Em 14 de dezembro de 1918, a bióloga paulista Bertha Lutz (1894-1976) publicou o artigo Somos filhos de tais mulheres, na Revista da Semana, com o pseudônimo de Iracema. O artigo respondia a um jornalista carioca que escrevera sobre os avanços do movimento feminista da Inglaterra e dos Estados Unidos e afirmara que eles pouco influenciariam a vida das mulheres brasileiras.
Bertha que morou na Europa onde conheceu a explosiva campanha das sufragistas, ficou indignada com o descrédito do jornalista. Redigiu uma matéria contundente conclamando as mulheres a fundarem uma associação para lutar por seus direitos. O artigo teve enorme repercussão na sociedade. Começava então uma longa jornada pelos direitos da mulher.
Somos filhos de tais mulheres
“Tudo quanto está sucedendo estava previsto. As democracias vão começar aprendendo a ser a expressão fiel, sincera de um regime social e político da igualdade humana. A mulher, que não pudera conseguir ser compreendida na Declaração dos Direitos do Homem proclamados pela Revolução Francesa (…) foi libertada pela guerra e sentada ao lado do homem no trono da terra.
As mulheres russas, finlandesas, dinamarquesas, norueguesas, suecas, alemães e inglesas – quer dizer, uns 120 milhões de mulheres da velha Europa – já partilham ou brevemente partilharão do governo, não só contribuindo com o seu voto para eleição dos legisladores, como podendo ser elas próprias eleitas para o exercício do poder legislativo.
Essas mulheres libertadas na Europa são as mulheres louras, das raças anglo-saxônicas, germânica, escandinava e eslava.(…) Só as mulheres morenas continuam, não direi cativas, mas subalternas.
(…) Que importa que alguns jornalistas satíricos nos continuem a considerar os “animais de cabelos compridos e ideias curtas” quando o chefe da mais poderosa república do mundo [Estados Unidos] (…) proclama que “a contribuição das mulheres para o grande resultado da guerra está fora dos limites da gratidão”, e lhes dirige estas belas palavras, como nunca haviam sido pronunciadas no mundo por lábios de um homem: “a homenagem mínima que lhes podemos prestar é torná-las iguais aos homens no que respeita aos direitos políticos, pois elas se mostraram em na diferentes de nós, em todos os ramos de trabalho prático que exerceram em benefício próprio ou do país. (…) Graças a Deus, podemos dizer – ‘Somos filhos de tais mulheres’.
Quando ouviremos nós, as brasileiras, de um grande estadista nosso, palavras idênticas? Quando faremos por merecê-las e inspirá-las? Por quanto tempo ainda continuaremos a ser um assunto, de debique e de sátira?” [Bertha Lutz, Revista da Semana, 14 de dezembro de 1918.]
Liga para Emancipação Intelectual da Mulher
No ano seguinte, Bertha Lutz representou o Brasil, junto com a paulista Olga de Paiva Meira, no Conselho Feminino Internacional, órgão da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Nessa reunião de 1919 foram aprovados os princípios de salário igual para ambos os sexos e a inclusão das mulheres no serviço de proteção aos trabalhadores.
De volta ao Brasil, empenhou-se na luta pelo voto feminino e junto com outras mulheres, entre as quais Maria Lacerda de Moura, criou, em 1919, a Liga para a Emancipação Intelectual da Mulher que, em 1922, se transformou na Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF). Não parou mais, desde então.
A luta pelo voto feminino no Congresso
Foram intensas as pressões para que o congresso aprovasse o voto feminino. Em 12 de novembro de 1927, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou, por 5 votos contra 2, um substitutivo do senador Aristides Rocha, do Amazonas, que tratava do voto para a mulher.
Bertha e ativistas da FBPF levaram para o Senado um abaixo assinado com cerca de 2.000 assinaturas de mulheres colhidas em todo país. Apesar dos esforços das feministas, o projeto não foi transformado em lei.
Em 1930, tramitou no Senado um projeto que estendia às mulheres o direito de voto. Porém, com a Revolução de 1930, as atividades parlamentares foram suspensas.
Código Eleitoral de 1932 e o voto feminino
Deposto o governo de Washington Luís, em outubro de 1930, instalou-se um governo provisório que mandou redigir um novo Código Eleitoral. Foi nomeada uma comissão de juristas encarregada de elaborá-lo, dentre eles, Bertha Lutz (ela terminava, então, o curso de Direito).
Houve resistência entre juristas contra a inclusão do voto feminino. Bertha e outros membros brigaram por esse direito. Finalmente, em fevereiro de 1932 , Getúlio Vargas assinou o novo Código Eleitoral, onde estava previsto o direito de voto às mulheres.
Bertha também participou da elaboração do anteprojeto de Constituição, reunida em Petrópolis em 1932. Foi, depois, candidata à Assembleia Constituinte. Foi quando se levantou contra ela uma campanha de difamação divulgada na imprensa acusando-a de participar de fraude eleitoral. Ao fim, demonstrou-se que as acusações eram infundadas, mas Bertha não se elegeu.
Bertha Lutz como parlamentar
Bertha lançou-se candidata como deputada em 1934 e novamente não conseguiu ser eleita, alcançando a primeira suplência. Mas seus esforços pela participação política da mulher começaram a mostrar resultados: nove mulheres foram eleitas deputadas estaduais em todo Brasil.
Em 1936, Bertha assumiu o mandato de deputada federal na vaga deixada pelo titular Cândido Pessoa que falecera. Como legisladora, ela apresentou o projeto do Estatuto da Mulher que propunha a reformulação da legislação quanto ao trabalho feminino.
A decretação do Estado Novo em 1937 encerrou a carreira de Bertha como parlamentar. Mas não parou sua atuação pela causa feminina.
Representações e prêmios internacionais
Em 1944, Bertha Lutz representou o Brasil na Conferência Internacional do Trabalho, realizada na Filadélfia, EUA, como membro da Comissão de Assuntos Femininos.
Em 1951, foi premiada com o título de Mulher das Américas.
Em 1952 foi representante do Brasil na Comissão de Estatutos da Mulher das Nações Unidas, criada por sua iniciativa.
Em 1953, foi eleita delegada do Brasil junto à Comissão Interamericana de Mulheres da União Panamericana de Repúblicas.
Em 1975, já doente, foi convidada pelo governo brasileiro a integrar a delegação brasileira no primeiro Congresso Internacional da Mulher, na ONU. Faleceria no ano seguinte, no Rio de Janeiro, aos 82 anos.
Bertha Lutz foi ainda membro de várias entidades internacionais. Sua luta pela causa feminina não impediu dedicar-se como cientista. Trabalhou por 46 anos como pesquisadora e professora do Museu Nacional, Rio de Janeiro, alcançando o reconhecimento internacional na área de zoologia.
Fonte
- SCHUMAHER, Schuma BRAZIL, Érico Vital (orgs.). Dicionário Mulheres do Brasil: de 1500 até a atualidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.
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