Os termos políticos esquerda e direita surgiram no século XVIII, durante a Revolução Francesa e, desde então, foram se tornando mais complexos e recebendo nuances a ponto de hoje serem usados no plural: esquerdas e direitas.
Para entender esses termos, é importante esclarecer três coisas importantes:
1° – Esquerda e direita não são partidos políticos e nem dizem respeito a uma classe social determinada.
2° – Os dois termos são contrapostos e divergentes e, por isso, são excludentes. Isso significa que nenhum movimento pode ser ao mesmo tempo de direita e de esquerda.
3° – Ambos só podem existir na coexistência, isto é, só existe a direita se existir a esquerda, e vice-versa. O que significa que direita e esquerda são típicos de regimes democráticos. Se um for eliminado o que resta é radicalismo, extremismo, a antidemocracia, a ditadura totalitária.
CONTEÚDO
- Origem dos termos esquerda e direita
- As mudanças da esquerda e direita no séc. XIX
- Esquerda e direita no Brasil Imperial
- O avanço da direita no séc. XX
- Esquerda e direita no cenário político atual
- Fonte
Origem dos termos esquerda e direita
Os termos esquerda e direita nasceram durante a Revolução Francesa, mais precisamente no dia 11 de setembro de 1789. Naquele dia, os membros da Assembleia Constituinte, reunidos para deliberar sobre o poder de veto de Luís XVI, sentaram-se espontaneamente de ambos os lados do presidente:
- à direita, os monarquistas fiéis ao rei e dispostos a lhe dar o direito de veto absoluto;
- à esquerda, os adversários que queriam limitar o veto do rei.
Dessa distribuição dos deputados por afinidades originou-se a separação entre direita, considerada conservadora ou reacionária, e esquerda, considerada reformista ou revolucionária, marcadores que ainda pontuam a vida política de todas as democracias do mundo.
Na Assembleia de 1789, a composição social dos deputados de cada Estado estava longe de ser uma representação coesa de cada ordem. Entre os monarquistas, sentados à direita, a maioria era de nobres provincianos pobres. Os representantes do Terceiro Estado, sentados à esquerda, eram homens abastados – advogados, médicos, homens de negócio e até nobres “esclarecidos”, escolhidos por sua eloquência e cultura. Portanto, já na sua origem, Direita e Esquerda não correspondiam a um determinado grupo social, como ainda hoje não correspondem.
As mudanças da esquerda e direita no séc. XIX
No século XIX, os impactos sociais causados pela Revolução Industrial trouxeram novas ideias e reivindicações. O liberalismo, o nacionalismo, o socialismo, o anarquismo e o marxismo deram outra configuração para a esquerda e a direita, e ambas mudaram conforme o momento.
Na França, por exemplo, a principal discussão entre a esquerda e direita era o regime político e essa discussão marcou a linha entre as duas correntes. A defesa da República e da Constituição foi, inicialmente, pauta da esquerda. Tempos depois, essa pauta adquiriu novas nuances conforme o contexto histórico. O quadro abaixo, elaborado pelo historiador de Direito, Philippe Fabry, mostra como a ideia de república, monarquia e Constituição foi ganhando novos contornos de 1789 a 1900.
Outros exemplos, também na França, mostram como esquerda e direita defenderam e mudaram de posição sobre educação, pena de morte e divórcio, conforme as demandas da época:
- Educação primária: foi o político de direita François Guizot, ministro da Educação do rei Luís Filipe, que, em 1833, criou e organizou a educação primária pública da França, lei que marcou a história do país. Mas foi Jules Ferry, chefe da esquerda republicana, que tornou o ensino primário gratuito e obrigatório na França (1881-1882). Uma curiosidade: Jules Ferry foi um ardoroso defensor da colonização da África como forma de “civilizar as raças inferiores”.
- Abolição da pena de morte: a primeira campanha pela abolição da pena de morte foi liderada pelos direitistas François Guizot e o jovem monarquista Victor Hugo. A campanha, contudo, não teve sucesso. Mais de um século depois, em 1981, a pena de morte foi abolida na França no governo de esquerda de François Miterrand, um político socialista.
- Divórcio: foi restabelecido na França, em 1884, por pressão da esquerda representada pelos republicanos e socialistas. O divórcio era permitido somente no caso de violência e adultério – o que pouco beneficiava as mulheres pois o adultério era considerado crime e só punia a esposa infiel, sujeita até dois anos de prisão, o mesmo não ocorrendo com o homem. Somente em 1975 foi aprovada, na França, a descriminalização do adultério, durante o governo de centro-direita, de Valéry Giscard d’Estaing, do Partido Republicano.
