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Independência não se faz no grito

31 de março de 2015

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A data oficial da independência do Brasil, o Sete de Setembro, está associada à proclamação feita pelo príncipe D. Pedro, em 1822, às margens do riacho do Ipiranga, em São Paulo. Mas somente anos depois a data começou a ganhar importância no calendário de comemorações oficiais do Império. Antes disso, outras datas foram pensadas para comemorar a independência do Brasil, entre elas,

  • a convocação da Assembleia Constituinte (3 de junho),
  • o decreto de D. Pedro declarando inimigas as tropas portuguesas que desembarcassem sem seu consentimento (1º. de agosto),
  • o Manifesto aos Povos do Brasil, de Gonçalves Ledo (1º. de agosto),
  • o Manifesto aos Governos e às Nações Amigas, de José Bonifácio (6 de agosto),
  • a decisão do Conselho de Estado presidido pela princesa Maria Leopoldina (2 de setembro),
  • a aclamação de D. Pedro como imperador constitucional do Brasil (12 de outubro),
  • a coroação de D. Pedro I (1º. de dezembro)

Uma mulher decretou a independência do Brasil?

Em 14 de agosto de 1822, D. Pedro viajou para São Paulo deixando a regência entregue a sua esposa, Maria Leopoldina como Regente Interina e Chefe do Conselho de Estado. Na sessão do dia de 2 de setembro, o Conselho decidiu por unanimidade apoiar a independência, em resposta às deliberações das Cortes que apertavam o cerco contra D. Pedro.  A decisão do Conselho é entendida por alguns historiadores como um ato oficial de independência. Só faltava comunicar a D. Pedro – o que foi feito imediatamente.

Após a assinatura da ata do Conselho,  Leopoldina enviou os documentos a D. Pedro, incluindo uma carta sua, de José Bonifácio e do ministro inglês Henry Chamberlay em que estimulavam o Príncipe a proclamar a independência. “Senhor, o dado está lançado: de Portugal não temos a esperar senão escravidão e horrores“, escreveu José Bonifácio (RODRIGUES, 1975, p.283).

Não existiu, portanto, um “decreto de independência” assinado pela Regente Interina Maria Leopoldina, mas uma firme decisão, de comum acordo com os ministros, de que era chegado o momento de separar-se de Portugal. Esse “empurrão” pode ter sido decisivo para o 7 de setembro.

A carta de Leopoldina lembrava D. Pedro que “o Brasil está como um vulcão” e que o país “com vosso apoio ou sem vosso apoio fará a separação”. Para a princesa (e também José Bonifácio e outros ministros) era importante que os acontecimentos não escapassem do controle e se tornassem perigosamente “populares”.

As cartas chegaram a D. Pedro no dia 7 de setembro de 1822, quando o príncipe se encontrava, com sua comitiva, às margens do rio Ipiranga, em São Paulo.

O resultado foi o conhecido brado de “independência ou morte“, isto é, o grito do Ipiranga. “Entretanto, para os contemporâneos, este fato não teve significado especial, sendo noticiado apenas sob a forma de um breve comentário no jornal fluminense O Espelho, com data de 20 de setembro” (Neves, 2011: 96).

"O grito do Ipiranga", detalhe, Pedro Américo, 1888.

O episódio do Ipiranga não teve repercussão no momento que ocorreu e levou alguns anos para ser celebrado no calendário oficial do Império. “O grito do Ipiranga”, detalhe, Pedro Américo, 1888.

No final do século XIX, os paulistas trataram de marcar o feito ocorrido em seu território: entre 1885 e 1890, construíram o majestoso “Museu do Ipiranga” (Museu Paulista), no suposto local do famoso “grito”. Em 1888, Pedro Américo concluiu a emblemática pintura O grito do Ipiranga (popularmente conhecida como Independência ou morte) para decorar o museu ainda em obras.

Com a República, o Sete de Setembro só ganhou algum destaque alguns anos depois. A data era identificada com o Império, e os republicanos deram mais destaque ao 15 de novembro.

Somente em 1934, o Sete de Setembro foi transformado em Dia da Pátria por decreto federal, e tornou-se feriado nacional e Dia da Independência por lei de 1949.

Revisão da História

A historiografia atual tem revisto a construção do Sete de Setembro como data nacional da emancipação do Brasil. O episódio do Ipiranga, com exceção das províncias de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, não teve repercussão no resto do país no momento em que ocorreu.

