No século XIII, Mali absorveu os domínios do antigo reino de Gana estendendo-os até o litoral atlântico. Dominou as minas auríferas de Bambuk e Buré, e incorporou as cidades de Audagoste, Tombuctu, Gao e Djené. Pela primeira vez, um mesmo poder dominava as fontes de ouro, os portos caravaneiros do Sahel, e os caminhos que levavam de uns aos outros. O Império Mali foi o mais rico de seu tempo (século XIII ao XV).
- BNCC: 7º ano – Habilidade: EF07HI03, EF07HI14
Sundiata Keita, “o príncipe leão”
Segundo a tradição oral transmitida pelos griots ou djélis, músicos e cronistas da história de seu povo, Sundiata Keita (c.1190-1255), herói do povo mandinga, foi o fundador do Império do Mali.
Contam os griots que o príncipe Sundiata, filho de um rei mandinga, nasceu com paralisia nas pernas, fato que o tornou alvo da zombaria da corte e impedia sua ascensão ao trono.
Quando tinha sete anos de idade, sua mãe o levou a um feiticeiro ferreiro que, usando de magia, curou as pernas de Sundiata. Em pouco tempo, ele adquiriu força e habilidade com as armas, tornando-se um grande caçador. Sua ascensão ao trono é cheia de episódios de lutas contra guerreiros e feiticeiros que ele venceu, daí seu apelido “o príncipe leão”.
Sundiata unificou os mandingas e outros povos da região. Em 1230 tornou-se o primeiro mansa (soberano) do Império Mali. Pouco depois, em 1240, absorveu os domínios de Gana e incorporou as cidades de Audagoste, Kumbi Saleh, Tombuctu, Gao e Djené.
Sundiata respeitou as instituições tradicionais dos povos que conquistou. Incorporou chefes locais na administração dos domínios. O caráter flexível de sua administração fazia com que o império se assemelhasse mais a uma federação de reinos do que uma organização unitária. Por outro lado, a existência de tropas mandingas nas principais regiões garantia a segurança dos bens e das pessoas. Esses fatores foram responsáveis pela grande estabilidade do Mali.
O viajante e explorador berbere Ibn Battuta relata que Sundiata converteu-se ao islamismo. As tradições orais, porém, só se referem a Sundiata como o herói mandinga. Seja como for, Sundiata fez-se protetor dos muçulmanos e mercadores árabes frequentaram a corte. Coube a ele, também, a implantação das estruturas administrativas que consolidaram o Império do Mali. A hegemonia do Mali estendeu-se por toda África Ocidental.
Integrado por diversos povos como os soninkés, fulas, dogons, sossos, bozos e os mandingas (estes, os mais importantes), o Mali evoluiu para uma condição que o aproximava de um império, na medida em que exercia sua hegemonia, impondo-se militarmente e cobrando tributos dos povos vencidos (MACEDO: 2015, p. 56).
Vídeo: O Império do Mali (com testes no final)
A riqueza de Mali
Mali abrangia uma área três vezes maior do que o antigo Gana e abrangia diversos povos aparentados que viviam na região situada entre os rios Senegal e o Níger. O mais importante entre eles eram os mandingas (ou malinquês ou manden). Estima-se que a população do Mali, em seu apogeu, no século XIV, chegou a 40-50 milhões de habitantes (SILVÉRIO: 2013, p. 446). A aproximação ou conversão de Sundiata ao islamismo contribuiu para integrar Mali ao circuito comercial islâmico.
O Islã foi um dos grandes responsáveis pelo dinamismo comercial da África Subsaariana. A religião islâmica apresenta um conjunto de preceitos morais e práticos estritamente ligados as relações comerciais e oferece aos membros de diferentes grupos étnicos uma ideologia unificadora que atua em favor da segurança e do crédito, duas condições essenciais para firmar acordos comerciais entre parceiros distantes entre si (SILVÉRIO: 2013, p. 299).
Niani, a capital de Mali, ficava em uma planície fértil cortada pelo rio Níger. A terra fértil garantia colheitas abundantes de feijão, sorgo, cebola, alho, berinjela e inhame, além do pastoreio de cabras, carneiros e bois. A cidade era, também, rica em ouro e ferro. Dali partiam duas importantes rotas caravaneiras para o norte e nordeste. Niani atraiu mercadores negros e árabe-berberes.
