No século XVI, Roma converteu-se no centro da civilização ocidental onde a arte e a cultura serviram para exteriorizar uma forma esplendorosa de viver. Os maiores artistas da Renascença italiana trabalharam ali. Foi na residência papal, no Vaticano, que surgiu uma das joias desse período – a Capela Sistina e seus magníficos afrescos, pintados por Michelangelo.
Roma renasce sob o poder papal
A fortuna colossal acumulada pela Igreja romana através de impostos, doações e venda de indulgências permitiu que os papas do século XVI realizassem uma das aspirações mais altas da Renascença italiana: fazer de Roma uma cidade cujo esplendor superasse até mesmo o de seu próprio passado.
Os papas consideravam-se os herdeiros dos antigos imperadores romanos e formaram ao seu redor uma corte regular. A cidade passou a ser teatro de encontros diplomáticos, de negócios de todo mundo cristão e, principalmente, importante mercado financeiro. A força financeira da cúria romana ultrapassou todos os príncipes, banqueiros e mercadores do norte da Itália.
A riqueza acumulada permitiu ao papa gastos mais suntuosos em cultura e arte. Sisto IV (1471-84) fez encomendas luxuosas para a decoração de sua capela na residência papal, que acabaria levando seu nome, Sistina. Mas foi com Júlio II (1503-13) que Roma cresceu em esplendor com novas igrejas e monumentos, erguidos e decorados pelos melhores arquitetos e artistas.
Capela Sistina
Situada na residência oficial do Papa, no Vaticano, a Capela Sistina, tem seu nome em homenagem ao papa Sisto IV que, entre 1477 e 1480, restaurou a antiga capela. A arquitetura da capela sistina inspirou-se nas descrições do Templo de Salomão, contidas no Antigo Testamento: forma retangular medindo 40,93 m de comprimento, 13,41 m de largura e 20,70 m de altura.
Os afrescos começaram a ser realizados ainda durante a reforma empreendida por Sisto IV e continuaram nos pontificados seguintes. Os maiores artistas da Renascença italiana, incluindo Michelangelo, Rafael, Bernini e Sandro Botticelli colocaram seus talentos a serviço dos papas. Os afrescos retratam episódios do Velho e no Novo Testamento e recobrem as paredes laterais e o teto da capela sistina.
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Parede do altar: pintada por Michelangelo, representa o Juízo Final, tendo Cristo na parte central da composição. Ele é o Juiz dos eleitos que sobem ao Céu à sua direita, enquanto os condenados, abaixo à esquerda, entram nas barcas que os conduzem ao inferno.
No canto superior direito de O Juízo Final, observe o quadrado escuro: ele foi deixado pelos restauradores para que o público veja a diferença de cores, servindo como amostra do “antes e depois” do trabalho de restauração.
No teto da capela sistina: episódios do Gênesis, pintados por Michelangelo, entre eles, o célebre afresco A Criação de Adão.
No piso da capela sistina: mosaico de mármore formando círculos, losangos e rosáceas nas cores preto, branco, vermelho, amarelo e verde.
Nas paredes da capela sistina: pinturas simulando tapeçarias.
Michelangelo, o artista dos papas
Foi Michelangelo (1475-1564) quem esteve mais infatigavelmente às ordens do Vaticano. Entre 1505 e até sua morte, em 1564, Michelangelo trabalhou para nove papas diferentes: Júlio II, Leão X, Adriano VI, Clemente VII, Paulo III, Júlio III, Marcelo II, Paulo IV e Pio IV.
Formado em Florença, berço do Renascimento, ele logo conquistou a reputação de grande escultor. Em 1505, o papa Júlio II chamou-o a Roma para que projetasse e esculpisse seu túmulo. Ainda no início do projeto, o papa interrompeu o trabalho de Michelangelo e lhe fez outra encomenda: pintar o teto da Capela Sistina. O artista não queria o serviço, considerava a pintura uma arte inferior e, a essas alturas, crescia sua antipatia pelo papa.
Demorou 2 anos para Michelangelo aceitar o trabalho e o fez a contragosto, realizando a pintura em quatro anos, de 1508 a 1512. Nos 520 m² do teto da capela sistina criou uma obra-prima que marcou época.
O papa Júlio II faleceu em 1513 a tempo de ver o teto da capela Sistina finalizado, mas não o seu túmulo que, das 40 esculturas projetadas, somente uma estava em execução, a monumental escultura de Moisés (1513-15).
Nos anos seguintes, Michelangelo trabalhou em Florença para os papas Leão X (1513-21) e Clemente VII (1523-34), ambos da família Médici. Após a morte desse último, Michelangelo retornou ao Vaticano. Após vinte e dois anos, novamente na Capela Sistina, sua missão era pintar a parede do teto da capela. O tema escolhido foi O Juízo Final, trabalho realizado entre 1534 e 1541. Transcorria, então, o pontificado de Júlio III (1534-49), o papa da Contra-Reforma.
O teto da Capela Sistina

