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O Brasil colonial passado a limpo: 13 afirmações ultrapassadas

19 de julho de 2024

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A História do Brasil colonial tem passado nas últimas décadas por uma profunda revisão. Fatos, conceitos, estruturas históricas, costumes, tipos sociais entre outros foram problematizados pela historiografia e ganharam novas interpretações e matizes revelando a complexidade desse período.

Enumeramos 13 abordagens antigas sobre o Brasil colonial (algumas são interpretações clássicas) que não mais se sustentam frente aos novos estudos. Privilegiamos aquilo que está mais presente no ensino de História e no senso comum. São elas:

  1. “O descobrimento foi intencional pois Portugal já sabia da existência de terras a oeste da África.”
  2. “A extração do pau-brasil e o escambo com os indígenas limitaram-se ao período pré-colonial.”
  3. “A economia colonial caracterizou-se pelos ciclos do pau-brasil, da cana de açúcar, da pecuária e do ouro.”
  4. “Bandeirantes, uma raça de gigantes que desbravou e expandiu as fronteiras do Brasil colonial.”
  5. “As Capitanias Hereditárias foram criadas para melhor colonizar e explorar o Brasil colonial.”
  6. “Toda vida colonial girava em torno da casa grande.”
  7. “A senzala era um grande galpão onde os escravos eram trancados depois do trabalho diário.”
  8. “O engenho colonial era um latifúndio com centenas de escravos.”
  9. “A colonização baseou-se na tripé latifúndio, monocultura e trabalho escravo.”
  10. “Se o escravo juntasse a quantia equivalente ao seu valor, ele podia comprar sua liberdade.”
  11. “A mulher era submissa ao domínio masculino na sociedade patriarcal do Brasil colônia.”
  12. “A escravização indígena ocorreu no início da colonização e foi substituída pela escravidão africana.”
  13. “O pacto colonial era a base sobre a qual se assentava o domínio da metrópole.”

1. “O descobrimento foi intencional pois Portugal já sabia da existência de terras a oeste da África.”

Tese polêmica. Ao contrário do que se pensa, as informações sobre a expedição de Pedro Álvares Cabral não se resumem à carta de Pero Vaz de Caminha. A documentação sobre a viagem do descobrimento é vasta, embora imprecisa em diversos aspectos. Estudos dessa documentação permitem presumir que Portugal suspeitava da existência de terras no Atlântico sul, a oeste da África, muito antes de 1500.

Mas suspeita não quer dizer certeza. A intransigência de Portugal em alterar a demarcação do meridiano de 100 léguas de Cabo Verde (bula Inter coeterea, 1493) para 370 léguas (Tratado de Tordesilhas, 1494) não é prova inconteste da intencionalidade do “descobrimento” de 1500. Segundo Romero de Magalhães, D. João III pretendia garantir a segurança da navegação portuguesa para o Oriente que, naquele momento, estava em sua etapa decisiva próximo de atingir a Índia. O mesmo historiador afirma que nenhum documento prova que o rei tenha ordenado uma “parada” no Brasil colonial para tomar posse da terra antes de seguir à Índia.

Sobre o suposto pioneirismo português na descoberta do Brasil, estudos recentes indicam que,em janeiro de 1500,  os espanhóis Vicente Pinzón e Diego de Lepe estiveram na costa hoje correspondente ao Ceará, Piauí, Maranhão, Pará e Amapá, chegando ao Amazonas.

Outra questão polêmica diz respeito ao termo descobrimento usado para as expedições de Colombo e de Cabral. Frontalmente questionado por seu caráter eurocêntrico, o termo caiu em desuso até entre os historiadores portugueses que preferem falar em reconhecimento ou achamento. Há ainda aqueles que, sob a perspectiva da população nativa exterminada, referem-se a este fato como conquista ou genocídio.

2. “A extração do pau-brasil e o escambo com os indígenas limitaram-se ao período pré-colonial.”

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Mapa “Terra Brasilis”, de Lopo Homem, Atlas Miller, 1519, Biblioteca Nacional, França.

Ideia enganosa. De fato, entre 1500 e 1530, praticou-se o escambo com os indígenas para obtenção do pau-brasil. Mas nem o escambo nem o comércio do pau-brasil limitaram-se a esse período. A exploração do pau-brasil continuou ativa durante todo período colonial, figurando com destaque nas exportações brasileiras ainda na segunda metade do século XIX. Em troca da derrubada e transporte dos troncos até o litoral, os indígenas recebiam facas, espelhos, miçangas, tesouras, foices e machados de ferro. A difusão do uso desses machados em substituição aos de pedra aumentou sobremaneira a produtividade do trabalho reduzindo o tempo para a derrubada das árvores.