Boa parte da riqueza de Mali vinha do controle das rotas de Audagoste, Tombuctu, Djenê e Gao, da exploração do ouro de Bambuk, Buré e Niani, e do comércio do sal, do cobre e de nozes-de-cola.
Extraí-se sal das minas de Taghaza, localizadas em uma região desértica, no norte do atual Mali. Em Taghaza trabalhavam milhares de escravos que abriram enormes buracos no chão arenoso para retirar grandes blocos de sal.
O viajante Ibn Battuta conheceu Taghaza e escreveu a respeito:
“Depois de vinte e cinco dias chegamos a Taghaza, uma vila atraente, com o recurso curioso que as suas casas e mesquitas são construídas com blocos de sal, cobertas com peles de camelo. Não há árvores lá, nada além de areia. Na areia, eles cavam para encontrar o sal e, o retiram em chapas grossas (…).
Ninguém vive em Taghaza exceto os escravos da tribo Massufa que (…) sobrevivem da (…) carne de camelo e milho trazidos de Bilad al-Sudan. (…). Os negros usam sal como um meio de troca, assim como o ouro e a prata são usados [em outros lugares].
(…) Passamos dez dias de desconforto lá, porque a água é salobra e o lugar é infestado de moscas. (…) Um dia encontramos um reservatório de água doce entre duas saliências rochosas. Saciamos nossa sede e, em seguida, lavamos nossas roupas”
(Ibn Battuta, Travels in Asia and Africa, 1325-1354)
O sal, o ouro, a noz-de-cola e outros produtos eram levados no dorso de camelos, conduzidos pelos tuaregues, em caravanas que seguiam as rotas transaarianas. Cavaleiros do Mali, armados com lanças e espadas de ferro, protegiam as rotas de comércio.
De volta ao império, os mercadores traziam produtos valiosos como ferro, cobre, tecidos, cavalos e artigos de luxo (louças, talheres e espadas decoradas).
O célebre Mansa Musa I
A riqueza de Mali ficou conhecida no mundo ocidental pelos relatos de viajantes árabes, especialmente aqueles que se referem ao mansa (rei) Kankan Mussa ou Mansa Musa I, que governou o império de 1307 a 1332.
Conta-se que Kankan Mussa, em 1324, em sua peregrinação à Meca, um dos deveres fundamentais do muçulmano, levou 12 toneladas de ouro e 60 mil escravos. Números exagerados que os historiadores de hoje reduziram para 2 toneladas e 500 escravos, ainda assim, uma cifra considerável.
No Cairo, por onde passou, teria distribuído generosamente esse ouro, para impressionar os soberanos árabes do Egito. O derrame de tanto ouro provocou a desvalorização da moeda no mundo islâmico durante anos. Mas também tornou o Império do Mali conhecido entre europeus e asiáticos.
Mercadores venezianos no Cairo tomaram conhecimento da riqueza do Mali e difundiram na Europa relatos do fabuloso império. Um mapa-múndi elaborado, em 1375, para o rei da França, mencionava Mali e o “senhor dos negros” Kankan Mussa, sentado em seu trono segurando uma bola de ouro.
As cidades de Djené e Tombuctu
Mali era um reino islâmico e suas cidades possuíam mesquitas, bibliotecas – e escolas para o estudo do Corão. A Grande Mesquita de Djené, erguida em 1280, é o maior edifício em adobe do mundo. Suas grossas paredes mantêm uma temperatura interior agradável durante todo o dia, mesmo sob o Sol abrasador de 40 graus.
Durante o Império, Tombuctu tornou-se um importante ponto de comércio transaariano, ligando o Mali ao norte africano e ao mar Mediterrâneo. Em Tombuctu foi erguida a mesquita e universidade de Sankoré. No apogeu do império, a cidade tornou-se um centro irradiador da cultura afro-islâmica e nela o comércio de textos escritos (os livros da época) superava os demais produtos.
