Réveillon significa, em francês, “véspera”, e vem do verbo réveiller, “acordar” — isto é, a “véspera do despertar do ano”. A palavra surgiu no século XVII para denominar eventos populares entre os nobres franceses: jantares longos e chiques, que iam até depois da meia-noite, nas vésperas de datas importantes. Esses festejos gastronômicos noturnos eram realizados várias vezes ao ano, mas com o tempo foram se reduzindo até se limitarem ao Ano Novo.
Um fato curioso, no século XIX, o Réveillon virou moda nas colônias e áreas de influência da França – que eram muitas, já que ela era a superpotência cultural da época. No Brasil, os primeiros Réveillons foram realizados na corte de dom Pedro II, no Rio de Janeiro, e logo copiados pelas elites paulistas. Mas alguns detalhes foram incorporados depois, recheando o jantar francês com um sincretismo bem brasileiro.
A comemoração do Ano Novo é muito mais antiga e remonta à época dos romanos. Mas dessa época até nossos dias a data do Ano Novo passou por muitas alterações.
CONTEÚDO
- Ano Novo no Império Romano
- Jano, o deus de Janeiro
- As duas faces de Jano
- O Ano Novo na Idade Média
- O calendário gregoriano
- O Ano Novo hoje
1. Ano Novo no Império Romano
Foi Júlio César, em 46 a.C., que fixou o 1º de janeiro como o primeiro dia do Ano-Novo ao implantar um novo calendário. Até então, o Ano Novo era celebrado no dia 1º de março.
No dia 1º de Janeiro, os romanos presenteavam-se: os clientes aos seus patrícios e os cidadãos ao Imperador.
O calendário juliano estabelecia doze meses que somavam 365 dias distribuídos em uma sequência de 31, 30, 31, 30… de Januarius a Decembris, com exceção de Februarius que ficou com 29 dias (mas, a cada três anos, teria 30 dias). Posteriormente, o imperador Otávio Augusto, em 8 a.C., determinou que os anos bissextos ocorressem de quatro em quatro anos e que Februarius tivesse 28 ou 29 dias.
Janeiro, o primeiro mês, era dedicado a Jano um dos mais antigos deuses de Roma e sem equivalente na mitologia grega. Em sua honra, eram celebradas as januálias no começo de janeiro. Todo dia primeiro de cada mês era-lhe, também, dedicado.
2. Jano, o deus de Janeiro
Jano presidia os começos: o início do ano, de uma empresa, negócio ou obra. Intervinha nas ações dos deuses e dos homens. Era o deus das decisões e das escolhas.
Mas todo começo contêm, em si, o fim e por isso Jano era representado com duas faces contrapostas: uma envelhecida com barba e outra jovem. Elas simbolizavam, respectivamente, o passado e o futuro. Podia ser representado, também, com uma face masculina e outra feminina, provavelmente simbolizando o Sol e a Lua.
Jano era o deus das transformações e das passagens, marcando a transição e a mudança de um estágio a outro.
Dia 1º de Janeiro, “a porta que abre o ano”, continha o ano velho que se encerrou e o ano novo com todos segredos do futuro. Jano era responsável por abrir as portas ao ano que se iniciava.
Seu templo ficava aberto durante a guerra, a fim de que o deus pudesse sair e ajudar o exército romano, e fechado em tempo de paz, para impedir que ele abandonasse a cidade.
3. As duas faces de Jano
A dupla face de Jano simbolizava, também, a capacidade de avaliar os prós e os contras, a direita e a esquerda, aquilo que se mostra e aquilo que se esconde, o interior e o exterior, a frente e as costas. Neste sentido, Jano é o senhor da sabedoria.
É significativo lembrar que Freud, pai da psicanálise, possuía em seu escritório uma cabeça de Jano, de origem romana. Uma analogia às duas faces do ser humano, atormentado pela dualidade entre o inconsciente e o consciente, suas forças interiores, intuitivas e instintivas e suas forças exteriores comandadas por crenças, valores e padrões sociais.
Hoje, quando nos entusiasmamos com as novidades e o sucesso, Jano nos mostra que tudo tem duas faces e que nada é permanente e imutável.
4. O Ano Novo na Idade Média
O calendário juliano continuou sendo usado na Idade Média, mas o tempo passou a ser marcado pelas grandes festas religiosas: Natal, Páscoa e Pentecostes. A comemoração do Ano Novo, no dia 1º de Janeiro, foi considerada pagã pela Igreja que escolheu o dia 25 de março, dia da Anunciação, como o primeiro dia do ano.
A escolha, porém, não foi aceita por toda cristandade europeia e o início do ano civil teve outras datas, conforme o reino, a região ou a cidade: 1º de março (em Veneza, por exemplo), 1º de setembro (no Império Bizantino) ou 25 de dezembro (na Inglaterra). Já os astrônomos mantiveram o 1º de janeiro como início do ano.
