos em Hispaniola (Quisqueya, para os nativos), cada um liderado por um cacique, que recolhia tributos. Cuba, a maior ilha das Antilhas, estava dividida em 29 cacicados.
Anacaona era casada com o cacique de Maguana e morava ali. Seu irmão, Bohechío, era cacique de Jaragua, o maior e mais populoso cacicado da ilha.
Anacaona era respeitada e querida não só pela sua posição no cacicado, mas também por compor poesias e canções. Ela se destacava nos areítos, um ato cerimonial taino de dança e canto que envolvia a narração e a homenagem aos seus ancestrais, deuses e e chefes, ou para celebrar eventos importantes.
A fortaleza de La Navidad
Em dezembro de 1492, Colombo ordenou a construção da Fortaleza de La Navidad, no litoral norte da ilha de Hispaniola. A fortaleza, a primeira construção espanhola na América, foi erguida com os restos do navio Santa Maria naufragado naquela região.
Colombo enviou um grupo de homens para entrar em contato com o chefe do cacicado de Marien. Os mensageiros foram bem recebidos e voltaram com presentes do cacique (incluindo peças de ouro) e com notícias esperançosas: os Tainos haviam falado sobre um certo Cibao, palavra que soava semelhante a Cipango, nome que os europeus davam ao Japão. Colombo, que pensava estar na Ásia, considerou uma notícia muito boa.
Cibao era na verdade uma região da ilha controlada por Caonabo (com quem Anacaona era casada), chefe do cacicado de Maguana, inimigo dos Tainos do cacicado de Marién.
Colombo indicou 39 homens para cuidar dessa primeira construção espanhola na ilha e, antes de partir, ordenou a eles que não abusassem dos nativos.
Quem matou os espanhóis?
Quando Colombo retornou em sua segunda viagem, em novembro de 1493, encontrou dois cadáveres irreconhecíveis, com uma corda no pescoço e os braços amarrados a uma árvore. Outros dois cadáveres tinham barba e não havia dúvida de que eram espanhóis. Chegando ao forte La Navidad, encontraram-no incendiado e todos os homens mortos.
Jamais se apurou se os mortos morreram devido às febres tropicais, às disputas entre si pelo ouro e pelas indígenas, ou se foram mortos pelos Tainos revoltados ou, talvez, todos esses motivos, conforme registrou Bartolomeu de las Casas (Livro I, capítulo LXXXVI). Segundo seu relato, obtido por declarações dos indígenas, o cacique Caonabo teria sido responsável pelas mortes e acrescenta que foi “por causa das faltas e más ações” dos espanhóis.
Alguns relatos indicam que Anacaona, ao saber dos maus tratos dos espanhóis às mulheres indígenas, teria convencido o cacique Caonabo a atacá-los.
Las Casas (livro I, capítulo CII) completa afirmando que em 1495, Caonabo foi capturado pelos espanhóis e entregue a Cristóvão Colombo que decidiu envia-lo à Espanha para comparecer perante os Reis Católicos. A frota, porém, foi atingida por um furacão que afundou o navio onde estava Caonabo que, acorrentado, não teve a menor chance de se salvar.
A cacique Anacaona e a boa relação com os espanhóis
Anacaona, agora rainha viúva do cacique de Maguana, assumiu na liderança do cacicado. Não ficou ali por muito tempo, mudou-se para Jaragua para viver com seu irmão o cacique Bohechío. Ali, ela era “respeitada e temida” como o cacique.
Em 1496, Bartolomeu Colombo, irmão mais novo de Cristóvão Colombo chegou à ilha onde permaneceria até 1500 como governador geral. Em visita a Jaragua, Anacaona foi ao seu encontro em uma liteira transportada por seis indígenas. Usava apena um pano de algodão de diversas cores preso no quadril e que descia até o meio das coxas. Na cabeça, tinha uma guirlanda de flores brancas e vermelhas e usava colar e pulseiras das mesmas flores naturais.
Durante dois dias, os espanhóis foram recebidos com festas e presenteados. Bartolomeu Colombo convidou Anacaona e Bohechio para visitarem seu navio. O cronista Antonio de Herrera y Tordesillas, considerado o primeiro historiador do Império ultramarino espanhol, escrevendo sobre esse episódio em sua obra Décadas (1601) afirmou que a visita ao navio espanhol foi impactante para Anacaona e Bohechio. Quando foram dados tiros em honra aos caciques, o estrondo os perturbou tanto “que quase se jogaram na água de espanto, mas, ao verem Bartolomeu rindo, acalmaram-se”.