As mesquitas e as madrasas (escolas onde se estuda religião e o direito) de Tombuctu e Djené permanecem em atividade até hoje. Suas bibliotecas guardam centenas de manuscritos raros que contam a história do islamismo e dos povos africanos, e registram os conhecimentos desenvolvidos pelos sábios muçulmanos.
Por sua importância histórica e cultural, as mesquitas de Tombuctu e Djené foram declaradas patrimônio da humanidade pela Unesco em 1988.
A cavalaria do Mali
Estima-se que a cavalaria do rei mandinga chegava a 10 mil homens que contavam com uma novidade: o uso de estribos e selas. Apesar de conhecidos há tempos (a sela, na Núbia, desde o século IV, e o estribo, pelos árabes, desde o fim do século VII), esses equipamentos só foram conhecidos na África Subsaariana, no século XIII, quando foram empregados pelos mandingas.
Cavalo, sela e estribo teriam causado uma verdadeira revolução na arte da guerra, na África Ocidental. Essa cavalaria, combinada com o grande número e a precisão de seus arqueiros, deu ao Mali uma considerável vantagem sobre os vizinhos.
Além dos cavalos, os mandingas importavam espadas, capacetes e cotas de malha do Mediterrâneo.
Somente o mansa podia comprar e possuir cavalos, o que impedia que se formasse dentro do império tropas de cavalaria capazes de rivalizar com a sua. Os chefes vassalos dependiam do mansa para obter animais de guerra. A cavalaria era arma dos homens livres e, portanto, os escravos eram proibidos de montar os animais.
Declínio de Mali
No final do século XIV, o reino de Mali entrou em declínio. Disputas sucessórias enfraqueceram o império e disso se aproveitaram algumas províncias vassalas para se libertarem do império. Gao reconquistou sua independência em 1373.
A rica Tombuctu e cidades vizinhas sofreram pilhagens até que em 1435 os tuaregues tomaram aquele grande porto caravaneiro. Na sequência, apossaram-se da maioria das cidades do Sahel.
Djené, cercada por rios, alagadiços e canais que a protegiam, retomou a independência.
O império encolheu-se ficando reduzido aos domínios ocidentais. A autoridade do mansa começou a regredir. A chegada dos portugueses, no século XV, deu um novo alento trazendo a possibilidade de um comércio aparentemente vantajoso: os portugueses ofereciam cavalos e armas em troca de ouro e escravos. Estabeleceram-se laços diplomáticos entre os soberanos de Portugal e do Mali incrementando as relações comerciais. Mas trouxeram um novo perigo: a ingerência portuguesa na vida do oeste africano.
Os portugueses começaram a interferir nos conflitos internos dos países costeiros. Ofereciam vantagens comerciais aos pequenos chefes da costa, levando-os, assim, a se emanciparem do domínio do mansa de Mali.
Enfraquecido e fragmentado, atacado pelo leste e oeste, Mali caiu sob o domínio de Songhai em 1470. Nascia outro poderoso reino na África Ocidental.
Fonte
- COSTA E SILVA, Alberto. A enxada e a lança. A África antes dos portugueses. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.
- LOPES, Nei. Enciclopédia brasileira da diáspora africana. São Paulo: Selo Negro, 2004.
- SILVERIO, Valter Roberto (ed.). Síntese da coleção História Geral da África. Pré-História ao século XVI. Brasília: Unesco, MEC, UFSCar, 2013.
- MACEDO, José Rivair. História da África. São Paulo: Contexto, 2015.
- COSTA, Ricardo. A expansão árabe na África e os impérios de Gana, Mali e Songhai.
- IBN BATTUTA. Travels in Asia and Africa, 1325-1354. London: Broadway House, 1929.
Veja também
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Uma aula bem explicativa. Gostei!
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[…] A decadência aprofundou-se com revoltas internas que esfacelaram o país do ouro. O império de Gana mergulhou em lutas tribais até que, em 1240 suas últimas possessões foram incorporadas ao Reino de Mali. […]
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Olá professora! Excelente blog! Onde encontro a 3ª parte de “Grandes reinos da África subsaariana”? No Yotube achei apenas os 2 primeiros vídeos…
Obrigada! O vídeo 3 está em fase de produção. Acompanhe nossos artigos pelo Face.