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“Negrinha”, de Monteiro Lobato, um conto para discutir o preconceito e o racismo

13 de maio de 2018

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Um conto de 1920 que expõe os bastidores da sociedade patriarcal, o racismo e o preconceito colocando, lado a lado, farsa e sarcasmo, tragédia e compaixão. Faz uma forte crítica à mentalidade escravocrata brasileira que persistia três décadas depois da abolição. “Negrinha” ainda causa polêmica a ponto de ter sido, recentemente, banido das escolas públicas sob acusação de ser racista. Mas pode servir de pretexto para um debate pertinente em sala de aula.

  • BNCC: 8° e 9° anos. Habilidades: EF08HI19, EF08HI20, EF09HI03 e EF09HI04
  • Ensino Médio. Habilidades: EM13CHS502, EM13CHS503, EM13CHS601.

CONTEÚDO

Babá, Petrópolis, RJ, 1899.

Na época dessa foto, 1899, a escravidão havia sido abolida por lei – mas leis não têm força para abolir costumes entranhados em pessoas que conheceram uma época em que a lei era outra.

Monteiro Lobato e sua época

O escritor paulista Monteiro Lobato (1882-1948) é um autor emblemático da literatura infantil brasileira por suas obras Reinações de Narizinho, Caçadas de Pedrinho e O Picapau Amarelo. Antes delas, já era reconhecido por sua obra obra-prima, Urupês, coletânea de contos e crônicas publicada originalmente em 1918 e que alcançou grande sucesso editorial.

Lobato foi uma figura polêmica pelos debates e denúncias em que se envolveu em seu tempo (inclusive na atualidade). Um de seus personagens mais famosos, o Jeca-Tatu, por exemplo, causou surpresa ao romper com o estereótipo romantizado do homem interiorano. O Jeca, de Lobato, era um caipira preguiçoso, caboclo mulato “a vegetar, de cócoras, incapaz de evolução e impenetrável ao progresso” e cuja única ação era “votar no governo” – a figura se tornou símbolo do atraso e da miséria do interior do país.

Para os modernistas de 1922, Lobato era um reacionário, especialmente pela sua veemente crítica em “Paranoia ou Mistificação” contra a pintura de Anita Malfatti. Entretanto, Oswald de Andrade admirava o autor de “Urupês”.

Lobato era um nacionalista convicto, a favor de uma arte devidamente brasileira, autóctone, criada aqui. Sua obra denunciava as mazelas da sociedade. Renovou a linguagem utilizando termos regionais e retratando costumes populares. Para os especialistas, a obra de Lobato é classificada de literatura pré-modernista.

Lobato inovou também como editor. Em uma época em que os livros brasileiros eram editados em Paris ou Lisboa, ele fundou sua própria editora, a Monteiro Lobato & Cia., depois chamada Companhia Editora Nacional.  Lançou livros inéditos, traduções de clássicos da literatura, manuais didáticos e obras infantis. Sua visão editorial garantiu o sucesso do negócio. Despertava o interesse dos leitores com capas coloridas e atraentes, ilustrações internas e uma produção gráfica impecável. Criou uma política de distribuição, novidade na época: vendedores autônomos e distribuidores espalhados por todo o país levavam os livros às capitais e cidades menores.

Monteiro Lobato hoje: banido das escolas

Lobato continua suscitando polêmica acusado, hoje, de racismo e preconceito. Em 2010, depois de uma denúncia da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial, a obra de Monteiro Lobato foi banida das escolas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) sob alegação de conter passagens de cunho racista. O MEC interviu pedindo ao CNE que reconsiderasse a questão. O veto, então, foi anulado.

Em 2012, o Instituto de Advocacia Racial (Iara) tentou nova ação, dessa vez dirigida contra Caçadas de Pedrinho e Negrinha, exigindo do MEC a inclusão de uma nota explicativa nas obras apontando trechos que o instituto considerava racistas ou a proibição da circulação dos livros nas escolas públicas. O MEC se recusou e o caso foi parar no Supremo Tribunal Federal.