Sequer havia consenso entre os diferentes segmentos da sociedade em apoiar a separação do país de sua metrópole. Além disso, as enormes distâncias dificultavam a comunicação de muitas províncias com a capital. O Piauí, o Maranhão e o Pará tinham pouca (ou nenhuma) comunicação com o Rio de Janeiro e obedeciam a Portugal.  Após o Sete de Setembro, quase metade do país estava mergulhada em conflitos armados que ameaçavam retomar o domínio português.

Pernambuco dá início à guerra de independência

Quase um ano antes do Sete de Setembro, irrompe um conflito armado em Pernambuco. O movimento ganhou força com a Revolução do Porto, de 1820 e a atuação das Cortes Constituintes de Lisboa contra o absolutismo – episódios que reacenderam os ideais liberais sufocados pela repressão à Revolução Pernambucana de 1817. A província era, desde então, governada pelo capitão Luís do Rego Barreto, o algoz da Revolução de 1817.

O capitão governador, defensor da monarquia absolutista portuguesa, tornou-se alvo das ações dos pernambucanos. No dia 29 de agosto de 1821, teve início o Movimento Constitucionalista de 1821, que culminou no cerco a Recife e expulsão das tropas portuguesas de Pernambuco. Em 5 de outubro, o capitão Rego Barreto assinou a capitulação, conhecida como Convenção de Beberibe.

A província passou a ser governada pela Junta de Goiana, presidida por Gervário Pires, um rico comerciante e antigo participante da Revolução de 1817. O movimento teve apoio de representantes das elites rurais de Nazaré da Mata, Tracunhaém, Paudalho, Limoeiro, Igarassu e outras vilas.

Pernambuco foi, assim, a primeira província brasileira a romper com Portugal e a dar início à guerra de independência do Brasil.

Cachoeira rompe com Portugal

Em 25 de junho de 1822, a Câmara Municipal de Cachoeira, cidade do Recôncavo Baiano, a 120 km de Salvador, proclamou seu rompimento com Portugal, apoiada pela população e pelas tropas locais. Sofreram, por isso, a intervenção militar da Coroa portuguesa.

No mesmo mês, um navio militar comandado pelo almirante português Madeira de Melo, chegou à Cachoeira pelo rio Paraguaçu decidido a submeter o povo às ordens de Portugal. A população reagiu e o confronto resultou em bombardeamento e tiroteio até a captura e prisão dos militares portugueses.

Cachoeira, Bahia

Praça da cidade de Cachoeira com prédio da Câmara e Cadeia, Bahia.

O Dois de Julho, a independência da Bahia

O sucesso dos “brasileiros” de Cachoeira contagiou outras vilas do Recôncavo que aderiram à resistência e a rebelião se propagou. O movimento ganhou força e a guerra pela independência se alastrou por um ano. Nas lutas destacou-se Maria Quitéria de Jesus Medeiros que, vestida de homem (era chamada de “soldado Medeiros”), integrou o batalhão “Voluntários do Príncipe D. Pedro” e acabou sendo condecorada com a Ordem Imperial do Cruzeiro do Sul. Outra participação feminina na guerra da Bahia foi a da negra Maria Felipa de Oliveira, natural da ilha de Itaparica; ela liderou um grupo de mulheres que ateou fogo em 42 embarcações portuguesas.

Finalmente, em 2 de julho de 1823, Madeira de Melo e seus homens foram expulsos da Bahia. A notícia da vitória da Bahia chegou ao Rio de Janeiro quatorze dias depois, trazida pela sumaca São José Triunfante.

O Dois de Julho é festejado até hoje como a data da independência da Bahia e, em junho de 2013, foi oficializado como data histórica nacional. Nas comemorações, desfilam os tradicionais carros da Cabocla e do Caboclo que representam a participação indígena na guerra. Na cidade de Caetité, que festeja a data com grande pompa, a figura de uma cabocla surge num dos carros, matando o “Dragão da Tirania“, que representa o colonizador português vencido.

Em reconhecimento histórico pelos feitos de Cachoeira em prol do país, a cidade ganhou o título de “Heroica” e, todos os anos, no dia 25 de junho, a capital do estado é transferida para esta cidade. Aliás, a Cachoeira já foi capital da Bahia por ocasião da revolta da Sabinada, em 1835, quando o governo deposto de Salvador refugiou-se naquela cidade.

