Em 13 de maio de 1888, a Princesa Isabel, regente do Império (o imperador achava-se na Europa, em tratamento de saúde) sancionou o Projeto de Lei no 3.353 que extinguiu a escravidão no Brasil. Tendo sido assinada com uma pena de ouro, ganhou o nome Lei Áurea.
O projeto tramitou com rapidez. No início de março de 1888, foi enviado pelo presidente do Conselho, o conservador João Alfredo, para discussão no Legislativo. Na Fala do Trono, quando a princesa Isabel abriu os trabalhos legislativos do ano apelou para a eliminação da escravidão no Brasil.
Em 8 de maio, o projeto foi discutido na Câmara. Constituído de apenas dois artigos, ele previa a abolição imediata sem indenização. Os debates atraíram multidões que lotaram a galeria e a rua.
Aprovado, o projeto chegou ao Senado em 11 de maio. Os senadores escravistas pouco puderam fazer além de criticar a falta de indenizações – o que, na perspectiva deles, feria o direito de propriedade. Com apenas 1 voto contra, o projeto foi aprovado no dia 13 de maio e, neste mesmo dia, enviado à sanção imperial.
O texto integral da Lei Áurea é o seguinte:
Declara extinta a escravidão no Brasil:
A Princesa Imperial Regente, em nome de Sua Majestade o Imperador, o Senhor D. Pedro II, faz saber a todos os súditos do Império que a Assembleia Geral decretou e ela sancionou a lei seguinte:
Art. 1.º: É declarada extinta desde a data desta lei a escravidão no Brasil.
Art. 2.º: Revogam-se as disposições em contrário.
Manda, portanto, a todas as autoridades, a quem o conhecimento e execução da referida Lei pertencer, que a cumpram, e façam cumprir e guardar tão inteiramente como nela se contém.
O secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas e interino dos Negócios Estrangeiros, Bacharel Rodrigo Augusto da Silva, do Conselho de Sua Majestade o Imperador, o faça imprimir, publicar e correr.
Dada no Palácio do Rio de Janeiro, em 13 de maio de 1888, 67.º da Independência e do Império.
Princesa Imperial Regente.
Rodrigo Augusto da Silva
O contexto histórico da Lei Áurea
A rapidez com que o Projeto de Lei no 3.353 foi aprovado na Câmara e no Senado explica-se pela mudança do cenário social e político do Brasil. O projeto da Lei Áurea foi decorrência de pressões internas e externas. O movimento abolicionista possuía uma grande força e apoio popular no país e já havia conseguido a aprovação da Lei Eusébio de Queiroz (1850), a Lei do Ventre Livre (1871) e a Lei dos Sexagenários (1885).
A escravidão estava desmoronando na maior parte do país. O movimento abolicionista se acentuou na década de 1880. Havia uma importante liderança negra – Luís Gama, André Rebouças e José do Patrocínio – que defendiam a abolição nos jornais e conquistavam alforrias nos tribunais.
A partir de 1880 era significativo o número de cidades e regiões que não possuíam mais escravos. No Ceará e no Amazonas, a escravidão havia sido extinta em 1884.
A escravidão mantinha-se praticamente apenas nas províncias cafeeiras de São Paulo e Minas Gerais mas a muito custo pois cresciam as fugas em massa e os proprietários já não podiam contar com o Exército para capturar os escravos fugidos. Desde outubro de 1887, os oficiais reunidos no clube militar recusaram-se a agir como “capitães-do-mato”.
Os Caifazes, abolicionistas liderados por Antônio Bento, promoviam a fuga dos escravos, perseguiam os capitães-do-mato e ameaçavam os senhores escravistas. A polícia de São Paulo, nos últimos anos da escravidão, também não mais recapturava escravos fugidos.
Além disso, os republicanos e muitos conservadores se colocaram a favor da abolição imediata, rompendo com a unidade antiabolicionista dos cafeicultores.
Os próprios escravos contribuíram para acelerar a abolição buscando sua liberdade das mais variadas formas: através da formação de pecúlio e da autocompra regulamentada em lei desde 1871, da alforria forçada; das ações cíveis de liberdade; da ocupação de terras; da participação no movimento abolicionista e, finalmente, das fugas. A proliferação de quilombos por todo o território nacional destruía o sistema escravista por dentro.