Este é um dos poucos fatos conhecidos da vida de Anacaona — e um dos mais felizes. A relação dos tainos com Bartolomeu Colombo foi amistosa. Anacaona convenceu Bohechío a reconhecer a soberania dos reis católicos e pagar os tributos (algodão, milho e peixe) – o que já era cobrado em outras regiões da ilha.
Em 1502, com a morte de seu irmão, Anacaona assumiu a liderança de Jaragua. Era, então, rainha e cacique de dois cacicados.
Chega o novo governador: o último ato dos taínos
Em abril de 1502, chegou à ilha Nicolás de Ovando, nomeado governador e administrador colonial de Hispaniola, com a missão de dar início à efetiva colonização da ilha. Trazia consigo o frei Bartolomeu de las Casas, cujos registros tornaram-se fontes valiosas sobre a conquista, e Francisco Pizarro que, mais tarde, conquistaria o Império Inca.
Ao chegar à ilha, Ovando deparou-se com conflitos generalizados. Havia ocorrido uma rebelião de espanhóis descontentes, além de um levante de caciques contra os invasores.
Anacaona também estava insatisfeita: os espanhóis trouxeram doenças mortais para seu povo, estupraram mulheres e tiranizavam os indígenas. Nem sua filha Higuemota casada com Hernando de Guevara era respeitada sofrendo maus tratos nas mãos do marido espanhol. As simpatias dos primeiros tempos transformaram-se em ódio aos invasores.
A reviravolta e a trágica morte de Anacaona
Em outubro de 1503, Ovando com 70 homens a cavalo e 200 a pé viajaram para Jaragua. Foram bem recebidos por dezenas de chefes taínos, súditos de Anacaona que pensavam em selar um acordo de paz. Anacaona foi uma das últimas a chegar ao local, acompanhada da filha e de outras líderes mulheres.
O grupo de Ovando interpretou a recepção de boas-vindas como uma armadilha dos taínos para distraí-los e capturá-los. Combinaram, então, reverter a suposta armadilha. Ovando convidou os caciques para entrarem em uma cabana onde retribuiriam as honras com uma apresentação especial.
Entusiasmados e desarmados, os caciques e seus acompanhantes reuniram-se na cabana de madeira e palha. Enquanto eles presenciavam uma competição, Ovando deu o sinal combinado para seus homens que os capturaram, amarraram e incendiaram a cabana, queimando-os vivos. Segundo o escrivão Diego Méndez de Segura, que presenciou o episódio e o relatou em seu testamento, foram mortos 84 caciques, queimados ou enforcados.
Enquanto isso, do lado de fora, outros espanhóis massacravam os indígenas. Las Casas conta que eles cortaram as pernas das crianças enquanto elas corriam. E, quando algum espanhol tentava salvar uma criança fazendo-a montar no seu cavalo, outro se aproximava e “atravessava a criança com uma lança”.
Anacaona conseguiu fugir junto com sua filha Higuemota e neta Mencia. Ovando, porém, não deu trégua e continuou perguindo e assassinando indígenas durante meses, até que foram quase exterminados da ilha.
Pouco tempo depois, Anacaona foi capturada e levada acorrentada para São Domingo. Ali ela foi condenada por conspiração e enforcada em 1503 ou 1504. Tinha 28 a 30 anos de idade.
O massacre de Jaragua, porém, gerou dois grandes líderes que logo reuniram os taínos para enfrentar os espanhóis: Hatuey e Guarocuya.
Hatuey, o primeiro rebelde da América
O cacique Hatuey sobreviveu ao massacre de Jaragua e, com um grupo de quatrocentos tainos, fugiu para Cuba. Entrou em contacto com as diferentes tribos Taíno que se encontravam no território oriental da ilha e aconselhou-as a prepararem-se para a luta contra os espanhóis. Disse-lhes também que se desfizessem de todo o ouro que possuíssem, jogando-o nos rios, pois aquele era o deus do povo branco.