O escambo não se restringiu à exploração do pau-brasil. Através do escambo, os colonos obtinham milho, farinhas, esteiras e cerâmica. Foi por meio dele, também, que os portugueses obtiveram mão de obra escrava para os engenhos nascentes. Os índios cativos eram chamados de “negros da terra” ou “negros brasis”. Expedições formadas sobretudo por mamelucos praticavam escambo para obtenção de índios aprisionados em guerras, ou de mulheres. Em troca, forneciam armas de fogo, pólvora, cavalos, espadas.

O escambo alterou o modus vivendi dos indígenas e suas relações com os colonizadores. As populações indígenas da costa caíram em uma relativa dependência daqueles produtos europeus, o que pesou nas opções de alianças ou guerra que moveram contra colonizadores.

3. “A economia colonial caracterizou-se pelos ciclos do pau-brasil, da cana de açúcar, da pecuária e do ouro.”

Errado. A teoria dos ciclos econômicos foi defendida por Roberto Simonsen em sua obra História econômica do Brasil, de 1937 e persistiu por décadas, mesmo contestada, já em 1942, por Caio Prado Jr., em Formação do Brasil contemporâneo.

A teoria dos ciclos pressupõe que cada produto ocupou um período delimitado (com começo, meio e fim) na história econômica do país, o que não é verdade para a história econômica do Brasil colonial. Em nenhum momento, os produtos líderes da exportação tiveram suas atividades interrompidas. O pau-brasil foi exportado até a segunda metade do século XIX.  O açúcar nunca deixou de se expandir, inclusive para além do nordeste, como foi no norte fluminense no XVIII. Foi a base da economia colonial e ainda hoje tem destaque na economia brasileira sendo o Brasil o principal produtor de cana de açúcar do mundo. A pecuária nunca desapareceu. O ouro continuou sendo extraído, em escala reduzida, até o início do XIX.

4. “Bandeirantes, uma raça de gigantes que desbravou e expandiu as fronteiras do Brasil colonial.”

Bandeirantes, de Belmonte, uma representação icônica dos paulistas setecentistas.

Ilustração de Belmonte para sua obra “No tempo dos bandeirantes” (1939) tornou-se uma representação icônica dos paulistas setecentistas.

Mito. Os bandeirantes constituem um dos grandes mitos da historiografia brasileira que nasceu a partir das obras de Saint-Hilaire, Afonso de Taunay, Alfredo Elis Jr. e Oliveira Viana. A obra de Belmonte,  No tempo dos Bandeirantes (1939) ilustrada pelo autor, reforçou a visão heroica a respeito desses personagens

Descolando-se do viés ufanista, os bandeirantes estão longe da imagem de “raça de gigantes” que lhes foi dada. Por outro lado, a imagem de cruéis caçadores de índios também deve ser relativizada pois ela se baseia em documentos escritos por jesuítas interessados em obter aliados contra os paulistas.

Os bandeirantes eram, na verdade, modestos lavradores, pequenos mercadores e aventureiros rústicos que se dedicavam à agricultura de subsistência e à captura de índios.

O fracasso do açúcar em São Vicente, levou os colonos a subirem a serra e se estabelecerem nos campos de Piratininga. Ali realizaram o cultivo de trigo, algodão, vinha e frutas mediterrâneas, e a criação de gado.

Segundo John Monteiro, na primeira metade do XVII, os paulistas eram grandes produtores de trigo e necessitavam de escravos indígenas. As expedições de apresamento e os ataques às missões serviram para abastecer as lavouras paulistas de mão de obra e não, como muitos disseram, para vender indígenas escravizados aos senhores de engenho do Nordeste.

Quanto à interiorização do Brasil, é importante lembrar do papel da pecuária nesse processo. A criação de gado que começou nas proximidades dos engenhos foi, especialmente, a partir do inicio do século XVIII, responsável pela ocupação do “grande sertão”. Os criadores penetraram no interior do Piauí, Maranhão, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará e, a partir da área do rio São Francisco, chegaram aos rios Tocantins e Araguaia. No fim do século XVII existiam propriedades no sertão baiano maiores do que Portugal e um grande fazendeiro chegava a possuir mais de 1 milhão de hectares em terra (FAUSTO, 2001, p. 44).

5. “As Capitanias Hereditárias foram criadas para melhor colonizar e explorar o Brasil colonial.”

