A maior parte dos Estados europeus assistiu, a partir do século XVI, a uma crescente concentração de poder nas mãos dos soberanos. O processo iniciado com a unificação das monarquias nacionais e realizado com a centralização dos territórios e a criação de burocracias, ocorreu em meio a uma série de conflitos entre o rei e monarcas feudais.
Essa concentração não se explica, contudo, somente pelo desejo dos reis de aumentarem seu poder. Ela respondeu às aspirações da sociedade em ter a ordem assegurada: burgueses que buscavam aproximar-se do poder real; nobres que precisavam dos favores do príncipe; pessoas comuns que queriam proteção e segurança. Em meio a essa confluência de interesses, os conflitos políticos entre nobreza e burguesia deram ao rei a possibilidade de manipular um grupo contra o outro e de se colocar acima de ambos.
Neste processo, firma-se o caráter sacralizado do poder real interligando política e religião. O absolutismo apresenta-se, assim, como um absolutismo monárquico hereditário na qual o monarca recebe o poder de Deus e, como tal, é o seu representante na Terra. O absolutismo francês foi mais enfatizado pela teoria do direito divino dos reis, defendida por teóricos do absolutismo, filósofos como Jean Bodin e o bispo Bossuet. Já o inglês Thomas Hobbes defende o absolutismo mas não reconhece o direito divino.
O que é absolutismo
O absolutismo designa o governo monárquico surgido na Europa no século XVI em que o soberano possui o poder absoluto, independente de outro órgão. Atingiu seu apogeu na França, sob o reinado de Luís XIV, o Rei Sol.
É importante lembrar que o termo absolutismo não existia na época de Luís XIV e nem de seus sucessores. O poder era descrito, então, como absoluto, mas não absolutista.
Por absoluto entendiam o poder centralizado do soberano, mas não significava poder ilimitado nem ditatorial ou tirânico. Pelo contrário, o poder do rei absoluto estava enquadrado pelas leis e costumes do reino. Caberia ao rei garantir a ordem e a justiça e, para isso, a vontade do rei e do Estado se sobrepunha ao povo.
Já os termos absolutismo e absolutista, surgidos possivelmente no final da Revolução Francesa e difundidos na primeira metade do século XIX, têm um sentido negativo que identifica o poder real anterior à revolução com “poder ilimitado e arbitrário”. Tal generalização passou à história e ainda hoje confunde o conceito de absolutismo com o de tirania. Fosse assim, não faria sentido Luís XVI convocar a assembleia dos Notáveis (fevereiro de 1789) e nem dos Estados Gerais (maio de 1789) para decidir sobre questões nacionais.
Jean Bodin: o absolutismo soberano
Jean Bodin (1530-1596) é considerado o primeiro pensador a estabelecer o conceito de absolutismo soberano, surgido no final do século XVI junto com o Estado Moderno e personificado no monarca. O poder soberano do Estado fundia-se, portanto, à pessoa do rei.
O pensamento e a obra de Jean Bodin nasceram no contexto da guerra civil entre católicos e huguenotes (protestantes) que devastou a França na segunda metade do século XVI. As chamadas guerras religiosas (foram 8 conflitos separados por curtos períodos de paz) tiveram episódios dramáticos como o Massacre da Noite de São Bartolomeu quando milhares de huguenotes foram assassinados. A instabilidade política e social fragilizava o poder real e ameaçava a consolidação da monarquia nacional.
Em sua obra Seis livros sobre a República (1576), Bodin apontava uma saída para o restabelecimento da ordem social e da prosperidade econômica: o fortalecimento do poder do rei. Bodin defende uma autoridade forte que se faça obedecer e seja, de fato, obedecido. O soberano reúne os interesses contrários que existem na sociedade e os ordena. A origem da soberania do rei estava em um pacto em que o súdito aceita, abrir mão de sua liberdade primordial, porque deseja a paz.
Para Bodin, a soberania é um poder perpétuo e ilimitado que tem como únicas limitações a lei divina e a lei natural, isto é, o soberano deve respeitar as leis divinas, a Igreja e o bem da sociedade. O poder do soberano não é arbitrário e essa é a diferença entre o monarca e o tirano.
Nada havendo de maior sobre a terra, depois de Deus, que os príncipes soberanos, e sendo por Ele estabelecidos como seus representantes para governarem os outros homens, é necessário lembrar-se com toda a obediência, a fim de sentir e falar deles com toda a honra, pois quem despreza seu príncipe soberano despreza a Deus, de Quem ele é a imagem na terra. (BODIN, “Seis Livros sobre a República”. In MARQUES, 1997).
