O ano de 1937, no Brasil, começou em clima democrático com o lançamento de candidaturas para presidente da República, com eleições marcadas em janeiro de 1938. Chegava ao fim o mandato de quatros anos de Getúlio Vargas que fora eleito pelo voto indireto da Assembleia Nacional Constituinte, em julho de 1934. Porém, em pouco mais de três anos, a expectativa de consolidação democrática converteu-se no oposto. Em 30 de setembro de 1937, Vargas anunciou a descoberta do Plano Cohen – um plano para derrubar o governo e implantar o comunismo no país. Dez dias depois, o governo deu o golpe que implantou o Estado Novo.
Para compreender como uma situação aparentemente democrática desdobrou-se em um golpe que implantou a ditadura do Estado Novo é preciso olhar mais de perto o cenário político nacional assim como o contexto internacional.
Década de 1930: o contexto internacional
Iniciada pela Grande Depressão, a década de 1930 foi marcada por profundas mudanças na vida política e na economia mundial. Foi marcada pelo abandono do liberalismo econômico e adoção do intervencionismo estatal na economia, pela ascensão de regimes totalitários acompanhada pelo expansionismo militar que resultou na Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
Os efeitos da quebra de bolsa de Nova York, em 1929, obrigaram os governos a assumirem a direção da economia e das questões sociais. O Estado passou a impor regras protecionistas contra produtos e capitais estrangeiros. Nos Estados Unidos, Franklin Roosevelt pôs em prática o New Deal (“Novo Acordo”). Na mesma linha, a Grã-Bretanha, abandonou a adesão ao laissez-faire que datava de meados do século XIX.
À crise do Estado liberal somaram-se os radicalismos políticos, de esquerda e direita que, desde a década anterior, já vinham se articulando e levaram à instauração de ditaduras e de regimes totalitários, como mostra o quadro cronológico abaixo.
- Bulgária, 1923: golpe de estado militar instaura a ditadura de Aleksandar Tzankov seguida de feroz repressão aos comunistas. Em 1932, Tzankov cria seu próprio Movimento Nacional Socialista, em clara imitação ao Partido Nazista alemão.
- Rússia, 1924: Joseph Stalin declarando-se sucessor de Lenin toma o poder, elimina opositores e reforça o Estado comunista centralizador e de partido único.
- Itália, 1925: Benito Mussolini, no poder desde 1922, assume a responsabilidade “histórica e moral” do assassinato do deputado socialista Giacomo Matteotti e anuncia leis de exceção que instauram a ditadura fascista.
- Polônia, 1926: golpe de estado de Jósef Pilsudski, na Polônia, instala uma ditadura com ajuda dos socialistas poloneses, mas dos quais ele logo se afastou.
- Albânia, 1928: Ahmed Zogu, presidente desde 1925, é coroado Rei dos Albaneses, com o título Zog I, e instala um regime ditatorial similar ao fascismo italiano.
- Iugoslávia, 1929: golpe de Estado do rei Alexander I, que introduziu uma ditadura pessoal e mudou o nome do país de Reino dos sérvios, croatas e eslovênios para Iugoslávia.
- Romênia, 1930: governo pessoal do rei Carol II, converte-se em autêntica ditadura com o golpe de Estado de 1938.
- Áustria, 1933: golpe de Estado de Engelbert Dollfus que manda fechar o parlamento, proibe o Partido Nazista Austríaco, suprime o partido socialista e implanta uma ditadura fascista. É assassinado em 1934, mas seu sucessor manteve o regime até a anexação da Áustria pela Alemanha, em 1938.
- Portugal, 1933: Antônio de Oliveira Salazar cria o Estado Novo, uma ditadura antiliberal e anticomunista, orientada por princípios conservadores autoritários sob o lema “Deus, Pátria e Família”.
- Alemanha, 1933: Hitler nomeado chanceler culpa os comunistas pelo incêndio do Reichstag (parlamento), proíbe todos partidos e sindicatos, e dissolve o parlamento. Em 1934, com a morte de Hindenburg, Hitler assume a presidência, extingue a República e proclama o III Reich sob bandeira nazista.
