A palavra ‘idiota’ vem do grego ἰδιώτης, idiôtés, formada sobre o elemento grego ídios, que significa próprio, peculiar à pessoa. De ídios derivam as palavras idiossincrasia, idioma, idiólatra.
Idiota, no sentido grego, era o indivíduo que não participava das discussões da vida coletiva da pólis, que tinha desinteresse pelos assuntos da política (palavra derivada de pólis).
O idiota na Grécia antiga
Na Grécia antiga, participar dos debates da Eclésia, sobretudo quando envolvia questões consultivas e deliberativas, era essencial para o funcionamento do Estado democrático. Qualquer cidadão (conforme o conceito de cidadania grega) podia ir à ágora e expor suas ideias, influenciando, assim, o destino da pólis da qual era parte inseparável.
Os debates eram orais e exigiam argumentos apresentados com uma boa oratória e retórica. O cidadão precisava ter instrução, uma formação escolar que incluía gramática, letras, poesia, retórica, música, matemática, geografia, história natural, filosofia e ginástica. Aprendia-se na escola pública ou por um tutor contratado.
Ter uma boa educação era essencial para expor suas ideias, destacar-se nas discussões da assembleia e convencer as pessoas.
O indivíduo que ficava à margem da vida pública, dos assuntos da pólis, era uma “pessoa simples, sem instrução, iletrada”. O idiota era, assim, o sujeito desinformado, que abandonou o dever como cidadão. Não tinha existência política, era um sujeito estranho ao mundo grego.
Como declarou Péricles, o grande estadista de Atenas, idiota era o indivíduo “sem ambição e absolutamente inútil”. Para Aristóteles, idiota era alguém cuja via privada é sua única preocupação, alguém que não toma iniciativa política. Enfim, idiota é o egocêntrico, indiferente às necessidades da coletividade, inconsequente em si mesmo.
É nesse contexto que, com o passar do tempo, idiota começou a adquirir uma conotação negativa, e se transformou em um termo de reprovação e desdém. Quando chegou ao latim, em Roma antiga, ganhou o sentido de pessoa tola, ignorante, grosseira, estúpida.
O idiota moderno: o louco
Na Idade Moderna, o termo ganhou outras perspectivas. Ao sujeito moderno, antropocêntrico e racional se contrapõe o sujeito que confunde verdade com erro, realidade com imaginação, o idiota.
No final do século XVIII, idiota passa a ser sinônimo de louco. Seria mais prudente segregar o idiota em instituições hospitalares e asilares, o que possibilitaria protegê-lo dos infortúnios que pudesse vir a sofrer por parte dos sóbrios civis, ao mesmo tempo em que se preservava a esfera de racionalidade própria da sociedade.
Em História da loucura, Foucault mostra que a loucura ou insensatez subvertia a ascendente ordem burguesa: todos aqueles em que falta razão, bom senso, equilíbrio não serviam para o trabalho e, portanto, deviam ser retirados do convívio social.
No final do século XIX, o vocabulário psiquiátrico se encarregaria de agravar o peso da palavra, transformando o termo idiota em sinônimo de louco, irracional e daí outras derivações médicas: de imbecil (sujeito com ligeira deficiência) até o retardado mental grave.
O idiota contemporâneo: o alienado?
O pior analfabeto é o analfabeto político.
Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos.
Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe,
da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio
dependem das decisões políticas.
O analfabeto político é tão burro que se orgulha
e estufa o peito dizendo que odeia a política.
Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política,
nasce a prostituta, o menor abandonado,
e o pior de todos os bandidos
que é o político vigarista, pilantra,
o corrupto e lacaio das empresas nacionais e multinacionais.
O poema O Analfabeto político, atribuído a Bertholt Brecht (1898-1956), retoma o sentido de idiota em seu sentido quase original. É aquele indivíduo que diz odiar a política, mas discute sobre ela e, infelizmente, o faz erroneamente. Esse indivíduo fala sobre política partindo de opiniões alheias, desinformações, distorções e mentiras que ele reproduz mecanicamente sem qualquer reflexão.
Para Paulo Freire (1921-1997), o analfabeto político é aquele que tem uma visão ingênua da realidade social e das relações dos homens com o mundo. Deste modo, o analfabeto político
se é um cientista, tenta “esconder-se” no que considera a neutralidade de sua atividade científica. […] Se é um religioso, estabelece a impossível separação entre mundanidade e transcendência. Se opera no campo das ciências sociais, trata a sociedade, enquanto objeto de seu estudo, como se dela não participasse. […] Sua concepção da realidade é mecanicista e fatalista. A história é o que foi e não o que está sendo e em que se gesta o que está por vir. O presente é algo que deve ser normalizado, e o futuro, a repetição do presente, o que significa a manutenção do status quo. (FREIRE, 1982, p. 90.)
O analfabeto político de Brecht e de Freire são a representação contemporânea do idiôtés grego, o sujeito que não enxerga além dele mesmo, mas que, por sua ignorância e miopia social é facilmente capturado pelo discurso político populista que reflete o seu recorte pessoal de mundo.
O idiota então se transforma: do idiôtés grego, o indivíduo desinteressado ou mesmo avesso à política, ele se torna o propagandista de uma causa embora desconheça a agenda final à qual ele aderiu. É o “idiota útil”, o sujeito manipulado ou explorado para promover uma causa política.
Diz a lenda que devemos a expressão “idiota útil” a Lênin. Hoje a expressão está em várias línguas, usada de forma ampla para descrever uma pessoa que acredita estar lutando por uma causa, sem compreender totalmente as consequências de suas ações, e que é cinicamente manipulada pelos líderes da causa, geralmente de tendência extremista.
O idiota útil, de bom grado, tece a mesma corda com a qual será enforcado.
Fonte
- CHAVES, Hamilton Viana et ali. Quem são os idiotas, afinal? Pro-Posições 29 (1), jan-abr 2018.
- Editorial. Revista Bioética 24 93), set-dez 2016.
- FREIRE, Paulo. Ação Cultural para a Liberdade e Outros Escritos. São Paulo: Paz e Terra, 1982.