Em 26 de maio de 1948, o regime do apartheid (“separação”, em africâner) triunfava na África do Sul com a vitória do pastor protestante Daniel François Malan, do Partido Nacional, nas eleições parlamentares. Malan, então primeiro-ministro, cumpriu o que prometeu durante sua campanha: aprofundar a legislação de segregação racial introduzindo o apartheid como política oficial.
Importante lembrar que a segregação racial na África do Sul já existia antes da implantação do regime do apartheid quando o país tinha uma legislação segregacionista que favorecia a minoria branca:
- Native Land Act (1913): determinava que apenas 7% do território sul-africano seria destinado aos negros, que representavam 75% da população;
- Native Urban Act (1923): restringia a instalação de negros e outras etnias em áreas consideradas dos brancos;
- Immorality Act (1927): proibiu relações sexuais fora do casamento entre brancos e não brancos.
A partir de 1948, com a vitória do Partido Nacional, a legislação segregacionista foi se estendendo cada vez mais, cobrindo e regulando todas as áreas e atividades da sociedade. Configurou-se, então, o regime do apartheid no âmbito constitucional.
A legislação segregacionista do apartheid
O país foi dividido em quatro “nações raciais”: branca, banto (negra), mestiça (“coloridos”) e indiana. Os brancos abrangiam todos os falantes de inglês ou africânder; a população negra foi dividida em dez grupos linguísticos.
A Lei de Proibição dos Casamentos Mistos (Prohibition of Mixed Marriages Act) , de 1948, tornou ilegal o casamento entre pessoas de raças diferentes. No ano seguinte, a Lei da Imoralidade tornou crime relações sexuais entre pessoas de raças diferentes.
A Lei de Registro Populacional (Population Registration Act), de 1950, formalizou a divisão racial através da introdução de um cartão de identidade para todas as pessoas com idade superior a 18 anos, especificando a qual grupo racial cada uma delas pertencia. Equipes oficiais ou conselhos foram criados para determinar a raça de indivíduos cuja etnia não era claramente identificada. Tais casos trouxeram complicações, especialmente para os mestiços, que em alguns casos tiveram membros de suas famílias separados em raças distintas.
A Lei de Áreas de Agrupamento, de 1950, determinou onde cada um deveria viver de acordo com sua raça. A cada raça foi atribuída uma área específica, o que foi mais tarde utilizado como base para remoções forçadas. Os negros foram mandados para subúrbios distantes da capital Joannesburgo. O principal era Soweto, com 1 milhão de habitantes.
A Lei de Reserva dos Benefícios Sociais, de 1953, determinou que locais públicos seriam reservados para determinada raça, criando, entre outras coisas, praias, ônibus, hospitais, escolas e universidades para brancos e não branco. Placas com os dizeres “apenas para brancos” tiveram seu uso difundido em locais públicos, incluindo até mesmo bancos de praças.
Sob a mesma legislação, o governo se isentava da responsabilidade de oferecer serviços públicos da mesma qualidade para todos os cidadãos. Aos negros eram fornecidos serviços de qualidade muito inferior àqueles prestados aos brancos – e, em menor medida, àqueles prestados aos indianos e mestiços. Em 1956, a discriminação racial no local de trabalho foi formalizada.
A Lei de Educação Banto, de 1953, criou um sistema educacional separado para os estudantes negros, projetado para preparar os jovens negros para passarem o resto da vida como trabalhadores braçais. Em 1959, foram criadas universidades específicas para negros, mestiços e indianos. As universidades já existentes foram proibidas de matricularem novos alunos negros.
Outras proibições aos negros
Estavam excluídos do governo nacional e não podiam votar, exceto em eleições para instituições segregadas que não tinham qualquer poder.
Eram proibidos de exercer diversos empregos, sendo-lhes também vetado empregar brancos. Não podiam manter negócios ou práticas profissionais em quaisquer áreas designadas somente para brancos.
Os negros, sendo um contingente de 70% da população, foram excluídos de tudo, menos uma pequena proporção do país, a não ser que eles tivessem um passe, o que era impossível, para a maioria, conseguir.
Eram proibidos de se filiarem a sindicatos (até 1980). Greves eram banidas e severamente reprimidas.
Negros pagavam impostos mesmo sobre uma renda baixa enquanto que o limite de isenção fiscal dos brancos era muito mais alto.
Humilhação e submissão
O apartheid perverteu a cultura Sul-Africana, assim como as suas leis. Um branco que entrasse em uma loja seria atendido primeiro, à frente de negros que já estavam na fila, independente da idade ou qualquer outro fator.
Até os anos 1980, o negro deveria descer da calçada para dar passagem a qualquer pedestre branco.
Um menino branco era chamado de klein baas (“pequeno patrão”) por um negro, sem que este demonstrasse qualquer tipo de desaprovação.
Resistência da população negra
A resistência da população negra teve como principal porta-voz o Congresso Nacional Africano (CNA), fundado em 1912. Era uma organização política de representação dos negros e de combate ao apartheid. O CNA adotava uma estratégia de resistência não violenta e de diálogo.
Em 1955, a organização publicou a Carta da Liberdade, um documento que pedia o fim do regime racista e defendia a distribuição da riqueza no país.
O apartheid vigorou até 1994 sendo adotado pelos sucessivos governos do Partido Nacional. Durante quase meio século, os direitos da maioria dos sul-africanos foram cerceados pela minoria branca no poder.
Fonte
- PEREIRA, Francisco José. Apartheid. O horror na África do Sul. São Paulo: Brasiliense, 1986.
- MACEDO, José Rivair. História da África. São Paulo: Contexto, 2013.
- MANDELA, Nelson. A luta é a minha vida. Rio de Janeiro: Globo, 1988.
- MANDELA, Nelson. Nelson Mandela por ele mesmo. São Paulo: Martin Claret, 1991.
- HOBSBAWN, Eric. Era dos extremos: O breve século XX 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
- REIS FILHO, Daniel Aarão; FERREIRA, Jorge; ZENHA, Celeste. O século XX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.
Saiba mais