Em 27 de novembro de 1095, diante de bispos e abades reunidos no Concilio de Clermont, o papa Urbano II lançou um apelo à cristandade para que colocasse fim às guerras privadas entre senhores e se unisse num esforço comum para combater os turcos e libertar o Santo Sepulcro.
Não se conhece o discurso exato de Urbano II pois ele não foi transcrito. Os numerosos testemunhos diretos e indiretos geraram várias versões do sermão do papa. Seja como for, Urbano II buscava resolver dois problemas ao mesmo tempo: livrar a Europa da turbulência de seus guerreiros e socorrer os cristãos do Oriente cristãos e os locais santos, como o Santo Sepulcro, ameaçados por turcos e árabes muçulmanos nos locais santos.
O apelo do papa mesclava motivos materiais e religiosos: de um lado, a possibilidade de se apoderar das riquezas do Oriente, além da suspensão das dívidas e a proteção aos bens dos que partiam; de outro lado, a promessa de indulgência e de a salvação da alma aos que morressem em combate contra os infiéis.
O motivo religioso da guerra inspirava-se nas próprias palavras de Cristo: “Se alguém me quer seguir, renuncie a si mesmo, tome sua cruz de cada dia, e siga-me. Por que quem perder sua vida por minha causa vai salvá-la” (Lucas 9: 23-24). A citação bíblica inspirou o emblema que deu origem ao termo cruzada: a cruz, costurada nas vestes dos cavaleiros sobre o peito ou sobre o ombro direito.
O que foram as cruzadas
Cruzadas populares
A repercussão do discurso do papa Urbano II (1095) foi enorme. O apelo foi acatado por multidões tornando as cruzadas um evento de massas. Formaram-se numerosos bandos em torno de pregadores populares que, saindo de diversos pontos da Europa, se puseram a caminho do Oriente. O grupo mais famoso e que conseguiu ir mais longe foi o de Pedro, o Eremita, em 1096.
Desorganizados e sem qualquer planejamento para uma viagem distante, esses bandos provocaram desordens, pilhagens e massacre de judeus atraindo a hostilidade das populações por onde passavam.
Apesar de Urbano II ter imposto restrições a inaptos, pobres e certas categorias de pessoas para não participarem das expedições, o entusiasmo e o fervor popular foram maiores do que as advertências do papa. Depois de vários anos de secas, fome e pestes, a população pobre viu nas cruzadas uma maneira de pôr fim a esse sofrimento.
Além disso, uma série de fenômenos naturais ocorrida no início de 1095 foi interpretada como sinais de um apelo divino: uma chuva de estrelas (meteoros), nuvens cor de sangue, a passagem de um cometa, um eclipse lunar, migrações incomuns de pássaros para o Oriente etc.
Daí entender a expedição de Pedro, o Eremita (1o96), a Cruzada dos Inocentes ou das Crianças (1212), a cruzada do excomungado Frederico II de Hohenstaufen, imperador da Alemanha (1228) entre outras.
As Cruzadas “oficiais”
Foram oito as cruzadas “oficiais”, isto é, convocada e apoiada pelo papa:
- 1ª Cruzada: 1096 a 1099 (Cruzada dos Nobres ou dos Barões)
- 2ª Cruzada: 1147 a 1149
- 3ª Cruzada:1189 a 1192 (Cruzada dos Reis)
- 4ª Cruzada: 1202 a 1204 (desviada para saquear Constantinopla)
- 5ª Cruzada: 1217 a 1221
- 6ª Cruzada: 1228 a 1229
- 7ª Cruzada: 1248 a 1250
- 8ª Cruzada: 1270
As Cruzadas como fenômeno histórico foram, contudo, mais abrangentes envolvendo as campanhas realizadas em outras direções, tais como:
- Cruzadas da Península Ibérica para expulsar os mouros (Reconquista) e que resultaria na formação dos reinos de Portugal e Espanha.
- Cruzadas do Norte dos reis da Dinamarca e Suécia contra os povos pagãos (eslavos) do norte da Europa
- Cruzadas contra os cristãos heréticos, como os cátaros ou albigenses do sul da França.
