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Peste Negra: a epidemia que devastou a Europa medieval

6 de novembro de 2019

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Em um curto período de sete anos, entre 1346 e 1353, a Europa sofreu uma catástrofe demográfica: perdeu 1/3 de sua população, cerca de 20 a 25 milhões de pessoas vitimadas pela Peste Negra, uma das mais devastadoras epidemias da história. Foi, na verdade, uma pandemia pois envolvendo várias continentes: além da Europa, assolou também a Ásia Menor, o Oriente Médio e norte da África.

Outras epidemias haviam se disseminado pela Europa Medieval, em surtos esporádicos e localizados incluindo a gripe, a varíola, a disenteria e outras.

A chamada praga de Justiniano (541-544) foi uma epidemia bubônica que devastou o Império Bizantino. Matou cerca de 5 mil pessoas por dia em Constantinopla e se disseminou pela Itália, Síria, Palestina e Irã causando milhões de mortes. A praga eclodiu novamente em 557, retornando em um espaço de 15 a 25 anos até a última grande erupção de 746-748 quando foi especialmente devastadora.

Desconhecia-se, então, o agente responsável, como ocorria a contaminação e, principalmente, como evitar e se curar da terrível doença.  As explicações para seu surgimento eram de todo tipo: conjunção planetária, terremotos, passagem do cometa e, a mais popular, castigo divino pelos pecados do homem.

Por um período de seis séculos a Europa ficou relativamente livre de epidemias tão letais. Quando foi novamente atingida em 1346-1353, aos olhos dos contemporâneos parecia uma doença nova, desconhecida que não tinha nada em comum com as epidemias habituais. De fato, diferente da praga de Justiniano que era essencialmente bubônica, a Peste Negra do século XIV assumiu outras duas formas: a pulmonar e a septisêmica.

CONTEÚDO

Formas da doença e sua transmissão

A peste é causada pela bactéria Yersinia pestis que crescem no sangue de ratos da espécie Rattus rattus ou rato-preto, originário da China (ele existe no Brasil, trazido pelos colonizadores, sendo conhecido nas regiões Norte e Nordeste por guabiru). A contaminação entre ratos é feita através de pulgas infectadas pela bactéria.

A peste se transmite de duas maneiras: mediante as pulgas do rato que picam as pessoas, e por infecção cruzada entre seres humanos e por inalação de gotículas de espirro de doentes infectados. Além disso, animais domésticos, carnívoros e ruminantes, podem ser suscetíveis à doença tornando um reservatório de sangue contaminado para as pulgas.

A bactéria causa três tipos de peste: a peste bubônica, a forma mais comum e com uma taxa de mortalidade de 70 a 80%, a peste pneumônica que atinge os pulmões, com mortalidade de 90%, e a peste septisêmica, uma infecção do sistema circulatório com mortalidade de 100%.

No primeiro tipo a bactéria da peste atinge o sistema linfático e, depois de uma incubação de dois ou três dias surge um abcesso inflamatório que os homens medievais chamavam de “bubão” – daí o nome peste bubônica. O bubão pode alcançar o tamanho de um ovo. São mais comuns nas pernas e nas axilas, mas podem aparecer em outras partes do corpo. Se a bactéria não atingir a corrente sanguínea e o pulmão, o doente tem alguma chance de se curar.

Casal infectado pela Peste Negra

Depois de 2 a 3 dias de incubação da doença, aparecem os “bubões”, o tumor inflamatório dos gânglios linfáticos e que deu nome de bubônica à peste. O bubão de coloração vermelho escura pode chegar a 10 cm. É muito doloroso e geralmente se rompe drenando um material purulento. Podem ocorrer hemorragias e necrose. Iluminura francesa, séc. XVI.

Quando a bactéria atinge a corrente sanguínea, onde se multiplica com rapidez, o doente morre em 14,5 horas, antes mesmos de aparecer um bubão. É a peste septisêmica. As descrições da época relatam casos em que a pessoa apresentou febre pela manhã e veio a falecer ao anoitecer.

Em alguns casos, a bactéria atinge a circulação sanguínea periférica e os vasos capilares, onde sua tendência é produzir pequenas hemorragias sob a pele formando manchas escuras que o homem medieval chamava “sinais de Deus” ou simplesmente “sinais”. Nem todos doentes, porém, desenvolviam essas manchas escuras.

Entre 10% a 25% dos doentes, a bactéria atinge o pulmão: é a peste pneumônica.  Os pacientes expectoram sangue cujas gotículas infectadas podem transmitir a peste a outras pessoas. O desenvolvimento da peste pneumônica é rápido: a doença surge 24 horas depois da infecção e mata o paciente em menos de dois dias antes de aparecer um bubão.

A combinação dessas três doenças, frutos de um mesmo vetor de contágio contribuiu para a gigantesca mortandade na Europa e nas áreas continentais próximas.

