Em 1958, Mao Tsé-Tung, o líder da República Popular da China, lançou a campanha do Grande Salto Adiante com objetivo de transformar rapidamente o país de uma economia agrária em uma sociedade socialista. O projeto visava o rápido desenvolvimento dos setores agrícola e industrial da China que deveriam ocorrer paralelamente. A esperança era se industrializar em tempo recorde, utilizando a oferta massiva de mão de obra barata e evitar a importação de máquinas pesadas.
A mobilização em massa de trabalhadores, especialmente camponeses, foi canalizada para três setores: a) aumentar a irrigação, realizando trabalhos de controle de enchentes e renovação da terra; b) aumentar a produtividade agrícola; c) expandir a produção industrial por meio de pequenas indústrias locais. Cerca de 650 milhões de chineses foram mobilizados em todo país para mudar a aparência da China com a construção de novas rodovias, fábricas, diques, represas, lagos e cultivos de grandes extensões de terra coletivizadas.
O povo acreditava no presidente Mao. A confiança abriu as portas para a utopia e a ilusão. Nesse contexto, líderes comunitários extremamente leais à causa, elaboraram metas ambiciosas do Grande Salto. Os especialistas – economistas, engenheiros, agrônomos etc. – foram deixados de lado, considerados “burgueses” capitalistas. Mao acreditava no sucesso das forças produtivas apenas pela mobilização em massa.
Para isso, foi extraído dos camponeses todo o excedente de que dispunham para financiar a industrialização do país e de seu exército. A terra coletivizada foi explorada ao máximo: desmataram-se florestas para alimentar altos fornos, foram destruídas roças e pomares familiares, e mortos pequenos animais de criação, inclusive os de estimação, para não haver “desperdício” de alimentos. Nesse contexto foi lançada a Campanha das Quatro Pragas (veja abaixo) para eliminar ratos, moscas, mosquitos e pardais considerados destruidores dos cultivos.
Sem a contribuição de engenheiros experientes e especialistas, foram gastos esforços substanciais em projetos mal planejados, o que custou a vida de centenas de milhares de moradores por exaustão e fome.
Enquanto isso, os líderes locais eram pressionados a relatar a seus superiores números superestimados, cada vez maiores, da colheita de grãos. Os números de produção eram inflados em até 10 vezes o valor real da produção para agradar os superiores e ganhar aplausos – como a chance de conhecer Mao pessoalmente. Com base nesses números falsos, o governo forçou os camponeses a entregarem mais grãos do que podiam. Logo os camponeses estavam reduzidos à escassez, sem alimentos, enquanto os celeiros do estado estavam cheios de grãos para exportação.
Sem nenhum conhecimento pessoal de metalurgia, Mao incentivou o estabelecimento de pequenos fornos para fabricar aço em todas as comunas e em cada bairro urbano.Segundo estimativas oficiais, cerca de 30 a 50 mil fornos foram criados até o fim de julho de 1958, outros 190 mil em agosto, 700 mil até setembro e 1 milhão em outubro.
Para abastecer os fornos, florestas foram derrubadas e retiradas até a madeira das portas e móveis das casas. Cem milhões de pessoas estavam engajadas nessa “batalha pelo aço” e fizeram grandes esforços para produzir aço a partir de sucata. Panelas, frigideiras e outros artefatos de metal foram requisitados para fornecer a “sucata” dos fornos para cumprir metas otimistas de produção.
Muitos trabalhadores agrícolas do sexo masculino foram desviados da colheita para ajudar na produção de aço, assim como operários, professores e até enfermeiros e atendentes de hospitais. Embora a produção consistisse em pedaços de ferro-gusa de baixa qualidade e valor econômico desprezível, Mao não deu ouvido a técnicos e especialistas que alertavam que aço de alta qualidade só podia ser produzido em fábricas de grande escala usando combustível confiável, como o carvão. Em vez disso, Mao não interrompeu o programa confiando no poder da mobilização em massa dos camponeses.