Não foi bem assim. O sistema de capitanias hereditárias surgiu no final da Idade Média e foi aplicado na colonização do arquipélago da Madeira. Era uma forma de promover a exploração da colônia sem ônus para o Estado. Introduzido no Brasil colonial em 1534, as capitanias foram entregues a membros da pequena nobreza portuguesa em recompensa a serviços prestados na expansão ultramarina no Oriente. Muitos desses homens, contudo, jamais vieram ao Brasil colonial e outros desistiram diante das primeiras dificuldades.

O fracasso da maioria das capitanias (excetuando-se Pernambuco, Porto Seguro, Ilhéus e São Vicente) levou D. João III a rever sua política de colonização. A capitania da Bahia, com a morte do donatário Francisco Pereira Coutinho, foi retomada pelo rei que a transformou em capitania da Coroa e ali sediou o governo geral. Isso significava que o Estado passaria a investir nessa capitania para implementar sua colonização.

As capitanias ou donatarias continuaram existindo, mas ao longo do tempo, muitas foram reincorporadas ao patrimônio régio revelando que somente a Coroa tinha recursos para assumir os riscos inerentes ao avanço da colonização.

No início do século XVII, a colônia possuía 8 capitanias reais (Bahia, Rio de Janeiro, Sergipe, Paraíba, Ceará, Maranhão, Pará e Rio Grande) e 7 capitanias hereditárias (São Vicente, Santo Amaro, Espirito Santo, Porto Seguro, Ilhéus, Pernambuco e Itamaracá).

A partir de 1753, as capitanias doadas a particulares praticamente não existiam mais, o sistema tornou-se centralizado com a implantação das capitanias reais ou gerais subordinadas à Coroa que nomeava seu governador. As capitanias reais se consolidaram como modelo administrativo até 1821.

6. “Toda vida colonial girava em torno da casa grande.”

Em termos. O termo casa grande é tão presente na historiografia que se imagina que fosse utilizado desde os primeiros tempos coloniais. Engano, os grandes senhores sequer conheciam esse termo. Eles chamavam sua residência de casa de morada ou casa de vivenda.

Além disso, a casa grande não era a moradia da maior parte da população e sequer era uma residência suntuosa. Não tinha qualquer ostentação na mobília e nos utensílios. Paredes nuas e o mínimo de móveis: poucas mesas e cadeiras, alguns tamboretes e canastras e, para dormir, redes, esteiras e catres. Na cozinha e nas mesas, usava-se cerâmica indígena, objetos de estanho, de vidro e poucos de prata. Talheres eram raros. Os sinais de riqueza e prestígio estavam, na verdade, no vestuário e na quantidade de escravos.

Foi somente com a vinda da Corte portuguesa para o Brasil colonial, que as casas dos senhores ricos começaram a ganhar opulência e maior variedade de bens.

A casa grande também está longe de se parecer com as imponentes casas de fazendas do sul dos Estados Unidos e do Caribe cercadas de amplos jardins e distantes das demais construções. No Brasil colonial, para se proteger dos ataques indígenas, construíam-se todas edificações muito próximas, grudadas: casa grande, senzala, paiol, casa de farinha, engenho, casa de despejo etc.  Com isso, não se distinguiam os lugares de morar e de trabalhar. Além disso, a proximidade das construções colocava em contado diário e muito próximo escravizados, senhores, feitores, mestres do açúcar, artesãos, lavradores livres etc. Isso, certamente, influenciou as relações sociais na colônia e favoreceu as trocas culturais entre colonos e africanos.

7. “A senzala era um grande galpão onde os escravos eram trancados depois do trabalho diário.”

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Casa de negros, de Rugendas, início do XIX.

Mito. Em primeiro lugar, o termo senzala não era comum no Brasil colonial até o século XVIII. Palavra de origem kimbundu, idioma banto, significando “povoado”, ela demorou a ser adotada na colônia. Chamava-se, até então de casa dos negros ou casa dos escravos, as choupanas, cabanas, choças ou palhoças para onde se recolhiam os escravizados depois dos trabalhos diários.  Os termos destacam a pequenez, rusticidade e pobreza das habitações dos escravos como foram registradas por Debret e Rugendas no início do século XIX.

As aquarelas desses viajantes franceses reforçam o que as pesquisas recentes sobre o cotidiano da escravidão têm revelado: a imagem tradicional de senzalas coletivas e trancadas a chave foi incomum no período colonial.