Afrescos do teto da Capela Sistina, pintados por Michelangelo, 1508-12.
Na abóbada de 40 m de comprimento e 13 m de largura, Michelangelo pintou trezentas figuras. Destacam-se os painéis centrais que trazem nove episódios do Gênesis:
- Deus separando a Luz das Trevas;
- Criação do Sol e da Lua;
- Separação da terra e das águas;
- Criação de Adão;
- Criação de Eva;
- Pecado Original e expulsão do Paraíso;
- Sacrifício de Noé;
- Dilúvio Universal;
- Noé Embriagado
Trabalhando sobre andaimes, ora deitado ora de pé olhando para cima, Michelangelo levou quatro anos para terminar a pintura na capela sistina (1508-12). O trabalho lhe rendeu muitas dores e dificuldades em baixar a cabeça para ler. Depois de terminada a pintura, durante vários meses, só podia ler as cartas levantando-as acima dos olhos, pelo hábito nos andaimes.
A técnica do afresco exige muita perícia do artista, pois a secagem é rápida. Antes de receber a tinta, a superfície é preparada com uma argamassa de cal queimada e areia umedecida, fresca (daí a origem do nome). As pinceladas devem ser precisas e bem planejadas.
Michelangelo recusou ajuda na pintura e só aceitou alguns aprendizes que faziam a parte braçal do trabalho: montar andaimes, preparar pigmentos, limpar pincéis e ampliar os originais que o artista desenhava em menor escala.
“A Criação de Adão”

A Criação de Adão, 1508-12, Michelangelo, teto da Capela Sistina.
O afresco mais famoso do teto da capela sistina é A Criação de Adão, medindo 5,80 m por 2,80 m. As figuras têm tamanhos maiores do que o natural. Deus, representado como um ancião barbudo, aparece envolto em um manto que divide com alguns anjos. Seu braço esquerdo abraça uma figura feminina, normalmente interpretada como sendo Eva – que ainda não foi criada e aguarda no céu para ganhar uma forma humana.
Deus estende o braço direito para tocar o dedo de Adão e lhe dar vida. Adão é representado por um homem jovem, cujo corpo forte e harmonioso concretiza magnificamente o ideal da beleza do Renascimento.
“O Juízo Final”

Juízo Final, de Michelangelo, 1534-41, parede do altar, Capela Sistina, Vaticano.
Michelangelo estava com sessenta anos de idade quando, em 1534, iniciou o grandioso afresco de O Juízo Final, na parede atrás do altar da Capela Sistina, medindo 13,7 m x 12,2 m.
O mundo ocidental sofria, então, a crise espiritual e política da Reforma. O papa Paulo III (1534-1549) convocou o Concílio de Trento, dando início à chamada Contra-Reforma, e reativou o Tribunal do Santo Ofício da Inquisição para perseguir hereges, vigiar os fiéis e censurar a produção cultural.
O clima pessimista transparece na visão sombria de O Juízo Final (1534-41) onde Michelangelo expressou o conceito de Justiça Divina, implacável em relação aos condenados. Cristo na parte central da composição, é uma figura vigorosa e severa que contrasta com a figura delicada da Virgem Maria ao seu lado.
A humanidade, tantos os justos como os pecadores, amontoada em grupos compactos, suplica a clemência divina. Abaixo de Cristo, sentado em uma nuvem, o apóstolo Bartolomeu segura uma pele humana, em alusão ao seu martírio (fora esfolado). A face representada na pele não é a do santo, mas sim a do próprio Michelangelo. No sarcasmo impiedoso deste autorretrato (tão bem escondido que só foi reconhecido recentemente) o artista deixou a sua confissão pessoal de culpa e desmerecimento.
Mais abaixo, a composição é completada com um grupo de anjos tocando trombetas, a ressurreição dos mortos (à esquerda) e a condução dos condenados para o inferno (à direita) em um bote guiado por Caronte, figura mitológica grega que levava as almas.
Michelangelo, um percursor do barroco?
Se Michelangelo é considerado um artista exemplar do Renascimento, há quem veja nele evidências de estilos que surgiriam a seguir: o Maneirismo e o Barroco. Para os especialistas, o afresco O Juízo Final aponta algumas mudanças ao representar pessoas em posições peculiares, com os corpos contorcidos e sempre em movimento. Segundo eles, a genialidade de Michelangelo ultrapassou as fronteiras do Renascimento antecipando o Maneirismo da segunda metade do século XVI cujo maior exemplo foi El Greco, e o Barroco, que predominou no período de 1600-1750 e teve em Caravaggio um de seus expoentes.
A Capela Sistina hoje
Entre 1980 e 1994, os afrescos do teto e altar realizados por Michelangelo foram restaurados. O trabalho é considerado um dos mais significativos em recuperação de obras de arte do século XX.
A restauração reparou rachaduras e danos estruturais que ameaçavam a estabilidade do gesso. Foram removidas camadas de sujeira, cristais de sal depositados por infiltrações de água, cera e fuligem pela queima de velas na capela sistina durante 500 anos.
O resultado de quatorze anos de trabalho foi a revelação de cores e detalhes escondidos por séculos.
Atualmente, a maior preocupação tem sido o crescente fluxo de turistas que já supera 20.000 visitantes diários totalizando, em 2015, 5 milhões de pessoas. Isso tem alertado autoridades e especialistas a buscarem novo sistema de climatização para ventilação, controle de umidade e temperatura e retirada de pó.
A Capela Sistina é o local onde se realiza o conclave, a reunião de cardeais para a escolha de um novo papa.
“Que espírito é tão vazio e cego, que não consegue reconhecer o fato de que o pé é mais nobre do que o sapato, e a pele é mais bela do que a seda com que está vestida? (Michelangelo)
Fonte
- COLONNA, Giovanni & DONATI, Maria. Museus do Vaticano. Lisboa: Verbo, s/d.
- SALVINI, Roberto. Capela Sistina. In: Museus do Vaticano – Roma. São Paulo: Melhoramentos, 1979.
- JANSON, H.W. História Geral da Arte. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
- HAUSER, Arnold. História social da literatura e da arte. São Paulo: Mestre Jou, 1972.
[…] eram símbolos de luxo e grandeza. O piso lembra o da Abadia de Westminster, em Londres e o da Capela Sistina, no […]