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Massacre do Caldeirão da Santa Cruz do Deserto, Ceará

11 de maio de 1937

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Em 11 de maio de 1937, centenas de sertanejos, seguidores do beato paraibano José Lourenço foram massacrados pela Polícia e pelo Exército, na fazenda denominada Caldeirão, situada no Crato, Ceará. O episódio ficou conhecido como Massacre do Caldeirão da Santa Cruz do Deserto.

O beato José Lourenço

José Lourenço Gomes da Silva (1872-1946), nascido em Pilões de Dentro, Paraíba, era filho de escravos alforriados. Muito jovem foi trabalhar na agricultura, afastado da família que migrara para Juazeiro do Norte, no Ceará. A cidade começava, então, a atrair muita gente pela presença carismática de Cícero Romão Batista, o Padre Cícero (1844-1934).

Aos vinte anos de idade, José Lourenço foi para Juazeiro, onde reencontrou sua família. Em Juazeiro, tornou-se beato, adotando um modo de vida simples, celibatário, religioso, desapegado das coisas materiais. Usava vestes de frade: uma batina preta, com uma cruz nas costas e um cordão de São Francisco amarrado na cintura. Ingressou na ordem dos penitentes que se reuniam à noite diante de locais sagrados para praticarem autoflagelação como forma de purificação do espírito.

Beato José Lourenço.

O sítio Baixa Dantas: fartura na caatinga

O beato José Lourenço conheceu Padre Cícero e ganhou sua simpatia e confiança. Recebeu do padre a missão de liderar um grupo de flagelados para trabalhar na roça. Com a ajuda de Padre Cícero, o beato conseguiu arrendar um lote de terra no sítio Baixa Dantas, no município do Crato e para lá levou os flagelados.

Com bastante esforço, em pouco tempo a terra prosperou e começou a produzir laranja, manga, jaca, lima, limão, abacate, côco, café além da produção de algodão, cereais e hortaliças.

A produção era dividida igualmente entre todos moradores. Havia fartura e todos que estavam no sítio trabalhavam, seja nas lavouras, com os animais ou com artesanato.

Para o sítio Baixa Dantas eram enviados, por Padre Cícero, ladrões, assassinos e miseráveis que buscavam a redenção por meio do trabalho e da fé.

José Lourenço tornou-se líder daquele povoado, sem deixar de se dedicar à religião e à caridade. Mesmo analfabeto, era ele quem dividia as tarefas e ensinava agricultura e medicina popular. O beato permaneceu em Baixa Dantas de 1894 (ou 1895) até 1926.

O sacrifício do boi Mansinho

Em 1921, Padre Cícero ganhou de Delmiro Gouveia, um empresário local, um boi chamado Mansinho. O padre entregou o animal para o beato José Lourenço.  Este construiu um estábulo modelo para abrigar o animal e deu a várias pessoas a função de cuidar do boi. Tantos cuidados logo criaram a imagem do boi como santo ou milagroso.

Os inimigos de Padre Cícero e fazendeiros descontentes com a prosperidade do sítio Baixa Dantas aproveitaram-se disso para colocar o beato José Lourenço em descrédito. Espalharam boatos de que as pessoas estariam adorando o boi como a um deus.

A imprensa local noticiou que os moradores raspavam os cascos do boi e utilizavam seus dejetos para fazer medicamentos. Ornamentavam o boi com flores e o seguiam em procissão.

Em 1921, a Igreja Católica, que já estava irritada com os supostos milagres de Padre Cícero,  pressionou o padre a tomar uma atitude radical contra a suposta adoração pagã. Para evitar maiores transtornos, Floro Bartolomeu, poderoso político local e amigo do Padre Cícero, mandou que sacrificassem o “Boi Santo” e prendessem José Lourenço.

José Lourenço ficou preso dezessete dias e, nesse tempo recusou comida e bebida. Diziam que o jejum prolongado não mudou a aparência do beato, mas, ao contrário, ele estava muito bem de saúde. Para o povo, isso era prova de sua inocência e santidade.  José Lourenço foi solto a pedido do padre Cícero.