Na verdade, existiram variados tipos de senzala quanto à construção e à composição de seus ocupantes. Havia senzalas onde homens e mulheres eram mantidos separados. Em muitas unidades produtoras, escravos que constituíam família podiam ter acesso a uma cabana separada.

Muitos escravos dormiam dentro das moradias senhoriais. Estudando documentos de 1731 e 1752 de um engenho de jesuítas, Schwartz encontrou descrições de cabanas de escravos onde moravam avós, netos, irmãos, sobrinhos e até afilhados.

8. “O engenho colonial era um latifúndio com centenas de escravos.”

Foi uma exceção, não a regra. Esse modelo de engenho era atípico e diz respeito unicamente ao bem-sucedido engenho de Sergipe do Conde, no recôncavo baiano, pertencente aos jesuítas e descrito por Antonil, em Cultura e opulência do Brasil, de 1711.

A grande maioria dos engenhos não possuía tanta terra nem tantos escravos. O número médio de escravos por engenho era de 65. Segundo Stuart  Schwartz, apenas um engenho tinha mais de 200 escravos e só 15% tinham entre 100 e 150. Em outras áreas açucareiras do Brasil colonial, o número médio de escravos era ainda menor. No Rio de Janeiro e na Bahia, por exemplo, a escravaria mais comum oscilava entre 35 e 20 cativos no final do XVIII.

Havia engenhos de todos os tipos e complexidade. O mais rico era o engenho real, movido a água, que poderia produzir 4 mil pães de açúcar a partir de canas moídas de sua propriedade e as de lavradores sem engenho. Os demais engenhos eram movidos por escravos ou animais. Haviam ainda as engenhocas voltadas para a produção de aguardente.

Ao contrário do que se imagina, os engenhos não fizeram a fortuna de seus proprietários. Davam prestígio e poder, mas nem sempre geraram riqueza material. Calcula-se em torno de 10% a lucratividade anual média de um engenho. Os senhores de engenho viviam sob o risco de falência causada por fatores climáticos adversos (chuvas ou secas prolongadas), morte de escravos por epidemias, endividamento, ausência de lenha para as fornalhas etc. Raros foram os engenhos que passaram para a segunda geração. A lucratividade da economia açucareira estava, na verdade, no comércio e não na produção do açúcar.

9. “A colonização baseou-se no tripé latifúndio, monocultura e trabalho escravo.”

Engenho, detalhe, de Franz Post, 1648

Engenho, detalhe, de Franz Post, 1648

Em termos. Houve quem afirmasse que o engenho de açúcar foi o modelo da plantation no Brasil colonial, tomando o conceito em inglês para indicar a grande unidade agrícola voltada para o mercado externo. Há um consenso na historiografia de que a economia colonial assentava-se sobre a unidade escravista de grande porte voltada para exportação, porém diverge-se quanto ao seu caráter monocultor e latifundiário.

A agricultura da cana era especializada mas sem ser monocultora. As unidades produziam alimentos para consumo interno. A dimensão da terra é discutível e as pesquisas mais recentes têm demonstrado que o modelo de plantation ou grande lavoura não se sustenta, pois a terra não era tão extensa como se supunha e seu tamanho variava muito de região para região.

Não se pode generalizar, também, que toda grande unidade produtora com muitos escravos era voltada para o mercado externo. Havia muitas unidades voltadas para a exportação que eram trabalhadas por poucos escravos e até mesmo com mão de obra familiar. Por outro lado, havia diversas unidades com grande escravaria produzindo para o mercado interno.

Na região das minas, desde o início do século XVIII, onde estava a maior concentração de escravos de toda colônia, grande parte da mão de obra cativa era utilizada na produção de alimentos e na pecuária para abastecimento interno, e não para atividades de exportação (FRAGOSO, 1998, P. 58-59.)

10. “Se o escravo juntasse a quantia equivalente ao seu valor, ele podia comprar sua liberdade.”

Em termos. O ato de alforriar era considerado uma concessão senhorial. Isso significava que, na prática, não adiantava o escravo conseguir juntar a quantia necessária para pagar por sua liberdade, pois o senhor não estava obrigado a conceder-lhe a alforria.

Eram poucos os escravos capazes de ter acesso à liberdade. Estima-se que somente entre 0,5% e 2% da população escrava tenha conseguido sua alforria por compra.

Tradicionalmente pensava-se que a maioria dos escravos alforriados era composta por velhos e doentes que, por serem improdutivos, seriam “descartados” pelos senhores. Contudo, pesquisas recentes revelaram que os velhos e doentes nunca chegaram a 10% das alforrias concedidas.

