O Antigo Egito sempre exerceu, desde a Antiguidade, uma forte atração sobre os povos do Ocidente. Mas foi a partir do século XIX, especialmente com o avanço da arqueologia, que o impacto desse fascínio tomou proporções ainda maiores sobre a imaginação das pessoas, dando origem à Egiptomania que atingiu as artes e o cinema, e que chegou aos nossos dias.
A Egiptomania do século XIX aos nossos dias
A expedição de Napoleão Bonaparte ao Egito (1798-1801) não se limitou à conquista militar, mas deu os primeiros passos à arqueologia egípcia inaugurando a Egiptologia, a ciência encarregada de estudar o Egito dos faraós, a história da cultura egípcia. O general francês levou consigo estudiosos que fizeram anotações e desenhos minuciosos que resultaram em dois catálogos. Um deles é a Description de l’Egyte, que logo despertou o interesse dos europeus pelas maravilhas e exotismos dos monumentos egípcios antigos.
A decifração dos hieróglifos por Jean-François Champollion, em 1824, analisando a Pedra da Roseta, ao mesmo tempo que deu novo impulso ao estudo da história do Egito, reforçou o fascínio e o mistério que alimentaram a Egiptomania.
A Egiptomania, definida pela egiptóloga brasileira Margaret Bakos como re-interpretação e re-uso de aspectos da cultura do antigo Egito, atingiu todas as artes: a arquitetura (obeliscos, colunas, monumentos funerários até a denominação de edifícios), a escultura (esfinges), a música (como a ópera Aída, de Verdi, 1871), a pintura e até mesmo a moda. A maçonaria adotou a pirâmide como símbolo, que também foi impresso na moeda americana de 1 dólar.
A história do Egito antigo invadiu outros setores. Teatros e circos europeus anunciavam a exibição de múmias “autênticas”. Cartomantes consultavam o “tarot oculto” que diziam ter vindo diretamente do Egito. Imagens e símbolos egípcios apareciam em louças, talheres, móveis, objetos de decoração e até na criação de logotipos na publicidade.
Em 1912, o busto de Nefertiti, desenterrado próximo da cidade real de Amarna, reforçou a Egiptomania exercendo decisiva influência sobre os novos ideais de beleza feminina no século XX.
A Egiptomania continua nos nossos dias, especialmente na arquitetura monumental. Em 1978, o Museu Metropolitano de Arte, de Nova York, reconstruiu o Templo de Dendur dentro de suas próprias instalações. Em 1989, o Louvre, em Paris, ergueu uma pirâmide de vidro para servir de entrada monumental do museu. Em 1993, foi inaugurado o luxuoso Hotel Luxor, em Las Vegas, Estados Unidos, exibindo uma gigantesca esfinge e uma réplica do túmulo de Tutancâmon.
O Egito Antigo na literatura de terror
Na literatura, a Egiptomania deu especial destaque às múmias e os mistérios que elas evocam: o retorno à vida, mortos vivos, reencarnação, túmulos e a terrível maldição contra aqueles que perturbam seu sono eterno.
É sob esta inspiração que a autora inglesa Jane Wells Webb Loudon (1807-1858), escreveu The Mummy!, em 1827, onde um espírito vingativo volta à vida e ameaça matar o protagonista da história.
O escritor estadunidense Edgard Allan Poe (1809-1849) foi na mesma direção com o conto satírico, Some words with a mummy, de 1845.
Em 1869, foi a vez da escritora estadunidense Louisa May Alcott (1832-1888) publicar seu conto Lost in a pyramid ou A maldição da múmia. Um explorador usa a múmia de uma sacerdotisa como tocha para iluminar o interior de uma sepultura e encontra uma caixa de ouro contendo três sementes estranhas. Leva-as para os Estados Unidos e entrega-as a sua noiva. A jovem enterra as sementes no jardim e delas nascem umas flores estranhas cujo perfume faz com que a moça caia em coma e se transforme em uma múmia viva.
A ficção mais influente foi publicada em 1903, The Jewel of Seven Stars, do escritor irlandês Bram Stoker, o mesmo autor de Dracula (1897). A obra explora temas como possessão e reencarnação que fariam enorme sucesso. O professor Julian Fuchs encontra a tumba da múmia da Rainha Tera, chamada de “rainha das trevas” por seu envolvimento com poderes malignos. Dizia uma lenda que ela fora assassinada por sacerdotes e trazia, na mão direita decepada, um misterioso anel cujo brilho cintilante formava uma constelação de sete estrelas (daí o título da obra). A rainha Tera volta do além e assombra o professor e sua família.
Outra ocorrência literária da época é o romance policial Death on the Nile, de Agatha Christie, de 1936. Apesar de não explorar o gênero terror com múmias vingativas, a obra vale-se do clima de mistério do Egito para descrever o suspense causado por um crime.
Tuntancâmon e a maldição da múmia
As obras literárias inspiradas pela Egiptomania impregnaram no inconsciente coletivo a ideia de espíritos malignos que se vingavam daqueles que perturbassem seu sono eterno. Isso explica a comoção mundial provocada pela noticia da descoberta do faraó Tutancâmon.