- Estônia, 1934: Konstantin Pats instaura a ditadura que dura até a ocupação soviética do país, em 1940.
- Letônia, 1934: golpe de estado do primeiro ministro Karlis Ulmanis, dissolve o parlamento, todos partidos políticos, persegue comunistas e pró nazistas, implanta uma ditadura sem partido único nem ideologia própria.
- Grécia, 1936: golpe de Estado do general Ioánnis Metaxás instaura uma ditadura semelhante ao regime fascista da Itália, sem partidos políticos e sem parlamento. Metaxás autonomeia-se Ministro da Educação e proíbe diversos autores como Goethe, Freud, Karl Marx e até Platão.
- Espanha, 1936: a Espanha entrava em uma sangrenta guerra civil que termina com a instalação, em 1939, da ditadura de direita chefiada por Francisco Franco.
No final da década de 1930, as únicas democracias europeias eram França, Reino Unido, Irlanda, Bélgica, Luxemburgo, Holanda, Suíça, Noruega, Suécia e Dinamarca.
A década de 1930 no Brasil
A década de 1930, iniciada com o golpe que levou Getúlio Vargas ao poder, refletiu as tensões e confrontos políticos presentes no cenário internacional. Comunistas brasileiros, seguindo a tendência internacional do movimento, criaram uma política de frente popular sob o nome Aliança Nacional Libertadora (ANL) que teve como presidente de honra, Luís Carlos Prestes.
Em 1935, o Partido Comunista Brasileiro (PCB) radicalizou sua oposição a Vargas e tentou um movimento militar contra o governo. Foi a Intentona Comunista que, sufocada, serviu de pretexto para Vargas perseguir não só comunistas, mas também anarquistas, sindicalistas independentes e até políticos liberais adversários. A revolta consolidou a aliança entre o presidente e as forças armadas.
Outra tendência política que ganhou força foi a Ação Integralista Brasileira (AIB), fundada em 1932, por Plínio Salgado e de inspiração fascista nacionalista. A perseguição aos comunistas fez os integralistas suporem que o governo varguista se simpatizava com as ideias da AIB.
Reprimida a esquerda, o país voltou à normalidade política. O ano de 1937 começou com a promessa do governo que haveria eleições presidenciais, diretas, pelo voto popular, secreto e para ambos os sexos. As candidaturas já estavam lançadas e as principais eram as de José Américo de Almeida (visto como candidato oficial), Armando Salles de Oliveira (do Partido Democrático de São Paulo) e Plínio Salgado (chefe do integralismo).
Os candidatos estavam em campanha aberta quando, em setembro de 1937 a imprensa noticiou a descoberta do Plano Cohen que previa um novo levante comunista.
O Plano Cohen: o pretexto do golpe
O Plano Cohen, supostamente apreendido pelas Forças Armadas, foi apresentado em uma reunião da alta cúpula militar do país, em meados de setembro de 1937. Participaram dessa reunião, entre outros, o general Eurico Gaspar Dutra, ministro da Guerra; o general Góes Monteiro, chefe do Estado-Maior do Exército (EME); e Filinto Müller, chefe de Polícia do Distrito Federal.
O plano trazia “instruções da Internacional Comunista soviética aos seus agentes no Brasil”. Tratava-se de uma conspiração judaico-comunista que previa a mobilização de operários e estudantes, a realização de uma greve geral, o incêndio de prédios públicos, a libertação de presos políticos, manifestações populares com saques e depredações, violação das mulheres “burguesas”, invasões de propriedades privadas e fuzilamento de autoridades civis, militares e religiosas que se opusessem à insurreição.
A autenticidade do documento não foi questionada por nenhum dos presentes.
Dias depois, em 30 de setembro, a descobertas do Plano Cohen foi divulgada pelo ministro da Guerra Eurico Gaspar Dutra e pelo presidente Getúlio Vargas no programa radiofônico oficial “Hora do Brasil (atualmente Voz do Brasil).
Como era de se esperar, a repercussão na imprensa e na sociedade foi enorme causando pânico e desencadeando uma forte campanha anticomunista. O governo solicitou ao Congresso autorização para decretar o estado de guerra por 90 dias, o que incluía a suspensão dos direitos constitucionais. A proposta foi aprovada, no dia 02 de outubro, por 138 votos contra 58.