Jacques Bossuet: o absolutismo de origem divina
Mais de um século depois de Bodin, foi publicada a obra póstuma Política tirada da Sagrada Escritura (1709) do bispo e teólogo francês Jacques Bossuet (1627-1704). A obra fora escrita anos antes, quando o bispo era preceptor do filho mais velho de Luis XIV e herdeiro do trono. Luis XIV, apelidado de “Rei Sol”, era então, a própria encarnação da monarquia absolutista. Seu governo foi marcado pela glorificação do poder absolutismo exibido nas artes, em peças teatrais, balés, monumentos públicos e nos palácios magníficos como o Louvre e, especialmente Versalhes para onde o rei e sua corte se mudaram em 1682.
O Rei Sol reuniu à sua volta escritores, sábios e poetas franceses como também estrangeiros. Assim como os pintores e escultores que decoravam Versalhes, esses artistas assalariados residiam no palácio e executavam seus trabalhos sob encomenda real, sempre com o objetivo de exaltar as virtudes do rei. Nas artes, Luís XIV era elevado à categoria das divindades.
O bispo Jacques Bossuet fez parte deste universo de exaltação e engrandecimento do Rei Sol. Foi convidado por Luís XIV para pregar sermões na corte e residiu no palácio entre 1670 e 1681, quando foi preceptor do Delfim (título do primogênito e herdeiro do trono francês). Sob esse clima, Bossuet escreveu A Política tirada da Sagrada Escritura na qual, apoiando-se na Bíblia, explicava a origem do poder e da autoridade do rei. A teoria do direito divino, que havia tempos era conhecida, atingiu o seu ponto culminante com Bossuet.
Três razões fazem ver que este governo [monarquia hereditária] é o melhor. A primeira é que é o mais natural e se perpetua por si próprio (…). A segunda razão (…) é que este governo é o que interessa mais na conservação do Estado e dos poderes que o constituem: o príncipe, que trabalha para o seu Estado, trabalha para os seus filhos, e o amor que tem pelo seu reino, confundi com o que tem pela sua família, torna-se-lhe natural (…). A terceira razão tira-se da dignidade das casas reais (…). A inveja, que se tem naturalmente daqueles que estão acima de nós, torna-se aqui em amor e respeito: os próprios grandes obedecem sem repugnância a uma família que sempre viram como superior e à qual se não conhece outra que a possa igualar (…). O trono real não é o trono de um homem, mas o trono do próprio Deus (…). Os reis (…) são deuses e participam de alguma maneira da independência divina. O rei vê de mais longe e de mais alto; deve acreditar-se que ele vê melhor, e deve obedecer-lhe sem murmurar, pois o murmúrio é uma disposição para a sedição. (BOSSUET, “Política tirada da Sagrada Escritura”. In FREITAS, s/d.).
A teoria do direito divino dos reis entrelaça teologia e política. O poder absoluto do rei expressa a vontade de Deus e, portanto, é sagrado e os súditos devem obedecer ao príncipe como obedecem a Deus. Qualquer rebelião contra ele é sacrilégio, isto é, um crime político e religioso. A autoridade real é absoluta, o poder do príncipe é indivisível e ele não deve prestar contas a ninguém de suas decisões. Em contrapartida, o soberano deve governar seus súditos como um pai governa e ama a sua família, sem se deixar afetar pelo poder.
Thomas Hobbes: o absolutismo contratual
O matemático e filósofo Thomas Hobbes (1588-1679) nasceu no reinado de Elisabeth I, época áurea do absolutismo inglês e quando a Inglaterra firmou-se uma grande potência econômica. Em 1607, a fundação da colônia Jamestow, na América, marcava o início do expansionismo colonial ultramarino inglês.
Entre 1642 e 1649, o país foi convulsionado por uma guerra civil que levou à prisão e à execução do rei Carlos I marcando o fim do absolutismo na Inglaterra. Oliver Cromwell, líder da revolta e membro do Parlamento, assumiu o poder e proclamou a República, a primeira e única da história inglesa. A República de Cromwell (1647-1658) foi, na verdade, uma ditadura pessoal que beneficiou, sobretudo, a burguesia inglesa.
A brutalidade da guerra e o governo ditatorial que se seguiu influenciaram o pensamento de Hobbes levando-o a elaborar uma teoria para justificar a existência do poder e do Estado. Partindo de um critério pessimista sobre a natureza humana, ele afirma que os homens desejam as mesmas coisas e têm as mesmas necessidades, porém, guiados por instintos egoístas, desconfiam uns dos outros e acabam guerreando entre si. Daí a célebre afirmação de Hobbes, o homem é o lobo do homem.
As guerras existem porque as pessoas desejam as mesmas coisas. Como alcançar a paz, então? Segundo Hobbes, apenas através de um contrato social, um pacto formal entre pessoas que concordam em renunciar a sua liberdade para entrega-la a alguém mais capaz, mais inteligente e soberano que imponha ordem no caos, dite as leis e exija que sejam cumpridas, castigando os transgressores. Este soberano surgido do consenso é o Estado.