2 de Julho Bahia

Festa do 2 de Julho com desfile da Cabocla, em Salvador, Bahia

A guerra no Piauí, Maranhão e Ceará

Em outubro de 1822, na cidade de Parnaíba, no norte do Piauí, o povo se levantou para aclamar D. Pedro I como imperador do Brasil. Imediatamente, de Oeiras, capital da província, partiu a tropa portuguesa comandada pelo major João da Cunha Fidié para sufocar a rebelião. Enquanto Fidié lutava no norte, a população de Oeiras também se sublevou.

Ao mesmo tempo, “brasileiros” do Maranhão e no Ceará aderiram à independência. No Ceará, o líder sertanejo José Pereira Figueiras, comandando o povo, tomou Fortaleza de assalto, depondo o governo português e formando um novo governo fiel à emancipação.

Em São Luís, no Maranhão, onde o governo aliado a Portugal ainda tentava resistir, a independência foi aclamada pelo povo com a chegada da esquadra sob o comando do almirante Cochrane (28 de julho de 1823).

A batalha do Jenipapo no Piauí

Batalha do Jenipapo, de Francisco Paz, 2003

Batalha do Jenipapo, de Francisco Paz, 2003. Museu de Campo Maior, Piauí.

No Piauí, a luta continuava e chegaram reforços de voluntários vindos do Ceará, do Maranhão e da Bahia que tomaram a cidade de Campo Maior. Nas vizinhanças dessa localidade, travou-se a Batalha do Jenipapo (13 de março de 1823) entre as tropas brasileiras e os soldados de Fidié.

A luta envolveu mais de 2 mil populares, entre vaqueiros, artesãos, roceiros, pequenos proprietários e até mesmo escravos. Ao final, com centenas de mortos, os sertanejos conseguiram expulsar o governador que refugiou-se no Maranhão, onde foi preso e mandado de volta para Portugal (31 de julho de 1823).

Documentário sobre a Batalha do Jenipapo, programa “De lá pra cá” da TV Brasil

A tragédia do brigue Palhaço no Pará

O governo da província do Pará mantinha-se fiel a Portugal quando, em abril de 1823, o povo se sublevou. Mas, esse primeiro levante foi rapidamente esmagado pelas tropas portuguesas. Em agosto, a população voltou a se revoltar quando chegou reforços militares enviados pelo Rio de Janeiro sob o comando do primeiro-tenente inglês John Pascoe Grenfell.

Animada com a perspectiva desse apoio, a população invadiu o palácio do governador, derrubou o governo e exigiu a entrega do poder aos líderes populares. Mas não estava nos planos das autoridades, nomeadas diretamente pelo governo central, que os chefes populares governassem o Pará. Sob as ordens de Grenfell, a repressão foi violenta: cinco líderes paraenses foram fuzilados e 256 foram lançados ao porão do brigue Palhaço, em Belém, e cobertos com cal.

Dois dias depois, aberto o porão, foram retirados os cadáveres dos paraenses sacrificados em sua luta pela liberdade e independência. Em outubro de 1823, em Cametá houve uma rebelião contra o morticínio no brigue Palhaço, bem como nas vilas de Baião, Oeiras, Portel, Melgaço, Moju, Igarapé-Miri, Marajó, Abaeté, Muaná, entre outras.

Brigue Palhaço, tela de Romeu Mariz Filho.

Brigue Palhaço, tela de Romeu Mariz Filho.

A Guerra da Cisplatina

Na província da Cisplatina, a situação era bem confusa em 1822. O governo provincial estava dividido entre os favoráveis a Portugal, os partidários da independência do Brasil e os que desejavam a própria independência da província.

Em agosto de 1823, Montevidéu foi submetida a um bloqueio por cinco navios enviados pelo governo do Rio de Janeiro. Em novembro, os portugueses se renderam e se retiraram definitivamente da província Cisplatina. A vitória, contudo, não significou a incorporação tranquila da província ao império brasileiro e logo eclodiu a guerra pela independência do país.

 Concluindo

A independência do Brasil foi feita de várias datas, anteriores ao Sete de Setembro de 1822 e que vão muito além dele. Não foi um movimento pacífico e ordeiro, como ainda afirmam alguns. Ao contrário, foi marcado por conflitos sangrentos entre brasileiros e portugueses.