A tumba intacta de Tutancâmon com seus fabulosos tesouros foi descoberta em novembro de 1922 pelo arqueólogo Howard Carter e seu patrocinador, o nobre inglês Lord Carnavon. A câmara funerária foi aberta de forma oficial no dia 16 de fevereiro de 1923 diante das autoridades egípcias. Menos de dois meses depois, em 5 de abril, Lord Carnavon morreu vitimado pela infecção causada por um corte de navalha quando fazia a barba. O corte foi acima de uma picada de mosquito que ele levara no Egito.
A imprensa explorou o caso como sendo a maldição da múmia do faraó e a história se tornou uma lenda de renome internacional. Seguiram-se relatos de outras mortes prematuras e de uma suposta inscrição na tumba dizendo “A morte vai atacar com seu tridente aqueles que perturbarem o repouso do faraó”.
O Egito Antigo nos filmes de terror
A literatura de terror plena de mistérios, mortos vivos e reencarnações de espíritos malignos, bem como os rumores divulgados pela mídia sobre a maldição do faraó, foram usados pelo cinema em numerosas produções.
O primeiro filme de terror a tratar do Egito Antigo foi The Mummy, 1932, dirigido por Karl Freund. O célebre ator Boris Karloff interpreta Imhotep, um sacerdote do Egito Antigo, cuja múmia é ressuscitada acidentalmente por um dos membros da expedição arqueológica. A múmia de Imhotep ronda o Cairo a procura de sua antiga amada da qual fora separado sofrendo a pena de ser mumificado vivo. Atraído pelos encantos de uma jovem mulher, que pensa ser sua amada, tenta mumificá-la. Ao final, Imhotep é destruído pelos arqueólogos que queimam o papiro que continha o feitiço que lhe devolvera a vida e sua múmia se transforma em pó.
Em 1940, o filme The Mummy’s Hand, dirigido por Harold Young, segue na mesma linha. O sucesso estimula a produção de outras três sequências, com o mesmo diretor: The Mummy’s Tomb (1942), The Mummy’s Ghost (1944) e The Mummy’s Curse (1944).
The Mummy (traduzido, no Brasil, como A múmia de Ananka), de 1959, dirigido por Terence Fisher, conta a história de um pesquisador e seu filho que viajam ao Egito em busca de relíquias arqueológicas do túmulo da princesa Ananka. Ignorando os riscos, eles profanam a tumba, acordando de seu sono milenar o sacerdote Kharis (Christopher Lee), que deveria vigiar eternamente o túmulo. A maldição da múmia desencadeia terríveis acontecimentos.
A obra The Jewel of seven stars, de Bram Stoker inspirou três filmes: Blood from the mummy’s tomb (1971), dirigido por Seth Holt; The Awakening (1980), dirigido por Mike Newell que ambienta a história na década de 1960; The Tomb (1986), dirigido por Fred Olen Ray, uma versão mais livre.
The Mummy, de 1999, dirigido por Stephen Sommers, é uma refilmagem do clássico de 1932. Com locações em Marrakech, Marrocos e no deserto do Saara, as filmagens foram quase uma maldição devido às tempestades de areia diárias e as picadas sofridas pela equipe de cobras, escorpiões e aranhas.
Apesar dos transtornos, o filme foi um enorme sucesso e teve sequência em The Mummy returns, de 2001, também dirigido por Stephen Sommers. Novamente a múmia de Imhotep volta à vida e vaga pela Terra determinada em concretizar sua busca pela imortalidade. Porém, outra força também está à solta no mundo, o Escorpião Rei e seu exército, que nasceu dos obscuros rituais do misticismo egípcio e tem mais poderes, segredos e força que o temível Imhotep,
Mais recente, o filme The Pyramid, 2014, dirigido por Grégory Levasseur, inova ao dar vida a um vingativo deus egípcio: Anúbis, o terrível deus chacal. Uma equipe de arqueólogos norte-americanos encontra uma rara pirâmide de três lados enterrada no deserto egípcio. Perdidos nas escuras catacumbas, eles são aterrorizados por Anúbis e, desesperados, buscam uma saída antes que seja tarde demais.
Frankenstein x the Mummy, 2015, dirigido por Damien Leone é um delírio ficcional que coloca frente a frente dois monstros clássicos do terror. As criaturas ganham vida pelas mãos de Dr. Victor Frankenstein e da egiptóloga Naihla Khalil, professores de uma importante universidade médica. O primeiro, consegue reanimar o corpo de um louco sádico, enquanto Naihla faz o mesmo com a múmia amaldiçoada de um faraó maligno. Os dois monstros se enfrentam em um combate épico.
O cinema brasileiro também produziu seu filme de temática egípcia: O segredo da múmia, de 1982, dirigido por Ivan Cardoso. É considerado um filme trash pois, apesar de ser de terror, ao invés de causar medo ou tensão, acaba sendo engraçado. Conta a história de um cientista que ridicularizado por seus colegas, tenta provar que sua maior descoberta, o “elixir da vida”, realmente funciona. Para isso, ele decide ressuscitar uma recém descoberta múmia egípcia.
O exotismo de uma civilização de tempos longínquos, com uma arquitetura monumental cercada de mistérios sobre sua relação com a morte continua exercendo um forte fascínio sobre as mentes das pessoas comuns. Fascínio que certamente, continuará alimentando as artes e as mídias de entretenimento.