A única maneira de instituir um tal poder comum, capaz de defendê-los contra a invasão dos estrangeiros e contra as injúrias uns dos outros (…) é conferir toda sua força e poder a um homem ou a uma assembleia de homens que possa reduzir suas diversas vontades, por pluralidade de votos, a uma só vontade. (…). Isso é algo mais que consentimento ou concórdia; é uma verdadeira unidade de todos eles, numa só e mesma pessoa (…) como se cada homem dissesse a cada homem: ‘Autorizo e transfiro meu direito de governar-me a mim mesmo a este homem, ou a esta assembleia de homens, com a condição de transferires a ele teu direito, e autorizando todas suas ações’. Feito isto, à multidão assim unida em uma só pessoa se denomina Estado, em latim, ‘civitas’. (…). É nisso que consiste a essência do Estado, a qual pode ser definida assim: ‘Uma pessoa de cujos atos uma grande multidão, mediante pactos recíprocos uns com os outros, foi instituída (…) para assegurar a paz e a defesa comum’. O titular desta pessoa se denomina soberano, e dele se diz que possui poder soberano: cada um dos que o rodeiam é seu súdito. (HOBBES, “Leviatã”.)
A teoria do contrato entre o rei e o príncipe já havia sido defendida pelo pensador florentino Nicolau Maquiavel (1469-1527) em sua obra O Príncipe (1532). Assim como Hobbes, Maquiavel defende que a vontade e o poder do rei e do Estado estão sempre acima do povo. Contudo, enquanto Maquiavel se concentra em descrever como o governante deve agir e quais virtudes deve ter a fim de se manter no poder e aumentar suas conquistas, Hobbes se preocupa em demonstrar que o poder político concentrado em um único homem é o que permite assegurar a paz interna e a defesa comum.
Para Hobbes, o Estado, personificado no rei, torna-se o controlador da sociedade e da liberdade, encarregado de promover a paz e a defesa comum. Um tal soberano tem poder absoluto e ilimitado para poder garantir a paz, não está submetido a qualquer lei e nem precisa dar satisfação de seu governo, sendo responsável apenas perante Deus.
Hobbes simboliza esse Estado absoluto na figura de Leviatã, nome de um ser monstruoso mencionado na Bíblia. Para ele, o Leviatã concentraria todo o poder em torno de si, ordenando todas as decisões da sociedade e pondo fim a “guerra de todos contra todos” (Bellum omnium contra omnes). Leviatã, nome de sua obra publicada em 1651, fundamenta o absolutismo e é considerada uma das obras mais influentes do pensamento político mundial.
Diferentes absolutismos
É consenso entre os historiadores que o reinado de Luis XIV (1661-1715), rei da França, foi modelo de monarquia absolutista. Mas este modelo foi único. A teoria do direito divino dos reis não foi aceita por todas as monarquias e existiriam diferentes absolutismos na Europa da Idade Moderna, como foi o caso da Espanha, da Inglaterra e da Rússia.
É importante considerar, também, que o absolutismo não foi geral e simultâneo em toda Europa, e teve diferentes temporalidades históricas. Nesse sentido, é exemplar o processo histórico das monarquias francesa e inglesa. Em 1688, na Inglaterra, a Revolução Gloriosa pôs fim ao absolutismo abrindo caminho para o parlamentarismo e a monarquia com poderes limitados pela Declaração de Direitos. Enquanto isso, na França, o absolutismo de origem divina atingia o apogeu com o Rei Sol e se manteria por mais um século.
O poder do absolutismo, por outro lado, não era ilimitado. Nenhum rei absoluto reinava sozinho nem ditava leis arbitrariamente, sem qualquer controle social, moral ou religioso. Seu poder era limitado pela tradição, pelos costumes e, em algumas monarquias, por parlamentos e ministros com poder de decisão. Era um regime político sujeito a certas regras e, principalmente influenciado por valores e crenças da época. O absolutismo não pode, portanto, ser confundido com tirania.
Saiba mais
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- Antigo Regime (Cruzadinha)
Fonte
- HOBBES, Thomas. Leviatã ou Matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. Tradução de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. São Paulo: Abril Cultural, 1979, p. 105-106.
- FREITAS, Gustavo de. 900 textos e documentos de História, v. II. Lisboa: Plátano Ed., s/d, p.201.
- MARQUES, Adhemar e outros (orgs.). História moderna através de textos. São Paulo: Contexto, 1997, p. 62-63.
- BARBOSA, Maria Izabel. A contribuição de Bossuet à glória do rei Sol. Revista Akropolis. Umuarama (PR), v. 15, n.1 e 2, jan-jun 2007, p. 61-72.
- SILVA, Kalina Vanderlei & SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de conceitos históricos. São Paulo: Contexto, 2005.
- BOBBIO, Norberto, MATTEUCCI, Nicola & PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, São Paulo: Imprensa Oficial, 2000.
- ANDERSON, Perry. Linhagens do Estado absolutista. São Paulo: Brasiliense, 1995.
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