Resultado do Grande Salto Adiante
Em meados de 1959, a liderança política reuniu-se para discutir o impacto inicial do Grande Salto Adiante. Embora muitos dos líderes mais moderados discordassem da nova política, o único a falar abertamente foi o Ministro da Defesa, o marechal Peng Dehuai, que criticou o programa do Grande Salto Adiante.
Mao respondeu às críticas de Peng demitindo-o de seu cargo e denunciando a ele e seus apoiadores como “burgueses” e “oportunistas de direita”. Peng foi substituído por LIn Biao, que iniciou um expurgo sistemático dos apoiadores de Peng pelas forças armadas.
O fracasso da produção de aço, o recrutamento de camponeses para o trabalho industrial e as quedas da produção agrícola levaram a milhões a morrerem por fome severa. Muitos também morreram de execuções por não atingirem as cotas instituídas por funcionários do governo
Entre 1960 e 1961, a China sofreu uma verdadeira catástrofe alimentar e demográfica. O número oficial reconhecido pelo governo chinês é de 14 milhões de mortos, mas os estudiosos fornecem estimativas de 20 a 43 milhões. Foi a maior fome da história da humanidade.
A produção industrial também despencou. A produção de aço que, inicialmente, aumentou 45% em 1958, caiu para 30% nos dois anos seguintes, e entrou em colapso em 1961. Só voltou a atingir o nível de 1958 depois de 1964.
Devido aos resultados desastrosos, o Grande Salto Adiante programado para ser executado de 1958 a 1963, foi descontinuada em 1961.
Restaurando a economia da China
Mao renunciou ao cargo de Presidente da República em 1959, preservando o cargo de Presidente do Partido Comunista. Em seu lugar, foi eleito o moderado Liu Shaoqi. Em 1962, ele contradisse Mao que alegava que a crise alimentar foi devido a desastres climáticos (secas e inundações). Liu Shaoqi afirmou que o desastre econômico foi causado principalmente por erros humanos e não por desastres naturais.
Liu Shaoqi e Deng Xiaoping (Secretário Geral do Partido) trataram de restaurar a economia com políticas menos radicais. Adotaram uma política econômica diferente que restaurou a produção agrícola e interrompeu as exportações de trigo. Foram importados cereais do Canadá e da Austrália que ajudaram a reduzir o impacto da escassez de alimentos, pelo menos nas cidades costeiras.
O Grande Salto Adiante ainda hoje é utilizado como crítica ao modelo de economia planificada, ao comunismo e à reforma agrária.
Campanha das Quatro Pragas
Uma das primeiras ações do Grande Salto Adiante foi a Campanha das Quatro Pragas. Seu objetivo era eliminar ratos, moscas, mosquitos e pardais, apontados pelo governo como “ladrões” que roubavam do povo os frutos do seu trabalho. Os pardais foram incluídos na lista porque comiam sementes e grãos, o que supostamente prejudicava os agricultores.
Assim, o povo da China foi mobilizado para erradicar os pássaros. Os pardais foram exterminados por armadilhas, tiros, destruição de ninhos. No entanto, depois que milhares de pardais foram mortos, as colheitas começaram a diminuir, em vez de aumentar.
Em 1960, cientistas descobriram que a dieta dos pardais era composta por 3/4 de insetos e apenas 1/4 de grãos. Os gafanhotos, principal alimento dos pardais, sem predadores, aumentaram vertiginosamente. O desequilíbrio ecológico causou uma devastação: um enxame de gafanhotos destruiu as plantações obrigando o governo chinês a importar pardais da União Soviética para combater a praga. Outros danos ambientais provocados pelo Grande Salto Adiante foram o desmatamento generalizado e o mau uso de venenos e pesticidas.
Fonte
- MORTON, W. Scott. China, história e cultura. Rio de Janeiro: Zahar, 1986.
- FAIRBANK, John King; GOLDMAN, Merle. China, uma nova história. Porto Alegre, RS: L&PM, 2006.
- TSÉ-TUNG, Mao. O livro vermelho. São Paulo: Martin Claret, 2012.