Para o homem comum da Idade Média, contudo, o calendário civil não importava: o tempo era marcado pelas atividades agrícolas e pelas festas religiosas, e o Ano-Novo não era relevante.
5. O calendário gregoriano
O calendário juliano manteve-se por mais de mil e seiscentos anos. Todavia, neste tempo, foi-se perdendo a sincronicidade entre o calendário civil e o astronômico. Consequentemente, as festas religiosas móveis já não ocorriam nas datas esperadas, como a Páscoa que deveria ocorrer no primeiro domingo depois da lua cheia da primavera.
Para trazer o equinócio para o dia 21 de março, o Papa Gregório XIII convocou um grupo de estudiosos para “acertar” o calendário. A solução foi cortar 10 dias do calendário juliano.
Ao ser anunciado o novo calendário, em outubro de 1582, o Papa ordenou que o dia imediato à quinta-feira, 4 de outubro, fosse sexta-feira, 15 de outubro. Manteve-se o dia da semana, mas eliminaram-se dez dias do mês.
O calendário gregoriano foi imediatamente adotado nos países católicos: Espanha, Itália, Portugal, Polônia e França. No resto da cristandade levou três séculos para ser aceito.
A Grã-Bretanha e os países protestantes apenas adotaram o novo calendário no século XVIII, preferindo, segundo o astrônomo Johannes Kepler a “estar em desacordo com o Sol a estar de acordo com o Papa”.
Assim, o uso de diferentes calendários na Europa, entre os séculos XVI e XVIII torna complicado relacionar datas e fatos e, muito menos, falar sobre festejos comuns de Ano Novo. A respeito dessa confusão, o pesquisador Whitrow cita um exemplo:
“Afirmou-se algumas vezes, por exemplo, que Cervantes morreu no mesmo dia que Shakespeare. Infelizmente essa notável coincidência não ocorreu. Cervantes morreu em Madri num sábado, 23 de abril de 1616, segundo o calendário gregoriano já em uso ali, ao passo que Shakespeare morreu em Stratford-upon-Avon numa terça-feira, 23 de abril de 1616, segundo o calendário juliano que vigorava no país. A data gregoriana correspondente a esta é terça-feira, 3 de maio de 1616. Assim, na verdade Shakespeare sobreviveu a Cervantes por dez dias.” (WHITROW, 1993, P. 137).
Nova confusão de calendários ocorreu quando, em 1792, a França introduziu um “calendário revolucionário”. Decretou-se que o Ano I começaria em 22 de setembro de 1792, o dia da proclamação da República. Até 1806, quando esse calendário foi abolido por Napoleão, os franceses comemoraram o Ano Novo no dia 22 de setembro. Em 1806, o calendário gregoriano foi restabelecido na França.
Fora da Europa, o calendário gregoriano demorou ainda mais para ser aceito. O Japão aprovou-o em 1873 e a China, em 1912 seguindo-se, neste século, a Bulgária, a Rússia (após a Revolução de Outubro de 1917), a Romênia, a Grécia e a Turquia.
As igrejas ortodoxas do Oriente continuaram a usar o calendário juliano ainda hoje, mas de acordo com a reforma feita em 1923. Na Etiópia, por exemplo, o Ano Novo é festejado no dia 11 de setembro.
6. Ano Novo hoje
Atualmente, o dia 1º de Janeiro é festejado em quase todos os países como o primeiro dia do Ano Novo, mas isso não é universal. Budistas, muçulmanos, hinduístas, judeus e chineses, só para citar os exemplos mais conhecidos, têm outras datas de Ano Novo.
Em 1967, o Papa Paulo VI declarou o 1º de janeiro como Dia Mundial da Paz. Desde então, os papas têm por costume escolher um tema e escrever uma mensagem para este dia. A ONU reconhece esse dia como Dia da Confraternização Universal, dia do diálogo e da paz entre os povos. Dia reservado à reflexão de como queremos que o mundo seja no ano que se inicia e quando trocamos votos de paz, felicidade, saúde e prosperidade.
No Brasil, o dia 1º de Janeiro é feriado nacional desde 1949, conforme lei assinada pelo então presidente Eurico Gaspar Dutra.
Fonte
- BORNEQUE, Henri & MORNET, Daniel. Roma e os romanos. São Paulo: EPU, 1976.
- CHEVALIER, Jean & GHEERBRANT, Alain. Dicionário de símbolos. Rio de Janeiro, 1990.
- LE GOFF, Jacques. Tempo. In: LE GOFF, Jacques & SCHMITT, Jean-Claude. Dicionário temático do Ocidente Medieval, v.2. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2002.
- LURKER, Manfred. Dicionário de Simbologia. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
- SPALDING, Tassilo Orpheu. Dicionário da mitologia latina. São Paulo: Cultrix, 1993.
- WHITROW, Gerald James. O tempo na História. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993.
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