A maioria dos alforriados eram crioulos, isto é, escravos nascidos no Brasil colonial (apesar que os africanos constituíssem a grande maioria, cerca de 70% da população escrava). Entre eles, as mulheres eram majoritárias. Em algumas regiões, a proporção de alforriados era de 2 mulheres para cada homem. Isso se explica pelo preço inferior da mulher e por seus laços afetivos com os senhores fossem como amas de leite ou amantes.

A vida do alforriado certamente era de pobreza já que eles gastavam todas suas economias para comprar a liberdade. Contudo, há farta documentação que atesta que existiram forros, especialmente mulheres, que fizeram fortuna e se tornaram proprietários de escravos e bens.

11. “A mulher era submissa ao domínio masculino na sociedade patriarcal do Brasil colônia.”

Nem tanto. Entre os historiadores, há certo consenso sobre o poder dos grandes senhores na esfera pública e privada, mas divergem se o modelo de família patriarcal era geral. Acredita-se que esse modelo se restringiu à elite colonial, inexistindo em outros grupos sociais, especialmente entre as camadas mais pobres.

Estudos sobre a mulher no período colonial vêm demolindo o estereótipo sustentado pela historiografia tradicional da mulher enclausurada, religiosa e submissa ao domínio masculino. Esse era o padrão de conduta feminina  idealizada pela Igreja e moralistas. Vinculado a esse padrão, citavam-se exemplos de pais e maridos que mataram filhas e esposas suspeitas de algum desvio, e de mulheres que foram condenadas a viver reclusas em conventos por infidelidade ou rebeldia.

Se, na sociedade colonial, existiram mulheres submetidas ao domínio masculino, possivelmente a maioria, houve também muitas mulheres que desafiaram aquele padrão. A existência de pedidos de divórcio por parte das mulheres, fugas, raptos com a concordância das mulheres, casamentos de mulheres à revelia de homens poderosos e outras transgressões demonstram que as mulheres nem sempre foram submissas e nem o poder masculino foi pleno e inquestionável.

Além disso, existiram mulheres que administraram engenhos, vendas e tabernas. Em centros urbanos, quase 50% das moradias eram chefiadas por mulheres. Houve, inclusive, mulheres na administração colonial.

Se a imagem da mulher submissa se refere às mulheres brancas da elite, as demais ganharam outro estereótipo. Negras, mulatas, índias ou mamelucas foram vistas como objeto de desejo masculino e, como tal, associadas à vida desregrada e transgressora. A maioria dessas mulheres vivendo sob forte preconceito e a discriminação foram relegadas a ocupações marginais. Mas muitas pretas ou pardas, livres ou libertas enriqueceram e acumularam bens e escravos sem, contudo, ganharem prestígio social. Mesmo lutando por seus lares e filhos, elas permaneceram às margens da sociedade.

A escravidão indígena foi largamente utilizada durante boa parte do período colonial. Se a partir da segunda metade do século XVII houve diminuição da escravidão indígena no litoral, especialmente na área açucareira, ela avançou no Norte ao longo do século XVII e se manteve até o XIX. No Sudeste, sobretudo no planalto paulista a escravidão indígena foi expressiva até o XVIII.

12. “A escravização indígena ocorreu no início da colonização e foi substituída pela escravidão africana.”

Errado. A opção pela escravidão africana não foi geral na colônia e nem tem uma explicação simples. Foram vários os fatores que levaram à opção pelos africanos e pelos indígenas. As razões apontadas pela historiografia tradicional para a substituição do indígena pelo africano – indolência indígena, inaptidão para o trabalho sedentário e baixa resistência física – foram frontalmente contestadas. A significativa diminuição da quantidade de indígenas (por guerras, doenças e migração para o interior) parece ter pesado mais na decisão dos colonos do que a legislação portuguesa de restrição e, depois proibição, do cativeiro dos nativos.

Para Fernando Novais, a escravidão africana se impôs por exigência da política mercantilista diante do lucrativo tráfico de escravos. Stuart Schwartz argumentou que o trabalho agrícola confrontava dois preceitos básicos da tradição indígena: a agricultura era função feminina e destinava-se unicamente à subsistência, jamais à acumulação. O tema está longe de se esgotar e revela a complexidade da dinâmica interna da colônia.

13. “O pacto colonial era a base sobre a qual se assentava o domínio da metrópole.”