Esquerda e Direita no Brasil Imperial
No Brasil Imperial, a esquerda e a direita estiveram representadas pelos partidos Liberal e Conservador, respectivamente. Conforme observou Ilmar Mattos, ambos divergiam sobre o papel do Legislativo e, sobretudo, do Poder Moderador. Posicionavam-se, assim, a grosso modo, à esquerda (Partido Liberal) e à direita (Partido Conservador) nos moldes do século XIX.
Contudo, em relação ao direitos de propriedade e às hierarquias sociais, ambos compartilharam do mesmo princípio conservador e suas atuações políticas nem sempre se pautaram por coerência, como se observa nos acontecimentos abaixo citados:
- Eleições de 1840: decididos a vencer as eleições, os liberais não foram nada liberais pois partiram para a violência promovendo roubo de urnas, espancamento de eleitores, falsificação de votos e ameaças de morte contra seus adversários políticos. O fato passou à história conhecido como “eleições do cacete”.
- Escravidão: os liberais exaltados da Revolução Praieira (Pernambuco, 1848) reivindicaram o sufrágio universal masculino, a plena liberdade de imprensa, a extinção do Poder Moderador, mas não cogitaram abolir da escravidão.
- Tráfico negreiro: a abolição do tráfico negreiro foi feita por um ministro conservador, Euzébio de Queiróz, em 1850, pondo fim a uma longa questão com a Inglaterra que se arrastava havia vinte anos.
- Abolição da escravidão: a Lei Áurea foi apresentada formalmente ao Senado Imperial pelo conservador Rodrigo Augusto da Silva que fazia parte do Conselho de Ministros, composto por membros do Partido Conservador. A lei foi assinada pela Princesa Isabel e pelo próprio Rodrigo Augusto da Silva, no dia 13 de maio de 1888.
- República: a proclamação da República foi feita pelo direitista marechal Deodoro da Fonseca, um monarquista convicto e amigo pessoal do imperador D. Pedro II.
Liberais e conservadores, no Brasil Imperial, atuaram mais ao sabor das circunstâncias do que em nome de princípios políticos.
O avanço da direita no séc. XX
As décadas de 1920 e 1930 viram o fortalecimento da direita em boa parte do mundo e, em muitos países, a implantação de governos de extrema-direita como foram as ditaduras da Espanha, Portugal, Áustria, Brasil (o Estado Novo de Getúlio Vargas), o fascismo na Itália (1922) e o nazismo na Alemanha (1933). Nos Estados Unidos, a organização de extrema direita Ku Klux Klan expandiu e se fortaleceu nessa mesma época.
Veio a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e a derrota do nazi-fascismo, levando também à queda de muitos governos de direita (no Brasil, o Estado Novo foi derrubado em 1945). A direita parecia ter desaparecido, ou pelo menos ter enfraquecido. Muitos se perguntavam: “Ainda existe a direita?”
Seguiu-se a Guerra Fria quando o mundo foi dividido em dois polos: de um lado, o bloco capitalista liderado pelos Estados Unidos e, de outro, o bloco soviético, pela União Soviética (URSS).
Durante esse período os termos direita e esquerda ganharam forte conotação ideológica e de confronto político: no Ocidente capitalista, qualquer pensamento ou ação de tendência esquerdista era rotulado de “comunista” e considerado algo perigoso que deveria ser extirpado. Esquerda e comunismo eram, então, entendidos como sinônimos (o que é uma simplificação e erro conceitual).
No final do século XX, com o colapso do bloco soviético, muitos passaram a se perguntar: “Quem ainda acredita no comunismo?” “Ainda existe a esquerda?”
Alguns cientistas políticos teceram fortes críticas aos termos esquerda e direita afirmando que eles perderam seu significado no mundo moderno. Para Sartori, por exemplo, os termos esquerda e direita são caixas vazias, cujo conteúdo pode ser descarregado com o passar do tempo.
O pensador italiano Norberto Bobbio afirmou que, depois da dissolução da União Soviética (1991), surgiram algumas linhas que apontavam para o fim da dicotomia direita-esquerda e perda de influência dessa polaridade. “Direita e esquerda ainda existem? E se existem ainda, e estão em campo, pode-se dizer que perderam completamente o significado? E se ainda têm um significado, qual é ele?” – perguntou em 1994 (BOBBIO, 2011, p. 46).
Os termos direita e esquerda, contudo, não desapareceram. Eles continuam sendo usados como marcadores políticos e ganharam complexidade e maior abrangência, como veremos a seguir.
Esquerda e direita no cenário político atual
Os termos esquerda e direita continuam tendo pleno uso na linguagem política. Eles servem como marcadores políticos que indicam tendências ideológicas e partidárias e permitem combinar outras dimensões abrangendo aspectos econômicos, sociais, culturais e até morais.
E o que pretende a esquerda e a direita? Quais as diferenças entre elas?
As principais diferenças entre esquerda e direita dizem respeito ao papel do Estado e aos direitos do cidadão, como mostra a tabela abaixo.