Mão com gangrena

Mão com gangrena nos dedos devido a peste bubônica; bubão inguinal na coxa de pessoa infectada com peste bubônica.

O termo “Peste Negra”

A epidemia não era chamada, inicialmente, de Peste Negra. Os cronistas contemporâneos falavam em “Grande Mortandade”, “Grande Peste” ou “Grande Praga”.

Foram cronistas dinamarqueses e suecos que, em 1347, usaram o termo “preto” pela primeira vez, para enfatizar a natureza avassaladora da doença. “Preto” não significava, então, uma cor, mas a representação de uma experiência particularmente terrível, aflitiva e sombria. Na linguagem heráldica, a cor preta, chamada de sable, significa “sabedoria na tristeza e nas adversidades” que são todas as misérias do mundo, como a pobreza, a doença, a velhice e, por conseguinte, a morte (CHEVALIER e GHEERBRANT, 1990).  A expressão “Peste Negra”, contudo, limitou-se aos países nórdicos por muito tempo.

Outros autores atribuíram à doença o nome “Morte Negra” em alusão às necroses que surgiam nos doentes ao redor da picada, dos bubões bem como nos dedos.

Foram historiadores do século XIX, como o alemão Justus Hecker, que popularizam o termo “Peste Negra” que passou a ser adotado por estudiosos em toda Europa e Estados Unidos.

Origem da epidemia

A peste bubônica era endêmica na Ásia Central e, provavelmente, foram as guerras entre mongóis e chineses que provocaram as condições sanitárias para a eclosão da epidemia. Ela eclodiu em 1334 na província chinesa de Hubei e rapidamente se espalhou para as províncias vizinhas.

Em 1346, os mongóis sitiaram Caffa, uma colônia genovesa na Criméia, às margens do Mar Negro. Após dois anos de cerco, os mongóis foram atingidos pela peste o que os obrigou a levantarem o cerco. Antes de se retirarem, teriam catapultado seus cadáveres para infectarem a população de Caffa.

O episódio de Caffa é relatado por Gabriel de’Mussis, cronista de Piacenza, Itália, uma das principais fontes primárias acerca da chegada e da disseminação da peste na Europa. Há consenso hoje de que De’ Mussis não teria presenciado muitos dos fatos que descreveu.

Estudos recentes sobre a epidemia sugerem que o relato de Mussis pode não ser verdadeiro. Segundo Benedictow, os cadáveres de mortos pela peste não são contagiosos em nenhuma de suas formas. O único perigo são suas roupas caso tenham pulgas infectadas escondidas. Ainda assim, a capacidade de transmissão da peste pelos cadáveres é pequena pois as pulgas começam a abandonar os corpos de animais e seres humanos mortos quando percebem uma queda da temperatura.

Portanto, para que os corpos infectados contagiassem outras pessoas, os mongóis deveriam lançar os doentes ainda vivos que conservavam a temperatura corporal normal. O cronista italiano possivelmente estava mais interessando em destacar a violência selvagem do exército pagão culpando-o pela difusão da Peste Negra entre a população cristã de Caffa.

Seja como for, a epidemia espalhou-se em Caffa e os genoveses abandonaram a cidade.

A epidemia chega à Europa

Em maio de 1347, uma frota genovesa vinda de Caffa chegou em Constantinopla e a cidade logo foi contaminada. A frota seguiu depois para Sicília aportando em Messina em setembro.

Nas duas ou três semanas que a frota ficou na Sicília, a epidemia explodiu com toda a sua virulência. Os navios foram expulsos de Messina e retornaram a Gênova, mas foram proibidos de entrar no porto. Seguiram, então, para Marselha onde aportaram em 1º de novembro de 1347. Quase toda tripulação estava morta, e os ratos infectados pela peste abandonaram os navios espalhando-se pela cidade.

Em um clima úmido de inverno, a praga irrompeu em sua forma mais perigosa e contagiosa: a forma pulmonar. A epidemia se espalhou rapidamente pelas rotas comerciais. Em janeiro de 1348 estavam contaminadas as cidades de Pisa, Veneza, Split, Sibenik e Dubrovnik (cidades portuárias da Croácia) e Avignon, então sede do Papado que recebia grande número de fiéis em peregrinação.

A partir daí a peste atingiu outras cidades da França: Montpellier, Béziers, Narbonne, Carcassone e Perpignan. Em junho chegou em Bordeaux, uma importante encruzilhada de rotas comerciais terrestres e fluviais.

A peste seguiu o caminho dos comerciantes e, em agosto de 1348 atingiu Paris. Em dezembro, assolou a Inglaterra disseminando-se no País de Gales, Escócia, Irlanda e Islândia. Atingiu também a Dinamarca, Noruega, Alemanha, Países Baixos, Rússia, Grécia, Portugal, Espanha, norte da África, Egito, Palestina, Síria, Líbano.