Consequências das cruzadas
É preciso lembrar que as cruzadas fracassaram, ou seja, não atingiram totalmente seus objetivos tanto na frustrada conquista de Jerusalém como também no inatingível apaziguamento das guerras internas entre senhores feudais.
Contudo, as cruzadas provocaram direta ou indiretamente, grandes transformações na sociedade europeia medieval. Elas contribuíram para o enfraquecimento da aristocracia e da servidão e o fortalecimento da burguesia. Muitos nobres ficaram arruinados e outros tantos morreram em combate, daí o desaparecimento de linhagens nobres. Em algumas regiões, entretanto, certos cruzados voltaram mais ricos e outros que não voltaram permitiu que os bens se concentrassem entre poucos herdeiros.
Houve um retrocesso da servidão. Em alguns casos, o aristocrata precisando de dinheiro para partir em Cruzada vendia a liberdade para os servos; em outros, voltando arruinado, obtinha recursos da mesma forma. A ausência do senhor encorajava a fuga do servo, que partia para tentar uma nova vida na cidade.
A abertura dos mercados orientais, intensificou as atividades comerciais que já vinham acontecendo antes das cruzadas e contribuiu para tornar Veneza e Gênova potências econômicas. A extensão do comércio de longa distância revigorou a economia monetária com o desenvolvimento dos bancos e do crédito – atividade onde se destacaram os Templários.
O desligamento de muitos camponeses da condição servil, o desenvolvimento comercial, a intensificação da vida urbana e o progresso da produção artesanal fortaleceram a burguesia.
As cruzadas reforçaram o processo de centralização política e a formação das monarquias nacionais que só se completaria bem depois. O enfraquecimento ou desaparecimento de muitas famílias nobres, o afrouxamento da servidão e o apoio da burguesia foram fatores que que contribuíram para isso.
Por fim, as Cruzadas trouxeram uma consequência que repercute até hoje: o afastamento Ocidente-Oriente. As profundas divergências entre cristãos e muçulmanos permaneceram e, em alguns acontecimentos, até aumentaram. Em 1453, com os turcos às portas de Constantinopla, pensou-se em pedir ajuda aos ocidentais, mas um general bizantino interviu: “prefiro o turbante dos muçulmanos à mitra dos latinos”. As Cruzadas afastaram Ocidente e Oriente, criaram barreiras que enraizaram no inconsciente coletivo nos dois lado.
O ideal de Cruzada
O ideal de cruzada atravessou os séculos. Em 1415, a conquista de Ceuta, no norte da África, pelos portugueses, foi motivada, entre outras razões, pelo espírito cruzadista de lutar contra os mouros infiéis e expandir a fé cristã. O mesmo ideal inspirou o rei D. Sebastião, em 1578, a lutar contra o sultão de Marrocos na batalha de Alcácer Quibir.
O termo cruzada continua presente no mundo contemporâneo em campanhas de finalidades as mais diversas: cruzada contra o álcool, contra o cigarro, contra o câncer, contra a fome, contra o comunismo, contra a dengue, cruzada pro-infância, cruzada evangelística etc. O termo é usado por sua conotação comunitária e individual. Quem se engaja nessas campanhas o faz por decisão pessoal, disposto a todo esforço necessário e está convicto que se trata de algo grandioso em benefício da sociedade e do país.
Fonte
- MELLO, José Roberto. As Cruzadas. São Paulo: Ática, 1989. (Coleção Princípios).
- FRANCO JR., Hilário. As Cruzadas. São Paulo: Brasiliense, 1982. (Coleção Tudo é História).
- GALDINO, Luiz. As cruzadas. São Paulo: Quinteto (Coleção Vertentes).
- MAALOUF, Amin. As Cruzadas vistas pelos árabes. São Paulo: Brasiliense,1988.
- TATE, Georges. O Oriente das Cruzadas. Lisboa: Quimera ed., 2003.
- FLETCHER, Richard A. A cruz e o crescente: cristianismo e islã, de Maomé à Reforma. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2004.
- WILLIAMS, Paul. O guia completo das cruzadas. São Paulo: Madras, 2007.