Tampouco a separação se firmou rapidamente. Na verdade, o Primeiro Reinado (1822-1831) foi um período turbulento em que D. Pedro I de herói popular foi, nove anos  depois, obrigado a abandonar o trono. Para alguns historiadores, a independência só se consolidou após a abdicação.

Como lembra Alfredo Bosi, em O tempo e os tempos, “datas são pontas de iceberg”. Em cada data que marca um acontecimento, existem outros acontecimentos submersos.

Fonte

  • NEVES, Lúcia Bastos Pereira das. A vida política. In: SCHWARZ, Lilia Moritz (dir.) História do Brasil Nação: 1808-2010, v. 1: Crise Colonial e Independência, 1808-1830. Rio de Janeiro: Objetiva, 2011.
  • SALGADO, Aline. Gritos de independência. Revista de História, 01/06/2013.
  • CASTRO, Francisco. A guerra do Jenipapo. São Paulo: FTD, 2002.
  • NEVES, Abdias. A guerra do Fidié. Uma epopeia brasileira na luta pela independência. Rio de Janeiro: Artenova, 1975.
  • THIAGO, Caio e AURÉLIO, Bernardo. Foices e Facões: a Batalha do Jenipapo. História em quadrinhos. Teresina: s/ed. 2009.
  • DIAS, Claudete Maria Miranda. Entre foices e facões. Revista de História, 06/07/2011.
  • COELHO, Geraldo Mártires. Anarquistas, demagogos e dissidentes: a imprensa liberal no Pará de 1822. Belém: Cejup, 1993.
    REIS, Arthur César Ferreira. “O Grão-Pará e o Maranhão”. IN. HOLANDA, Sérgio Buarque de (org.) História Geral da Civilização Brasileira. São Paulo: Difel, 1978, tomo II, v. 2, pp.71-139.
  • RICCI, Magda. Dias trágicos. Massacre no Grão-Pará fez mais de 250 mortos entre os defensores da Independência. Revista de História, 16/09/2009.
  • RODRIGUES, José Honório. Independência: revolução e contrarrevolução. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1975, v.5: A política internacional.

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[…] Sendo uma pintura romântica de cunho nacionalista, O grito do Ipiranga glorifica e idealiza o passado usando, para isso, de figuras e composição de cena nem sempre fiéis à história. O próprio Sete de Setembro é hoje objeto de discussões pelos historiadores que tem refletido sobre a data como uma construção histórica (veja a respeito aqui). […]

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[…] A independência é sempre um fato emblemático da História de um país, um divisor de águas que separa um passado sob o jugo do dominador de um presente promissor e libertário. Daí as datas nacionais serem comemoradas com desfiles militares, bandas e discursos como o Sete de Setembro (a respeito dessa data, veja aqui). […]

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[…] A independência é sempre um fato emblemático da História de um país, um divisor de águas que separa um passado sob o jugo do dominador de um presente promissor e libertário. Daí as datas nacionais serem comemoradas com desfiles militares, bandas e discursos como o Sete de Setembro (a respeito dessa data, veja aqui). […]

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Maria Aparecida Pereira da Silva
Maria Aparecida Pereira da Silva
6 anos atrás

Joelza, estou encantada com os textos que tenho encontrado aqui. Sou estudante de Licenciatura em História, e os artigos tem me ajudado a estudar e a desenvolver aulas. Para quem está iniciando a carreira como professora é uma ajuda e tanto ! Fica aqui meu muito obrigada!

MARCO ANTONIO RODRIGES
MARCO ANTONIO RODRIGES
6 anos atrás

Sempre fomos enganados com essas historia que não trouxe um bem algum para que desse origem a uma nação vitoriosa com foi o caso da independência dos Estados Unido e o Grande Benjamin Franklin. Nossa triste historia já começa com um crápula que foi Pedro A. C. que, infelizmente nosso povo o tem como herói. Quem estuda a verdade disso tudo irá concordar comigo que, deveríamos começar do zero,uma nova nação e costumes. Leiam o livro de Benjamin Franklin ou pesquisem. Eu não tenho nenhum orgulho da nossa história e nem podemos aceitar o EUA tirar nossa América do Sul… Leia mais »

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