Em 2015, a ministra Nilma Gomes, da Promoção da Igualdade Racial, pediu que Caçadas de Pedrinho fosse banida do Programa Nacional Biblioteca na Escola. O caso foi indeferido pelo ministro Luiz Fux. No ano seguinte, o conto Negrinha entrou na lista de leituras obrigatórias do vestibular na Unicamp.

Explorando o conto “Negrinha”

Fascinação, Pedro Peres

“Fascinação”, Pedro Peres, 1909, Pinacoteca do Estado de São Paulo.

Negrinha foi publicado no livro do mesmo nome em 1920. O conto denuncia os bastidores da sociedade patriarcal colocando, lado a lado, farsa e sarcasmo, tragédia e compaixão. É uma forte crítica à mentalidade escravocrata da sociedade brasileira que persistia três décadas depois da abolição.

O conto narra o drama de uma criança órfã, de sete anos, filha de uma ex-escrava e chamada pela alcunha Negrinha. A menina não tem nome, lhe é negada uma identidade individual e social. Mas carrega apelidos perversos que a mimoseavam, na linguagem sarcástica de Lobato. Como bem define Bignotto: “Negrinha não tem nome – tem apelido; não tem família – tem dona, que não cuida dela; não tem cor definida – é mulatinha escura; não tem lugar dentro da cozinha, dentro da casa, dentro da sociedade. Não é à toa que parece ‘um gato sem dono’ – sua condição é quase a mesma de um animal. “Aprendeu a andar, mas quase não andava”.

Em contrapartida, a senhora tem nome, título e posição social – dona Inácia. Excelente senhora, a patroa. Gorda, rica, dona do mundo, mimada dos padres, com lugar certo na Igreja e camarote de luxo reservado no céu – descreve Lobato.

A narrativa passa-se em um tempo qualquer, poucos anos depois da abolição como se pode inferir no trecho: Nascera na senzala, de mãe escrava. Mais à frente, Lobato lembra o tempo sem explicitá-lo: Nunca se habituara ao regime novo – essa indecência de negro igual a branco e qualquer coisinha: a polícia! O 13 de Maio tirou-lhe das mãos o azorrague. Talvez seja mais uma denúncia subliminar de Lobato: preconceito e racismo não têm tempo, são atemporais.

O conto permite reflexões e debates em sala de aula sobre uma série de temas: preconceito, racismo, desigualdade social, mentalidade escravocrata, maus-tratos à infância, padrão de beleza, a importância e o direito de brincar (garantido, inclusive pelo Estatuto da Criança e do Adolescente). Pode servir, também, de ponto de partida para a discussão do bullying dentro de fora da escola.

Uma outra maneira de trabalhar o conto em sala de aula é pedir aos alunos para recriarem o final, isto é, darem um outro destino a Negrinha. Imaginar que atitude a menina poderia ter depois de se conscientizar “que tinha uma alma”. As respostas dos alunos podem ser surpreendentes!

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Acessar

Fonte

  • LOBATO, Monteiro. Negrinha (1920).  In: REBELLO, Marques. Antologia escolar brasileira. Rio de Janeiro: Departamento Nacional de Educação/MEC, 1967, p. 70-4.
  • LOBATO, Monteiro. Negrinha (1920). In: Os cem melhores contos brasileiros. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
  • SILVA, Iêda Cristina Braquiel, CURADO, Maria Eugênia. A representação do negro em “Negrinha”, de Monteiro Lobato. SEPE, Anais, Universidade Estadual de Goiás, jun 2017
  • LAJOLO, Marisa. A figura do negro em Monteiro Lobato. Geledes, 29 out 2010.
  • BIGNOTTO, Cilza Carla. Duas leituras da infância segundo Monteiro Lobato. Campinas: Unicamp.

 

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Mirella Cibalde
Mirella Cibalde
6 anos atrás

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