Mito. As teorias do pacto colonial e do exclusivo metropolitano (monopólio comercial) receberam grande destaque na historiografia clássica como nas obras de Caio Prado Jr. e Fernando Novais. Pesquisas mais recente, contudo, têm colocado em xeque essas teorias. “O sistema que vigorou no Brasil se revelou bastante maleável. As novas perspectivas sobre a dinâmica dos impérios coloniais mostram que o pacto colonial parece ter sido mais um projeto, um ideal a ser perseguido, do que uma realidade de fato” (CASTRO, 2008).
Havia um grande dinamismo nas relações comerciais entre os principais portos do Brasili com o rio da Prata (América do Sul), com a Costa da Minas, Angola e Moçambique (África) e com a  Índia, Goa e Macau, na Ásia. Colonos do Brasil comercializavam diretamente com outras regiões para além do Brasil. Comerciantes de escravos no século XVIII negociavam diretamente com traficantes e chefes locais na África. “Eram esses comerciantes, residentes no Brasil, que […] detinham o monopólio do lucrativo tráfico negreiro – e não a metrópole” (CASTRO, 2008).
Pesquisas recentes têm demonstrado que, pelo menos desde o final do século XVIII, não havia mais subordinação econômica da colônia para com a metrópole, e o ritmo da economia colonial se desvinculara das oscilações da economia metropolitana. O controle do tráfico de escravos passou a ser feito a partir do Brasil o que possibilitou a acumulação interna de capital, contrariando a  ideia de que todo o excedente da colônia era exportado pela metrópole (SILVA; SILVA, 2015).

Fonte

  • FAUSTO, B. História concisa do Brasil. São Paulo: Edusp, 2001.
  • FARIA, S. de C. A colônia é mais embaixo. Revista de História da Biblioteca Nacional, ano 3, n. 34, 7 jul. 2008.
  • FARIA, S. C. de. A colônia em movimento: fortuna e família no cotidiano colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998.
  • FRAGOSO, J.; FLORENTINO, M.; FARIA, S. de C.. A economia colonial brasileira (séculos XVI-XIX). São Paulo: Atual, 1998. p. 58-59.
  • SILVA, C. C. da; SILVA, K, M. da. O Brasil colonial: possibilidades interpretativas. Revista Mosaico – Revista de História, Goiânia, Brasil. v. 8, n.1, p. 59-64, 2015.
  • ALGRANTI, L. Honrada e devotas: mulheres da colônia. Rio de Janeiro: José Olympio, 1993.
  • MAGALHÃES, J. R. de. O reconhecimento do Brasil”. In: BETEHNCOURT, F. & CHAUDHURI, K. (orgs.). História da expansão portuguesa. Lisboa: Círculo de Leitores, 1998, v. 1.
  • MATTOSO, K. Ser escravo no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1982.
  • MONTEIRO, J. Negros da terra. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
  • MOOG, V. Bandeirantes e pioneiros. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1955.
  • SCHWARTZ, S. “A manumissão dos escravos no Brasil colonial, 1684-1745. In: Anais de História, 6: 71-114, 1974
  • SCHWARTZ, S. B. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.
  • VAINFAS, R. (org.). Dicionário do Brasil colonial (1500-1808). Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
  • VAINFAS, R. Trópico dos pecados. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997.

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[…] período monárquico mereceu menos atenção dos cineastas do que a época colonial. Há bem menos filmes e documentários sobre a monarquia brasileira mas, entre eles, encontram-se […]

Bruno Machado
Bruno Machado
9 anos atrás

Parabéns pelo blog! Alia concisão e profundidade. No Estado do Amapá a memória da presença de Pinson foi tão importante que no período colonial o rio Oiapoque (que divide Brasil e Guiana francesa) também foi chamado de Pinson. Rio este que os franceses alegavam ser o Araguari com o intuito de possuir um vasto território. Vários tratados entre portugueses e franceses foram assinados sobre o território em litígio. Situação só resolvida em 1900 graças a mediação de Barão de Rio Branco que provou que o limite era o Oiapoque tbm chamado de Pinson. Dessa forma o governante suiço( que fora… Leia mais »

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[…] O Brasil colonial passado a limpo. […]

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[…] isso, não se distinguiam os lugares de morar e de trabalhar.   Veja mais a respeito no artigo “O Brasil colonial passado a limpo” (clique no […]

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[…] O Brasil colonial passado a limpo […]

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[…] isso, não se distinguiam os lugares de morar e de trabalhar.   Veja mais a respeito no artigo “O Brasil colonial passado a limpo” (clique no […]

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