No final do século XIX, a Europa controlava a maior parte do mundo e, nesse domínio, sobressaia o poderoso Império Britânico. Vivendo em uma ilha com limitados recursos naturais e uma população em rápido crescimento, os britânicos tinham colonizado diferentes partes do globo a partir do século XVI. Suas colônias na América e na Índia forneciam importantes matérias primas para as indústrias britânicas e, ao mesmo tempo eram mercado consumidor dos produtos fabricados no Reino Unido.
- BNCC: 8º ano – Habilidade: EF08HI23, EF08HI24, EF08HI26
- BNCC: Ensino Médio: EM13CHS101, EM13CHS102, EM13CHS103, EM13CHS104, EM13CHS105, EM13CHS302, EM13CHS401, EM13CHS403, EM13CHS404
Por essa época, a África voltava a ser fonte de interesse de industriais e políticos europeus, não mais para explorar o comércio de escravos como nos séculos anteriores, mas sim para se apoderar de seus recursos naturais – borracha, petróleo, carvão, cobre, ouro, cacau -, muitos dos quais eram essenciais para a florescente economia industrial europeia.
Este artigo remete para atividades no site Stud História. Veja no final.
CONTEÚDO
- A África devassada
- A Conferência de Berlim
- Leopoldo II, o hipócrita
- “O fardo do Homem Branco”
- Fonte
- Saiba mais
África devassada
Se, até 1870, o interior da África permanecia desconhecido dos europeus e era governado por seus próprios reis, rainhas e chefes de clãs, a partir daquela década rapidamente a situação começou a mudar. A miragem de tesouros fabulosos e de uma natureza desafiadora e ainda intocada estimulou aventureiros transformados em heróis pela imprensa europeia e norte-americana. Entre eles, destacou-se o médico e missionário escocês David Livingstone que, de 1849 até sua morte, em 1873, fez diversas expedições à África Central convertendo nativos e curando doentes.
Já o jornalista galês-americano Henry Morton Stanley não tinha a mesma preocupação humanitária. Suas expedições à África central, de leste a oeste, entre 1874 e 1878, revelaram o sistema de navegação da bacia do Congo – informação valiosa que, repassada a Leopoldo II, da Bélgica, mediante generosa soma em dinheiro, permitiu ao rei belga encontrar uma saída a oeste, pelos portos suaílis, para as riquezas extraídas do Congo Belga. A população nativa, submetida ao trabalho forçado para entregar marfim e borracha aos colonizadores belgas, quase foi exterminada.
A violência dos métodos da exploração belga, considerada mais eficaz e rentável, foi seguida por outras potências europeias presentes no continente: França no Congo francês, Portugal em Angola, Alemanha em Camarões e na África Oriental Alemã (atual Tanzânia).
A Conferência de Berlim
A Conferência de Berlim, realizada entre 19 de novembro de 1884 e 26 de fevereiro de 1885 abriu caminho para a partilha da África. A ata geral foi assinada pela Alemanha, Áustria-Hungria, Bélgica, Dinamarca, Espanha, Itália, Noruega, Países Baixos, Portugal, Reino Unido, Rússia e Suécia, e reconhecida pelo Império Otomano e pelos Estados Unidos.
As autoridades europeias assinaram “em nome de Deus onipotente” e sob uma justificativa “civilizadora” e “humanitária” – condições que jamais foram aplicadas no continente africano.
O artigo 6 da ata geral alertava para as “disposições relativas à proteção dos autóctones, dos missionários e dos viajantes, assim como à liberdade religiosa”. Estabelecia que todas as potências “comprometiam-se a velar pela conservação das populações autóctones e pelo aperfeiçoamento de suas condições morais e materiais de existências, assim como a concorrer para a supressão da escravidão e sobretudo do tráfico de negros”.
As potências colonizadoras comprometiam-se “a proteger e favorecer, sem distinção de nacionalidades nem de cultos, todas as instituições e todos os empreendimentos religiosos, científicos ou caritativos criados ou organizados para tais fins ou tendentes a instruir os autóctones e a fazê-los compreender e apreciar as vantagens da civilização”.
Leopoldo II, o hipócrita
Nessa retórica de hipocrisia, Leopoldo II revelou-se imbatível. Perante a opinião pública nacional e internacional tratava de aparentar atitudes humanitárias. Organizou, em Bruxelas, uma Conferência Geográfica Internacional (1876) dando entender que seu interesse na África limitava-se a explorações geográficas e científicas. Poucos anos depois, Bruxelas sediou a Conferência Antiescravagista (de novembro de 1889 a julho de 1890) durante a qual, Leopoldo apresentou-se como campeão da luta contra os traficantes árabes.