Difusão da peste na Europa

Difusão da peste na Europa, 1346-1353. O caminho inicial saiu de Caffa (Criméia) para Constantinopla, depois Messina (Sicília), Gênova (Itália) e Marselha (França). Durante esse trajeto e após ele, a peste seguiu outros caminhos atingindo toda Europa e também o Oriente Médio e o norte da África.

As pessoas morriam como moscas e isso levou a um problema imediato: o que fazer com tantos mortos? As terras sagradas junto às igrejas logo ficaram abarrotadas. Igrejas foram construídas nos cemitérios. Como não havia madeira suficiente para tantos caixões, os cadáveres eram empilhados em valas comuns.

Muitos médicos se dispuseram a atender os pestilentos com risco da própria vida. Adotavam para isso roupas e máscaras protetoras. Alguns evitavam aproximar-se dos enfermos. Examinam à distância e lancetavam os bubões com lâminas de até 1,80 de comprimento.

Estudos multidisciplinares da doença

A compreensão da Peste Negra pelos historiadores é relativamente recente. Até poucas décadas atrás, suas investigações eram baseadas em documentos primários – relatos de cronistas medievais, alguns testemunhais outros não, e a maioria com exageros de toda ordem.

A bactéria causadora da epidemia – Yersinia pestis – foi identificada em 1894, por Alexandre Yersin, um médico franco-suíço do Instituto Pasteur, Paris, durante uma epidemia de peste em Hong Kong.

Foi somente a partir da década de 1960 e, especialmente, de 1980 que os cientistas desvendaram como a doença se manifesta e se propaga. Foi possível, então, realizar estudos demográficos e estatísticos sobre a mortalidade causada por ela – informações que até então não existiam.

A doença ainda existe, mas não provoca mortalidade elevada. As bactérias do século XIV eram mais virulentas ou as pessoas mais fracas e desnutridas? O advento de técnicas modernas de sequenciamento de DNA podem ajudar a responder essa e outras questões permitindo compreender o desenvolvimento e as mutações da bactéria.

As respostas fornecidas pelos cientistas deram nova luz às pesquisas históricas. A contribuição decisiva foi do historiador Jean-Noêl Biraben com sua obra Les hommes et la peste en France et dans les pays européens et méditerranéens, de 1975.

Em 2004, o historiador norueguês Ole Jorgen Benedictow publicou sua obra The black death 1346-1353: the complete history, um extenso estudo do impacto da Peste Negra em toda Europa. Segundo ele, a epidemia causou a morte de até 60% da população europeia – uma taxa ainda discutida pela comunidade histórica. Apoiado em pesquisas epidemiológicas, Benedictow reviu estudos anteriores, apresentando uma nova versão dos acontecimentos.

Estudos mais recentes trouxeram novas evidências sobre a extensão da epidemia na Ásia Menor, no mundo islâmico e na Europa oriental, além de esclarecer suas características epidemiológicas e, o que é mais importante, analisar suas repercussões históricas.

Distribuição mundial da peste bubônica

Distribuição mundial da peste bubônica em 1998: em laranja, países onde foram registrados casos da doença; e vermelho, regiões onde se concentram ratos infectados.

Fonte

  • BENEDICTOW, Ole J. La Peste Negra (1346-1353). La historia completa. Trad. José Luis Gil Aristu. Madri, Espanha: Ed. Akal, 2011.
  • BLANCO, Angel. La Peste Negra. Madri: Anaya, 1995.
  • CANTOR, Norman. In the Wake of the Plague: The Black Death and the World It Made.
  • CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionário de Símbolos. São Paulo: José Olympio, 1990.
  • HORROX, Rosemary (ed.). The Black Death. Manchester: Manchester University Press, 1994.
  • MAGALHÃES, Ana Maria; ALÇADA, Isabel. O ano da Peste Negra. Lisboa: Ed. Caminho (Coleção Viagens no Tempo).
  • MARTINS, Gilberto. Peste negra, a obscura face da morte. São Paulo: Bureau, 2001.
  • MUSSIS, Gabriel. História da doença, ou antes mortandade, que ocorreu no ano do Senhor de 1348. Tradução de Tiago Augusto Nápoli e Adriano Scatolin.  Morus. Utopia e Renascimento, v. 11, n. 2, 2016.
  • QUÍRICO, Tamara. Peste Negra e escatologia: os efeitos da expectativa da morte sobre a religiosidade do século XIV. In: ROSSATO, Noeli Dutra (org.). Mirabilia 14. Mística e Milenarismo na Idade Média. Jan-Jun 2012.
  • ROUFFIÉ, Jacques.; SOURNIA, Jean-Charles. Les épidémies d’histoire de l’homme. Essai d’anthropologie médicale. Paris: Flammarion, 1984.
  • SHILLING, Voltaire. Peste bubônica varreu 1/3 da Europa. Entenda o que havia de tão letal nela. Revista Aventuras na História. 14 jan 2019.
  • Linha do tempo da Peste: de 430 a.C. a 2109. Wikipedia (em inglês).

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