Em 26 de junho de 1968, ocorreu a Passeata dos Cem Mil na cidade do Rio de Janeiro em protesto às violências praticadas pela polícia alguns dias antes no centro da cidade, atingindo estudantes e populares.
Promovida pelo movimento estudantil — na época o principal núcleo de oposição ao regime militar instaurado no país em março de 1964 —, a marcha contou também com a participação de intelectuais, operários, profissionais liberais e religiosos, além da adesão maciça de populares. As principais reivindicações dos manifestantes eram o restabelecimento das liberdades democráticas, a suspensão da censura à imprensa e a concessão de mais verbas para a educação.
Antecedentes imediatos
Desde março cresciam os confrontos entre estudantes e militares. Naquele mês, policiais invadiram o restaurante universitário “Calabouço”, onde os estudantes protestavam contra a elevação do preço das refeições, e mataram o estudante secundarista Edson Luís de Lima Souto, de 18 anos (28 de março de 1968).
No dia 29 de março, cerca de 60 mil pessoas participaram do cortejo fúnebre até o cemitério São João Batista, em Botafogo. A manifestação transcorreu normalmente, sem a intervenção policial. No resto do país, entretanto, ocorreram demonstrações e marchas de protesto. Em Salvador, Belo Horizonte, Goiânia e Porto Alegre, estudantes e populares entraram em choque com as forças policiais. A UNE decretou greve geral dos estudantes.
Em 31 de março, data do quarto aniversário da derrubada de Goulart, ocorreram novas demonstrações de repúdio contra o assassinato do estudante. Os protestos de rua acabaram se convertendo num conflito aberto entre estudantes e populares de um lado, e efetivos do Exército do outro, que provocou a morte de duas pessoas, ferimentos em quase cem e cerca de duzentas prisões.
No dia 4 de abril, foram celebradas duas missas de sétimo dia pela alma de Edson Luís na igreja da Candelária, no centro do Rio, uma às 11h30 e a segunda às 18h15. Ambas reuniram milhares de pessoas e, novamente, resultaram em confrontos com policiais a cavalo, armados de sabres e cassetetes, lançamento de gás lacrimogêneo enquanto helicópteros da Marinha e aviões da Força Aérea Brasileira sobrevoavam a área da Candelária. O efetivo militar de prontidão reunia 20 mil homens do I Exército, 10 mil da Polícia Militar, 1.200 da Guarda Civil além de 400 detetives da Secretaria de Segurança.
Cerca de 580 pessoas foram presas e levadas para a fortaleza de Santa Cruz, em Niterói.
Depois da missa de sétimo dia de Edson Luís, o movimento estudantil experimentou um ligeiro recuo, produzido em grande parte pelas medidas policiais e pelas disposições repressivas contidas na Instrução nº 177, portaria baixada em 5 de abril pelo ministro da Justiça, Luís Antônio da Gama e Silva.
Na última semana de maio, sob o impacto do movimento estudantil irrompido naquele momento na França e em outros países europeus, os estudantes voltaram às ruas em diversas cidades do país. As manifestações atingiram seu ponto mais alto na segunda metade de junho e contavam, inclusive, com a participação expressiva de trabalhadores, descontentes com a política salarial do governo.
No dia 21 de junho, a avenida Rio Branco no Rio de Janeiro transformou-se num verdadeiro campo de batalha, cercado de nuvens de gás lacrimogêneo e com viaturas policiais incendiadas. O confronto terminou com centenas de feridos, cerca de mil prisões, 28 mortos, segundo informações dos hospitais, ou 3, segundo a versão oficial.
A Passeata dos Cem Mil
As lideranças estudantis marcaram uma manifestação de grande envergadura para o dia 26 de junho, quarta-feira. O evento foi autorizado pelas autoridades como uma trégua frente à crescente oposição pública à ação truculenta do governo, pelas críticas da imprensa à repressão policial e pelo anúncio da presença, na passeata, do bispo-auxiliar do Rio de Janeiro, dom José de Castro Pinto, além de outros religiosos.
Na manhã do dia 26, o Centro do Rio foi tomado por grupos de estudantes, artistas, intelectuais e outros setores da população. A Cinelândia abrigou um elevado número de estudantes, enquanto artistas de teatro, cinema, música e artes plásticas se reuniam em frente à loja Mesbla, no Passeio Público.
Pouco antes das duas horas da tarde, teve início a marcha reunindo cerca de 50 mil pessoas — incluindo numerosos padres e freiras que carregavam cartazes e faixas com dizeres como “O povo organizado derruba a ditadura” e “Abaixo o imperialismo” e proferiam lemas do mesmo teor. Munidos de frascos de tinta de tipo spray, os manifestantes pichavam as ruas do Centro com frases contendo reivindicações e críticas ao governo.
Durante o trajeto, a passeata foi engrossada por grande número de populares e estudantes. Às 15 horas, quando a passeata já reunia cerca de cem mil pessoas, o líder estudantil Vladimir Palmeira fez um discurso em frente à igreja da Candelária. A marcha terminou por volta das 17 horas diante do palácio Tiradentes, sede da Assembleia Legislativa carioca. Em suas três horas de duração não se registraram incidentes.
Convocada como uma forma de protesto contra as mortes, as prisões e a violência policial, a Passeata dos Cem Mil — como ficou conhecida a marcha — paralisou o Rio de Janeiro durante quase todo o dia 26 e marcou o momento de maior amplitude do movimento estudantil brasileiro desde 1964.
Depois da Passeata dos Cem Mil, o presidente general Costa e Silva mostrou-se propenso a iniciar um diálogo com os estudantes. Foi marcada para 2 de julho, em Brasília, uma audiência entre o presidente e uma comissão do movimento que apresentou quatro reivindicações básicas:
- libertação dos estudantes presos,
- reabertura do restaurante do Calabouço,
- fim de toda repressão policial,
- suspensão da censura às artes.
Costa e Silva rejeitou todos os pedidos da comissão e as manifestações estudantis voltam às ruas.
Fonte
- LAMARÃO, Sérgio. Passeata dos Cem Mil. FGV / CPDOC.
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Abertura
- Os cartazes e faixas da Passeata dos Cem Mil traziam as reivindicações e os protestos dos estudantes.