Enquanto isso, as populações congolesas tiveram suas terras confiscadas, foram obrigadas a pagar impostos, a fornecer víveres aos colonizadores, e ficaram proibidas de explorar suas riquezas em benefício próprio – o marfim e a borracha foram declarados monopólio do Estado belga.
O transporte das mercadorias era feito às costas de centenas de nativos, e continuou assim mesmo depois da construção da ferrovia entre Léopoldville (Kinshasa) e Matadi (1890-1898). Uma testemunha, descreve a respeito desse trabalho forçado:
“Incessantemente encontramos esses carregadores, isolados ou em fila indiana, negros, miseráveis, tendo como única vestimenta uma tanga horrivelmente imunda, a carapinha nua suportando a carga, caixote, fardo, presa de marfim, cesto atulhado de borracha, barril, franzinos em sua maioria, cedendo sob o peso multiplicado pelo cansaço e pela comida insuficiente, feita de um punhado de arroz e de peixe seco infecto (…) morrendo ao longo do trajeto ou, terminando este, indo morrer em suas aldeias.”
“O fardo do homem branco”
Foi nesse contexto histórico que o poeta britânico Rudyard Kipling, conhecido pelos ensaios e poemas favoráveis ao imperialismo incluindo The Jungle Book (1894), publicou, em 1899 seu poema The white man’s burden, “O Fardo do Homem Branco”:
O fardo do homem branco
Tomai o fardo do Homem Branco
Enviai vossos melhores filhos
Ide, condenai seus filhos ao exílio
Para servirem aos vossos cativos;
Para esperar, com chicotes pesados
O povo agitado e selvagem
Vossos cativos, tristes povos,
Metade demônio, metade criança.
Tomai o fardo do Homem Branco
Continuai pacientemente
Ocultai a ameaça de terror
E vede o espetáculo de orgulho;
Ao discurso direto e simples,
Uma centena de vezes explicado,
Para buscar o lucro de outrem
E obter o ganho de outrem.
Tomai o fardo do Homem Branco
As guerras selvagens pela paz
Enchei a boca dos famintos,
E proclamai o cessar das doenças
E quando o vosso objetivo estiver próximo
(O fim que todos procuram)
Assisti a indolência e loucura pagã
Levai toda sua esperança ao nada.
Tomai o fardo do Homem Branco
Sem a mão de ferro dos reis,
Mas o trabalho penoso de servos
A história das coisas comuns
As portas que não deveis entrar,
As estradas que não deveis passar,
Ide, construí com as suas vidas
E marcai com seus mortos.
Tomai o fardo do Homem Branco
E colhei vossa recompensa de sempre
A censura daqueles que tornai melhor
O ódio daqueles que guardai
O grito dos reféns que vós ouvi
(Ah, devagar!) em direção à luz:
“Por que nos trouxeste da servidão,
Nossa amada noite no Egito?”
Tomai o fardo do Homem Branco
Não tentai impedir
Não clamai alto pela Liberdade
Para ocultar vossa fadiga
Por tudo que desejai ou confidenciai
Por tudo que permiti ou fazei
Os povos soturnos e calados
Medirão vosso Deus e vós.
Tomai o fardo do Homem Branco!
Acabaram-se vossos dias de criança
O prêmio leve ofertado
O louvor fácil e glorioso:
Vinde agora, procurai vossa virilidade
Através de todos os anos difíceis,
Frios, afiados com a sabedoria adquirida,
O reconhecimento de vossos pares.
The White Man’s Burden
Take up the White Man’s burden
Send forth the best ye breed
Go, bind your sons to exile
To serve your captives’ need;
To wait, in heavy harness,
On fluttered folk and wild–
Your new-caught sullen peoples,
Half devil and half child.
Take up the White Man’s burden
In patience to abide,
To veil the threat of terror
And check the show of pride;
By open speech and simple,
An hundred times made plain,
To seek another’s profit
And work another’s gain.
Take up the White Man’s burden
The savage wars of peace–
Fill full the mouth of Famine,
And bid the sickness cease;
And when your goal is nearest
(The end for others sought)
Watch sloth and heathen folly
Bring all your hope to nought.
Take up the White Man’s burden
No iron rule of kings,
But toil of serf and sweeper–
The tale of common things.
The ports ye shall not enter,
The roads ye shall not tread,
Go, make them with your living
And mark them with your dead.
Take up the White Man’s burden,
And reap his old reward–
The blame of those ye better
The hate of those ye guard–
The cry of hosts ye humour
(Ah, slowly!) toward the light:–
“Why brought ye us from bondage,
Our loved Egyptian night?”