Poucos anos depois, em 1926, o sítio Baixa Dantas foi vendido por seu proprietário que exigiu que todos saíssem das terras. Sem receber qualquer indenização pelas benfeitorias, José Lourenço e seus seguidores estavam novamente sem terra e sem rumo.

O Caldeirão da Santa Cruz do Deserto

Foi novamente Padre Cícero quem socorreu o beato e sua gente alojando-os em uma grande fazenda, no Crato, chamada Caldeirão dos Jesuítas que foi rebatizada de Caldeirão da Santa Cruz do Deserto pelos romeiros.

A comunidade do Caldeirão prosperou, criando uma sociedade igualitária que tinha como base a religião. Cada família tinha sua casa e a produção era dividida entre todos. Na fazenda havia também um cemitério e uma igreja, construídos pelos próprios membros.

O modo de vida comunitário atraiu famílias de todo sertão que abandonaram o trabalho árduo nos latifúndios para ir viver no Caldeirão. A comunidade chegou a ter mais de mil habitantes.

Caldeirão da Santa Cruz do Deserto era visto por seus moradores e seguidores do Padre Cícero como um lugar abençoado, de muita fartura e onde todos eram bem vindos. Mas, para a elite local era um reduto de fanáticos, pois estavam perdendo mão de obra para o beato e a Diocese local estava vendo os seus fiéis atraídos para o catolicismo popular.

A comunidade rural começou a ser acusada de ser “comunista”.

O massacre do Caldeirão

Após a morte de Padre Cícero, ocorrida em 1934, muitos nordestinos passaram a considerar o beato José Lourenço como seu sucessor e mais famílias mudaram-se para o Caldeirão.

Em 11 de maio de 1937, o Caldeirão foi invadido e destruído pelas forças do governo de Getúlio Vargas. Os sertanejos sobreviventes dividiram-se, ressurgindo novamente pela mata em uma nova comunidade, que em 11 de maio foi invadida novamente, dessa vez por terra e pelo ar, quando aconteceu um grande massacre, com o número oficial de 400 mortos (outras estimativas, entanto, chegam a mais de 1000).

Os familiares e descendentes dos mortos nunca souberam onde estão os corpos, pois o Exército Brasileiro e a Polícia Militar do Ceará nunca informaram o local da vala comum na qual os seguidores do Beato foram enterrados. Presume-se que a vala coletiva esteja no Caldeirão ou na Mata dos Cavalos, na Serra do Cruzeiro (região do Cariri).

José Lourenço conseguiu fugir para Exu, Pernambuco onde morreu em 12 de fevereiro  de 1946, aos 74 anos, de peste bubônica. Seu corpo foi levado por uma multidão para Juazeiro do Norte, onde foi enterrado.

Poema “Beato Zé Lourenço”, do poeta popular cearense, Patativa do Assaré:

Sempre digo, julgo e penso
Que o beato Zé Lourenço
Foi um líder brasileiro
Que fez os mesmos estudos
Do grande herói de Canudos,
Nosso Antônio Conselheiro.

Tiveram o mesmo sonho
De um horizonte risonho
Dentro da mesma intenção,
Criando um sistema novo
Para defender o povo
Da maldita escravidão.

Em Caldeirão trabalhava
E boa assistência dava
A todos os operários,
Com a sua boa gente
Lutava pacificamente
Contra os latifundiários.

Naquele tempo passado
Canudos foi derrotado
Sem dó e sem compaixão,
Com a mesma atrocidade
E maior facilidade
Destruíram Caldeirão.

Por ordem dos militares
Avião cruzou os ares
Com raiva, ódio e com guerra,
Na grande carnificina
Contra a justiça divina
O sangue molhou a terra.

Porém, por vários caminhos,
Pisando sobre os espinhos,
Com um sacrifício imenso,
Seguindo o mesmo roteiro
Sempre haverá Conselheiro
E Beato Zé Lourenço.

Fonte

 

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