Na noite do dia 10 de novembro de 1937, Getúlio Vargas e as Forças Armadas deram o golpe final: o Congresso Nacional foi cercado por tropas da Polícia Militar e fechado. No mesmo dia, Vargas anunciou pelo rádio à nação o início de uma nova era, “instaurando-se um regime forte”. Começava o Estado Novo. As eleições presidenciais de 1938 foram canceladas e entrou em vigor a Constituição de 1937, que havia sido redigida um ano antes por Francisco Campos.
A revelação da farsa
Em março de 1945, oito anos mais tarde, a falsificação do Plano Cohen foi revelada por denúncia pública feita pelo general Góes Monteiro isentando-se de qualquer culpa no caso. Dez anos depois, em 1955, o mesmo militar apontou o então coronel Olímpio Mourão Filho como o autor do documento.
Para garantir mais veracidade ao plano, a cúpula militar responsável pela “descoberta” do documento deu-lhe o nome de Cohen, numa referência ao líder judeu comunista Béla Kuhn, que governara a Hungria entre março e julho de 1919.
Levado a Conselho de Justificação do Exército, a pedido, o coronel Mourão Filho esclareceu toda a trama, reconhecendo a autoria do documento. Acrescentou que o plano foi elaborado a pedido do líder integralista Plínio Salgado, apenas para uso exclusivamente interno da AIB e exercícios contra uma insurreição comunista. No entanto, uma cópia do documento chegou ao conhecimento da cúpula das Forças Armadas, que, através do general Góes Monteiro, anunciou o Plano Cohen como uma ameaça iminente. Daí prosseguiu na sua caminhada política até ser encarado como uma conspiração comunista para a tomada do poder.
O coronel Mourão Filho justificou seu silêncio diante da fraude em virtude da disciplina militar a que estava obrigado. Já o líder integralista Plínio Salgado, que participara ativamente dos preparativos do golpe de 1937 e que, inclusive, retirara sua candidatura presidencial para apoiar a decretação do Estado Novo, afirmaria mais tarde que não denunciou a fraude pelo receio de desmoralizar as Forças Armadas, única instituição, segundo ele, capaz de fazer frente à ameaça comunista.
A sindicância contra o coronel Mourão Filho acabou por considerá-lo justificado e o processo foi arquivado.
Fonte
- FAUSTO, Boris. A vida política. In: GOMES, Angela de Castro (coord.) Olhando para dentro, 1930-1964. Rio de Janeiro: Objetiva, 2013 (Coleção História do Brasil Nação, 1808-2010).
- PANDOLFI, Dulce (org.). Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: FGV, 1999.
- SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Getúlio a Castelo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
- DULLES, John W. F. Getúlio Vargas. Biografia política. Rio de Janeiro: Renes, 1980.
- O Plano Cohen. CPDOC (Centro de Pesquisa e Documentação)/FGV.
Saiba mais
- Outubro de 1930: o movimento armado que mudou o Brasil
- Deposição do presidente Washington Luís
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Prezada professora, saudações! Sempre me perguntei sobre quando a farsa do Plano Cohen teria sido desvendada e seu post me respondeu: obrigada! Em tempos de fakes news, esse episódio da nossa História deveria ser divulgado à exaustão!
Grata!
Pois é Isabela, o Plano Cohen foi uma típica “fake new”. Pergunto-me se Vargas chegou a saber disso durante seu governo. Desconheço também qual a sua opinião qdo, em 1945, Góes Monteiro revelou a verdade.
Prezada professora, saudações! Sempre me perguntei sobre quando a farsa do Plano Cohen teria sido desvendada e seu post me respondeu: obrigada! Em tempos de fakes news, esse episódio da nossa História deveria ser divulgado à exaustão!
Grata!
Pois é Isabela, o Plano Cohen foi uma típica “fake new”. Pergunto-me se Vargas chegou a saber disso durante seu governo. Desconheço também qual a sua opinião qdo, em 1945, Góes Monteiro revelou a verdade.