Em 29 de novembro de 1807, às 7 horas da manhã tinha início a longa viagem da família real portuguesa rumo ao Brasil. Havia dois dias que os viajantes, já embarcados, aguardavam a partida dos navios impedidos pelos ventos desfavoráveis e chuvas torrenciais. A espera aumentou ainda mais a tensão e angústia, pois as tropas francesas já estavam em território português a caminho de Lisboa. Finalmente, dado o sinal de partida, os navios inflaram velas e zarparam. Quando o general francês Junot entrou em Lisboa, ainda pode vê-los no horizonte.
Ao todo deixaram Portugal entre 10 mil e 15 mil pessoas viajando em dezesseis navios.
A nau “Príncipe Real” levava a bordo o príncipe regente D. João, sua mãe, a rainha louca D. Maria, e os dois herdeiros do trono, os príncipes D. Pedro e D. Miguel. Em um segundo navio, viajava a princesa Carlota Joaquina, mulher do príncipe regente, e quatro de suas seis filhas. Um terceiro e um quarto navio levavam outros membros da família real.
As embarcações foram escoltadas por navios ingleses durante o caminho. Entre as bagagens estavam objetos que guarneciam os palácios reais de Mafra e Queluz: tapetes, quadros, ornamentos das paredes, móveis, louças, faqueiros, joias, cristais etc.
A bagagem incluía também, o tesouro real, cerca de 80 milhões de cruzados em ouro e dinheiro, representando metade das moedas em circulação em Portugal, uma grande quantidade de diamantes extraídos de Minas Gerais, e todos os arquivos da monarquia portuguesa.
Na correria do embarque, muitas caixas ficaram para trás, espalhadas pelo cais do porto. Entre elas, estavam os caixotes com a prataria das igrejas e os livros da Biblioteca Real. A prataria acabaria confiscada e derretida pelos invasores franceses. Os livros, que incluíam a primeira edição de Os Lusíadas (1572), de Camões, antigas cópias manuscritas da Bíblia e mapas em pergaminho, só chegariam ao Brasil mais tarde, em três viagens: a primeira em 1810 e as outras duas em 1811.
Antecedentes imediatos
A transferência da família real foi a solução para fugir às exigências de Napoleão Bonaparte para Portugal aderir ao Bloqueio Continental, decretado no ano anterior. Desde então, uma intensa troca de correspondência entre D. João e Napoleão foi protelando a decisão.
Portugal tentou, até o último instante, uma política de neutralidade, mas as duas poderosas rivais – Grã-Bretanha e França – pressionaram D. João a tomar uma atitude a favor de uma ou outra potência.
Em agosto de 1807, Napoleão deu um prazo final – 1º de setembro – para D. João juntar-se à França, fechar os portos aos navios ingleses, dar ordem de prisão aos súditos britânicos em Portugal e confiscar seus bens e propriedades. Após esse período, caso as exigências não fossem cumpridas, a França e a Espanha declarariam guerra a Portugal.
D. João tentou negociar com a França propondo o fechamento de alguns portos à Inglaterra e a permissão aos comerciantes ingleses para retirarem suas mercadorias da alfândega sem pagar taxas e despesas.
A Inglaterra adotou uma atitude intimidadora: mandou sua esquadra bloquear o porto de Lisboa ameaçando bombardear a cidade.
O Tratado de Fontainebleau assinado pela França e Espanha em 27 de outubro selou o destino de Portugal. O tratado dividia o país em três partes e determinava a invasão de Portugal.
Com a notícia da entrada das tropas de Junot em território português, na manhã de 24 de novembro, o Conselho de Estado decidiu a favor da partida da corte portuguesa para o Brasil. Três dias depois (27), a família real embarcou, aguardou dois dias a bordo, e zarpou na manhã de 29 de novembro de 1807.
No dia seguinte à partida, o general francês Junot entrou em Lisboa às 9 horas da manhã com um exército de cerca 26 mil homens.
A família real chegou ao Brasil quase dois meses depois, em 22 de janeiro de 1808 aportando em Salvador, na Bahia.
Fonte
- GODECHOT, Jacques. Europa e América no tempo de Napoleão (1800-1815). São Paulo: Pioneira/Edusp, 1984.
- MACEDO, Jorge de. O bloqueio continental. Economia e guerra peninsular. Lisboa: Delfos, 1962.
- CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1996.
- DIAS, Maria Odila Leite da Silva. A interiorização da metrópole e outros estudos. São Paulo: Alameda Casa Editorial, 2005.
- LIMA, M. de Oliveira. D. João VI no Brasil. Rio de Janeiro: Topbooks, 1996.
- MANCHESTER, Alan K. A transferência da Corte portuguesa para o Rio de Janeiro. In: KEITH, Henry H.; EDWARDS, S. F. (org.). Conflito e continuidade na sociedade brasileira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1976.
- SILVA, Maria Besatriz Nizza da. Cultura e sociedade no Rio de Janeiro (1808-1821). São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1978.
Saiba mais
- Decretado o Bloqueio Continental
- Tomada de Lisboa pelo general francês Junot
- Coroação de D. João VI
- Criada a Impressão Régia
- D. João assina o decreto de criação da Real Biblioteca
- Rio de Janeiro capital do vice-reino do Brasil
- D. João VI no Brasil (1808 a 1821). Jogo de tabuleiro com a sequência dos fatos de 1807 a 1821.