A Lei Áurea foi, na verdade, um evento da elite branca que resolveu atribuir a si mesma o que já estava sendo realizado na prática pelos próprios escravizados e pelos abolicionistas. Por isso os movimentos negros propuseram a comemoração do dia 20 de novembro – uma data mais relacionada às lutas dos escravizados por liberdade do que o decreto imperial.
Número de escravos no país
Em 1817, segundo estimativa de Perdigão Malheiros, os escravos somavam 1.930.000 pessoas, metade da população brasileira. O Rio de Janeiro, por exemplo, em 1849 tinha 260 mil habitantes, 110 mil dos quais eram escravos, isto é, 42% da população da cidade.
A partir da segunda metade do século XX, contudo, o número de escravos começou a diminuir.
Segundo o Censo de 1872, em uma população de 10 milhões de habitantes, os escravos correspondiam a 15,24% desse total. O censo abrangeu as 1.440 paróquias de todo o país. Em cada uma delas, foi criada uma comissão censitária, responsável por levar o questionário a cada casa da paróquia.
Importante considerar que quando o Censo foi feito, acabava de entrar em vigor no Brasil a Lei do Ventre Livre (28 de setembro de 1871) que tornava livres as crianças nascidas de mulheres escravas.
O censo registrou, também, que 58% dos residentes no país se declaravam pardos ou pretos, contra 38% que se diziam brancos. Os estrangeiros somavam 3,8%, entre portugueses, alemães, africanos livres e franceses. Os indígenas eram 4% do total dos habitantes.
Em 1887, segundo o Relatório do Ministério da Agricultura, restavam 723.419 indivíduos legalmente escravizados, menos de 5% da população.
Abolição sem repartição da terra
O debate sobre a repartição das terras nacionais havia sido proposto pelo abolicionista André Rebouças, engenheiro negro de grande prestígio. Sua ideia era criar um imposto territorial sobre fazendas improdutivas e distribuir as terras para ex-escravos em um sistema de cooperativas de pequenos agricultores. O político Joaquim Nabuco, também abolicionista, apoiou a ideia e foi porta-voz dessa reivindicação.
Os fazendeiros, republicanos e mesmo abolicionistas mais moderados ficaram em polvorosa. A reforma agrária não estava na pauta da maioria dos abolicionistas. No final, a ideia de reforma agrária foi abortada. A maior parte do movimento republicano fechou com os latifundiários para trazer imigrantes que trabalhassem nas fazendas e não mexer na propriedade rural.
As terras não foram repartidas e nem a cidadania plena foi dada a negros livres e ex-escravos – estes, analfabetos na sua quase totalidade, estavam proibidos de votar desde 1882 e continuaram proibidos na Constituição Republicana de 1891. Quase um século depois, na Constituição de 1988, foi garantido o direito de voto aos analfabetos.
A abolição da escravidão na América
O Brasil foi o último país do Ocidente a abolir a escravidão.
O primeiro país americano a extinguir a escravidão foi o Haiti, em 1803. Seguiram-se, na América:
- 1823: Chile e Colômbia.
- 1824: Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras e Nicarágua.
- 1826: Bolívia
- 1829: México.
- 1833: Canadá.
- 1842: Uruguai
- 1851: Colômbia
- 1852: Equador
- 1853: Argentina
- 1854: Peru e Venezuela
- 1863: Estados Unidos
- 1869: Paraguai
- 1880: Cuba.
No mundo, o último país a abolir a escravidão foi a Mauritânia, em 9 de novembro de 1981, pelo decreto n.º 81.234.
Fonte
- CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem. Teatro de sombras. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.
- CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade. Uma história das últimas décadas da escravidão na Corte. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
- CONRAD, Robert. Os últimos anos da escravatura no Brasil, 1850-1888. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.
- MATTOS, Hebe Maria. Das cores do silêncio. Os significados da liberdade no sudeste escravista. Brasil, séc. XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997.
- População escrava do Brasil é detalhada em Censo de 1872. Fundação Cultural Palmares, 16 jan 2013.
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