A independência é sempre um fato emblemático da História de um país, um divisor de águas que separa um passado sob o jugo do dominador de um presente promissor e libertário. Daí as datas nacionais serem comemoradas com desfiles militares, bandas e discursos como o Sete de Setembro.
Com o mesmo caráter ufanista, são erguidos monumentos, instituídas medalhas, selos e brasões, compostos hinos, criadas bandeiras e pintados quadros de temática nacionalista. Estes, por sua vez, feitos a pedidos de governantes, acabam por fazer uma leitura da história segundo o olhar daqueles que o encomendaram e financiaram.
O artista François-René Moreaux
Nascido em 1807, em Rocroy, na França, François-René Moreaux se especializou como pintor de História e de paisagismo em uma época que vigorava o romantismo nas artes e literatura.
A tela A proclamação da Independência, de 1844, foi feita a pedido do Senado Imperial e encontra-se hoje, no Museu Imperial de Petrópolis, Rio de Janeiro. Suas dimensões são grandes: tem 2,44 m x 3,83 m, sem contar a moldura. O quadro agradou a família imperial e aproximou Moreaux definitivamente da Corte. Pelo quadro A sagração de S.M. Dom Pedro II recebeu o Hábito da Ordem de Cristo.
A independência sob o olhar de Moreaux
No centro da tela, o príncipe D. Pedro, tal qual uma estátua equestre, com a mão direita erguida, agita seu chapéu bicorne. A figura é destacada da multidão pela luz que incide sobre o príncipe e o cavalo.
A comitiva de D.Pedro está afastada dele, ao fundo da tela e alguns também erguem seus chapéus.
A multidão na frente do príncipe – crianças, mulheres e homens – pouco se assemelha à população brasileira. Parece-se mais com a população rural da Europa. Os personagens congratulam-se, acenam, trocam abraços, correm. É uma festa popular, mas sem negros, mulatos nem índios que não foram retratados na tela. Duas figuras morenas se destacam na multidão, mas é difícil reconhecer de que grupo social se trata.
A paisagem ao fundo é indefinida. Somente as palmeiras sombreadas fazem alusão de um lugar nos trópicos.
Todo conjunto remete mais à imaginação do que à realidade o que, aliás, é característico da arte romântica, em voga na época. Uma cena idealizada que mostra um príncipe aclamado pelo seu povo e cavalgando entre a massa popular branca e europeizada.
Contexto histórico
A França da época de Moreaux vivia tempos tumultuados. Em 1830, uma rebelião liberal derrubara a monarquia e Luis Felipe I ascendeu ao poder com o apoio da alta burguesia. Mas o novo rei não conseguiu restabelecer a ordem, enfrentou rebeliões favoráveis à volta dos Bourbons e dos republicanos (1830-1840), além de atentados contra sua vida que o levou a aplicar medidas severas e restritivas das liberdades.
Moreaux chegou ao Brasil em 1838 e por aqui ficou até o final de seus dias, falecendo em 1860. O Brasil passava, então, pela consolidação da monarquia, após o tumultuado período das Regências. Ao contrário do que acontecia na França, o monarca brasileiro era popular e querido pelos brasileiros. A antecipação da maioridade, em 1840, foi comemorada com a esperança de novos tempos de paz e prosperidade.
Vivendo na corte imperial, Moreaux assistiu a importantes festejos oficiais: o ritual de sagração e coroação de D. Pedro II, marcado pela pompa e ostentação; o casamento do imperador com Teresa Cristina, de Nápoles e ainda aos casamentos das princesas imperiais com nobres europeus. A monarquia brasileira firmava, assim, vínculos mais sólidos com as realezas europeias, apesar de reinar em um país de mestiços.
Esse clima otimista deve ter influenciado o artista ao retratar D. Pedro I como um herói popular. O nome da tela reforça essa ideia, afinal “proclamar” é um anúncio solene, feito publicamente e que pressupõe um certo consenso. A proclamação da independência torna-se, assim, um gesto liberal, bem ao gosto da época, diferente de O Grito do Ipiranga, título do quadro de Pedro Américo.
Fonte
- SCHWARCZ, Lilia. Reino da imaginação. Revista de História, 16/09/2009.
- CAMPOFIORITO, Quirino. História da pintura brasileira no século XIX. Rio de Janeiro: Pinakotheke, 1983.
- FRIEDLANDER, Walter. De David a Delacroix. São Paulo: Cosac & Naify, 2003.
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Saudações. Sou Psicólogo e Estudante de Filosofia. Professora Joelza, você saberia informar ou dizer se há algum documento que informa a Hora do Grito da Independência? Minhas pesquisas pessoais situam o horário entre 16:08 e 16:50horas. Você possui alguma informação? Aguardo.
Olá Adalberto,
Segundo José Honório Rodrigues, o grito teria ocorrido entre 16h e 16h30 e foi assistido por 38 pessoas. Em seguida, partiram todos para São Paulo. D. Pedro chegou primeiro, às 17h30. (RODRIGUES, José Honório. “Independência: revolução e contra-revolução”. A evolução política. São Paulo: Livraria Francisco Alves, 1975, p. 251.)
Muito Obrigado.
Abraços!
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Este foi o quarto artigo que acabei de ser relacionado a esse tem e foi o que mais deixou claro para mim. aplicativo