Take up the White Man’s burden–
Ye dare not stoop to less–
Nor call too loud on Freedom
To cloak your weariness.
By all ye will or whisper,
By all ye leave or do,
The silent sullen peoples
Shall weigh your God and you.
Take up the White Man’s burden!
Have done with childish days–
The lightly-proffered laurel,
The easy ungrudged praise:
Comes now, to search your manhood
Through all the thankless years,
Cold, edged with dear-bought wisdom,
The judgment of your peers.
Nascido em Bombaim, na Índia britânica, em uma família aristocrática, Rudyard Kipling (1865-1936) teve uma infância marcada pelas histórias de encantamento contadas pelos criados indianos que serviam à família. Essas, com certeza, influenciaram seu trabalho de escritor e lhe renderam o Prêmio Nobel de Literatura, em 1907.
O Fardo do Homem Branco talvez seja o trabalho mais curto de Kipling. Mas aquelas sete estrofes, tornaram o poema emblemático e o mais criticado até hoje.
A mensagem era bastante simples: Kipling justificava o imperialismo não pela busca e exploração dos recursos naturais, mas sim como uma necessidade para levar a “civilização” aos lugares mais “atrasados” do planeta.
A línguas europeias, a religião cristã, as técnicas, a educação, a medicina e até mesmo noções de higiene deveriam ser levadas aos “selvagens”, isto é, os não-brancos. Este era o “fardo”, a missão difícil e pesada do homem branco “civilizado” para os “tristes povos, metade criança, metade demônio”.
O poema traduzia a mentalidade progressista do final do século XIX. Apresentava uma certa generosidade em relação aos povos conquistados – “levar a paz”, “encher a boca dos famintos”, por fim às doenças e “levar a esperança ao nada” – o que, naquele contexto histórico soava como um eufemismo, uma idealização distante da brutalidade do que então ocorria nas colônias europeias da África e Ásia. As teorias do darwinismo social, da eugenia e do racismo científico forneciam justificativas à expansão imperialista.
O poema de Kipling passou a ser visto como um símbolo do imperialismo. Em resposta à sua publicação, missionários evangélicos e padres foram enviados a todos os cantos do planeta determinados a difundir o cristianismo a qualquer custo. Escolas sob padrão europeu foram abertas para ensinar a árabes, africanos, chineses e indianos a língua da potência imperialista. Estilos de vida e moda europeia foram introduzidos em todo planeta.
A partilha da África deixou um legado dramático que as nações africanas tiveram de lidar a partir da segunda metade do século XX e que persiste ainda hoje. Estabeleceu fronteiras que não respeitaram grupos étnicos, que misturaram povos rivais ou separaram culturas. A monocultura, o trabalho forçado e o abandono da produção familiar provocaram subnutrição, fome e epidemias, destruíram as trocas internas no continente e deixaram os Estados africanos dependentes do mercado externo.
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Fonte
- FERRO, Marc (org.). O livro negro do colonialismo. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004.
[…] Pregações dos missionários cristãos de que “somos todos irmãos” foram vistas como ideias ultrapassadas. O poema “O fardo do homem branco”, de Rudyard Kipling, passou a ser considerado um romantismo obsoleto (veja artigo aqui). […]
QUEM VIRÁ
Alçaram os teus braços,
Prenderam-te as correntes
Pois tudo se fez em laços
Da submissão selvagem,
Do branco império, cristã…
Destituindo tua liberdade
De homem que esvoaça
Seu condor de esperança…
Fizeram-te uma presa caça!
Quem do alto virá te salvar
Se do céu nega-te a luz?
Se até cristo sentiu o pesar
Do fardo inquisitivo da cruz!
Quem do alto virá te salvar?
EM HOMENAGEM AO DIA
DA CONSCIÊNCIA NEGRA
20 DE NOVEMBRO DE 2015.
Obrigada pela contribuição!
[…] https://ensinarhistoria.com.br/imperialismo/ […]
[…] Pregações dos missionários cristãos de que “somos todos irmãos” foram vistas como ideias ultrapassadas. O poema “O fardo do homem branco”, de Rudyard Kipling, passou a ser considerado um romantismo obsoleto (veja artigo aqui). […]
[…] cristãos de que “somos todos irmãos” foram vistas como ideias ultrapassadas. O poema “O fardo do homem branco”, de Rudyard Kipling, passou a ser considerado um romantismo […]
Adorei o texto! Imensamente instrutivo e enriquecedor!
[…] “O fardo do Homem Branco”: ode ao imperialismo […]
Adorei o texto, muito bem colocado, grande conhecimento para se adquirir!
Obrigada Sarah!