Bartolomeu de Las Casas atribuiu a Hatuey o seguinte discurso que ele teria feito ao povo de Caobana (Cuba), segurando um cesto cheio de ouroe joias:
“Aqui está o Deus que os espanhóis veneram. Por estes lutam e matam; por estes perseguem-nos e é por isso que temos de os atirar ao mar… Eles dizem-nos, estes tiranos, que adoram um Deus de paz e igualdade, e, no entanto, usurpam a nossa terra e fazem de nós seus escravos. Falam-nos de uma alma imortal e das suas eternas recompensas e castigos, e, no entanto, roubam os nossos pertences, seduzem as nossas mulheres, violam as nossas filhas. Incapazes de nos igualar em valor, estes cobardes cobrem-se de ferro que as nossas armas não podem quebrar…”
Hatuey organizou os homens em pequenos grupos e ordenou que atacassem os espanhóis de surpresa, usando paus, pedras e flechas. Os espanhóis, porém, com seus cães farejadores, armas de fogo, bestas e armaduras foram eliminando os grupos rebeldes, até que através da denúncia de alguns presos conseguiram capturar Hatuey.
Condenado à fogueira, Hatuey foi indagado por um padre se ele aceitaria Jesus para ir ao céu. Segundo Las Casas, a reação de Hatuey foi desconcertante:
“[Hatuey], pensando um pouco, perguntou ao homem religioso: os espanhóis também vão para o céu? O padre respondeu sim… O chefe disse então sem pensar: “não quero ir para lá, mas para o inferno, para não estar onde eles estão e para não ver gente tão cruel”.
Hatuey foi queimado na fogueira em 2 de fevereiro de 1513.
Poucos anos depois, despontaria outro líder taíno rebelde, também sobrevivente do massacre de Jaguara: Guarocuya
Guarocuya ou Enrique: o taino cristianizado e rebelde
O pequeno príncipe taíno Guarocuya sobreviveu ao massacre de Jaguara e foi entregue ao frei Bartolomeu de las Casas para que o educasse. A criança recebeu o nome cristão de Enrique e viveu no mosteiro de São Domingos.
Enrique ou Enriquillo como era chamado por sua pequena estatura, sofreu preconceito e discriminação por sua origem indígena. Depois de muitas humilhações incluindo o estupro de sua mulher por um espanhol, decidiu pegar em armas contra os invasores. Com táticas de guerrilha, Enrique liderou confrontos de 1519 a 1533, a mais longa resistência no período pós-invasão.
Após 14 anos de batalhas, os espanhóis cederam e concordaram com os termos de Enrique/Guarocuya para encerrar os conflitos. O líder indígena exigiu a liberdade para todo o povo taíno, a eliminação da “encomienda”, o não pagamento de impostos à coroa e um território liberado onde o seu povo pudesse viver. Foi uma vitória extraordinária naqueles dias em que os espanhóis subjugavam toda a gente.
Enrique viveu até os 40 anos de idade, morrendo poucos anos depois do acordo, vítima de doença dos brancos, a tuberculose. Depois de sua morte, os espanhóis, para evitar que seu túmulo virasse um lugar de peregrinação e memória, construíram no lugar uma igreja.
Fonte
- Anacaona. Dicionário Biografico Espanhol. Real Academia de la Historia.
- Anacaona, princesa indígena do Haiti. EcuRed.
- Anacaona. Busca Biografias.
- Anacaona. Pueblos Originarios.
- WILSON, Samuel M. Hispaniola: caribbean chiefdoms in the Age of Columbus. Tuscaloosa (Alabama, EUA): University Alabama Press, 1990.
- VALLEJO, Catarina. A “construção” de Anacaona, cacica taína muerta em 1503, nos textos de España de mediados do século XIX – la emancipación negada. Milão: Ledizioni, 2016.
- ANACAONA, Paula; FRAIZ, Valentina (ilustr.). 1492, Anacaona: a insurgente do Caribe.
- DANTICAT, Edwidge. Anacaona, Golden Flower, Golden Flower. Nova York: Scholastic, 2005.
- Museu Taíno. Haiti.
- Anacaona princesa taina de Quisqueya. História Dominicana. YOUTUBE. Zobeida Aula Virtual IA. (Duração: 2:58).
- DAVID. Enriquillo: the fearless cacique who resisted colonialism and oppression. The History Snippets. 23 abr 2023.
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