A tabela serve como referência para indicar as diferenças básicas entre esquerda e direita. Contudo, as características listadas para uma e para outra tendência não são rígidas, elas podem se misturar criando uma meia-esquerda e uma meia-direita. Daí falarmos em outras subdivisões: centro-esquerda, centro-direita, extrema esquerda e extrema direita.
Essas subdivisões abrangem um espectro político, econômico e social mais diverso que vai dos moderados aos extremistas e radicais (na ponta do esquema), dos democratas aos antidemocratas. Os opostos extremistas (extrema esquerda e a extrema direita) têm em comum a antidemocracia; ambos são ditatoriais, não permitem a alternância entre esquerda e direita.
Cada subdivisão tem uma compreensão diferente sobre igualdade, liberdade, papel do Estado, política econômica e social e outros temas. Criou-se um consenso que nesses eixos estão distribuídas as seguintes tendências políticas:
- À esquerda: progressistas, sociais-liberais, sociais-democratas, ambientalistas, libertários-socialistas, socialistas, comunistas e anarquistas.
- À direita: liberais, conservadores, neoliberais, nacionalistas, monarquistas, fascistas e nazistas.
É devido a essas diferentes tendências que se costuma falar em esquerdas e direitas, no plural, para ser referir aos dois eixos políticos. A tabela abaixo, traz mais informações e distinções entre essas tendências.
Novamente, é importante lembrar que essas distinções são apenas referenciais. Podem ocorrer novas composições entre elas que acabam gerando outras tendências. Aliás, é comum um político ou um partido deslocar-se mais à direita ou à esquerda e esse deslocamento ser chamado de direitismo ou esquerdismo.
Além das distinções apontadas, as esquerdas e a direitas têm uma pauta moral específica onde defendem valores diferentes. São valores de cada uma:
- Valores defendidos pela esquerda: progresso social, solidariedade, humanismo, justiça social, igualdade, repartição da riqueza.
- Valores defendidos pela direita: tradição, conservadorismo, ordem, segurança, mérito, propriedade privada, liberdade, individualismo, lucro (acumulação).
Concluindo, “direita” e “esquerda” não são conceitos absolutos. São conceitos relativos. (…) Não são palavras que designam conteúdos fixados de uma vez para sempre. Podem designar conteúdos conforme os tempos e as situações. (…) O fato da direita e esquerda representarem uma oposição quer simplesmente dizer que não se pode ser simultaneamente de direita e de esquerda. Mas não diz nada sobre o conteúdo das duas partes contrapostas. A oposição permanece, mesmo que os conteúdos dos dois opostos possam mudar.” (BOBBIO, 2011, p. 107-108)
Fonte
- BOBBIO, Norberto. Direita e Esquerda – razões e significados de uma distinção política. São Paulo: Unesp, 2011.
- MATTOS, Ilmar. O tempo Saquarema. São Paulo: Hucitec, 1987.
- SINGER, André. Esquerda e direita no eleitorado brasileiro: a identificação ideológica nas disputas presidenciais de 1989 e 1994. São Paulo: Edusp, 2002.
- DUPIN, Éric. Le clivage droite-gauche, de plus en plus symbolique, de moins en moins politique. Slate, 17 novembro 2014.
- SARTORI, Giovanni. Partidos e sistemas partidários. Brasília: Unb, 1982.
- FABRY, Philippe. Gauche, droite: de quoi il s’agit vraiment. Contrepoints, 5 abril 2013.
Essa polarização só faz enfraquecer à democracia, e favorecendo assim, os “aproveitadores” é u vdd “prato cheio” p os políticos corruptos a se perpetuarem n poder.
Excelente Artigo!! Vem muito bem a calhar nesse mar de conflitos que o nosso País vem passando. Infelizmente ainda vemos muito disseminado a ideia de que direita e esquerda se relaciona com bem e mal. Sobretudo na minha área de formação, em história, vejo muitos colegas inundados de discursos fáceis e pouco refletidos, refletindo jargões que são capitaneados por nossa elite política. Continue esse excelente trabalho!!!
Bem colocado: o estereótipo “esquerda x direita” reduzido à luta do bem x mal só empobrece o debate político. Cabe perguntar: a quem interessa isso? Obrigada pela contribuição.
Interessa a todos que tentam, incessantemente, fugir da doutrinação comunista nas escolas públicas (propagada, em largas grandezas e proporções descomedidamente grandes, pelo MEC) que coloca tal guerra como uma ocorrência sem orientação intelectualmente racional (sem sentido), contudo, na veracidade oculta, era uma luta exorbitantemente brutal entre a fome coletivista e a prosperidade individualista.
Excelente artigo, professora! Muito esclarecedor, pautado na evolução histórica dos termos e com fontes confiáveis.