Em 1º de março de 1870 foi travada a Batalha de Cerro Corá ou Aquidabanigui, a última da Guerra do Paraguai (1864-1870). O confronto ocorreu nas imediações de Cerro Corá, a 454 km ao nordeste de Assunção, e nele foi morto o presidente paraguaio Francisco Solano López pelas mãos do Exército Imperial Brasileiro.
Havia cerca de sete meses que os paraguaios tinham sido derrotados na Batalha de Campo Grande (16 de agosto de 1869), comandada por Conde d’Eu, marido da Princesa Isabel. Foi o último grande combate da guerra.
O exército paraguaio estava, desde então, reduzido a uns 400 ou 500 combatentes, sobretudo velhos, adolescentes e crianças, famintos, esfarrapados e mal armados.
O acampamento paraguaio em Cerro Corá
López reuniu seus poucos generais e suas esquálidas tropas em Cerro Corá, à margem esquerda do rio Aquidabán, atualmente próximo à fronteira entre o Paraguai e o Brasil. A esposa e filhos do Mariscal (marechal, como López era chamado) e de outros generais seguiam com eles, assim como um padre e o médico da família, o inglês Skinell.
A situação do acampamento era dramática. Soldados, mulheres e crianças amanheciam mortos por inanição e doenças. Matava-se um boi magro por dia para alimentar 500 pessoas. Até o couro dos animais servia de alimento cozinhando-os por horas. Os ossos eram moídos e cozidos com suco de laranja azeda e ervas silvestres que se buscavam, todas as manhãs, nas matas próximas.
Em 26 de fevereiro de 1870, o general brasileiro José Antonio Correia da Câmara no comando de mais de 2 mil homens, bem armados e bem alimentados, seguiu em direção ao acampamento paraguaio de Cerro Corá. Havia sido informado sobre o estado deplorável dos paraguaios e que Solano López não tinha conhecimento da aproximação das colunas imperiais.
A missão de Correia da Câmara fora-lhe dada pelo conde d’Eu, em carta de 6 de fevereiro: “capturar o monstro” e que “toda glória” seria revertida ao general.
Cerro Corá, a última batalha
Na manhã do dia 1º de março, uma terça-feira, as forças imperiais atacaram em duas frentes: pela parte frontal e pela retaguarda. Os dois pontos da defesa paraguaia caíram rapidamente e o assalto ao acampamento durou poucos minutos, com a resistência se dispersando logo em seguida.
Foi tudo tão rápido que nem houve tempo para os carros e carretas dos familiares de López abandonarem o local.
López e os demais generais teriam se posicionado por detrás da linha de atiradores. Ao se defrontarem com anciãos encurvados, soldados doentes e estropiados, adolescentes quase nus e semi-armados, as tropas imperiais hesitaram por um momento, mas logo dispararam suas modernas carabinas Spencer de repetição. Em quinze minutos, a linha de resistência sucumbiu.
Juan Francisco, o Panchito, filho de Solano López, de 15 anos de idade, enfrentou as tropas brasileiras de sabre na mão, até ser fulminado por tiro.
O presidente-mariscal paraguaio, fugiu a cavalo, acompanhado de três oficiais, também a cavalo. Foram perseguidos por cavaleiros imperiais.
López acabou cercado por dois soldados que lhe deram ordem de prisão. Ele resistiu empunhando seu espadim de cerimônia, sendo revidado com um golpe na cabeça. Um dos soldados, cabo José Francisco Lacerda, de 22 anos, conhecido como Chico Diabo, desceu do cavalo e transpassou López com a lança, de baixo para cima, atingindo a virilha direita e alcançando as entranhas.
Dois militares paraguaios vieram em socorro de López e o ajudaram a fugir para a floresta. Ao se aproximarem do riacho Aquidabán-nigüí, o Mariscal caiu do cavalo e tentou, sem sucesso, subir o barranco oposto. Neste momento, o general Correia da Câmara se aproxima com dois soldados imperiais e encontram López sozinho.
O que se passou ali é cercado de divergências e imprecisões. O momento foi testemunhado por poucos ou nenhum soldado paraguaio e por apenas alguns soldados brasileiros, incluindo o general Correia da Câmara.
A morte de Solano López no córrego Aquidabán-nigüí
O general Correia da Câmara redigiu, ao fim da guerra, três relatórios contraditórios sobre a morte de Solano López. Em seu segundo relato ele escreveu:
“Foi nesta posição que, tendo-me apeado e seguido em seu encalço, o encontrei. Intimei-lhe que se rendesse e entregasse a espada, que eu lhe garantia os restos de vida […]. Respondeu-me atirando-me um golpe de espada. Ordenei então a um soldado que o desarmasse, ato que foi executado no tempo em que exalava ele o ultimo suspiro, livrando a terra de um monstro, o Paraguai, de seu tirano, e o Brasil do flagelo da guerra.” [Citado por FRAGOSO 1960, p.177-9]
Em carta ao marechal Victorino Monteiro, o general Correia da Câmara chama López de “tirano” e explica que ele foi executado, após negar-se a se entregar.
“O tirano foi derrotado e não querendo entregar-se foi morto à minha vista. Intimei-lhe ordem de render-se, quando já estava derrotado e gravemente ferido e não querendo [se render] foi morto.” [MAESTRI 2014, p. 21)
Visconde de Taunay que lutou na Guerra do Paraguai como engenheiro militar, mas não presenciou o derradeiro combate, escreveu sobre o episódio:
“Após ter Correia da Câmara ordenado que Solano López fosse desarmado, e enquanto um soldado o agarrava pelos pulsos, interviera um segundo soldado. Nesses instantes rapidíssimos, um soldado da cavalaria veio correndo e descarregou-lhe no lado direito um tiro a queima-roupa, que lhe foi direto ao coração.” [TAUNAY, 1922, p. 143]
O general Pimentel descreveu a cena em sua obra sobre a guerra:
“Então o general [Correia da Câmara] apeou-se, entrou no mato, e não muito longe encontrou López recostado sobre o barranco do rio, com parte do corpo metido n’água e com a espada na mão […]. Nessa situação, o Mariscal fora intimado a render-se, proferindo suas palavras putativas célebres: “– Morro por minha pátria e com a espada na mão”. A seguir, quando soldado, seguindo ordem de Correia da Câmara, puxara-o pelo punho, tentando desarmá-lo, o Mariscal recebera sob a região dorsal um ferimento de bala.” [ PIMENTEL 1978, p. 172].
Em uma pesquisa mais recente, Luiz Octavio de Lima conta:
“Galopando ao longo da margem do rio Aquidabã, López foi perseguido pelo cabo José Francisco Lacerda, conhecido como Chico Diabo. De sua montaria, o militar de 22 anos arremessou sua lança e desferiu-lhe um golpe certeiro no baixo-ventre. Uma fração de segundo depois, o capitão João Pedro Nunes […] aproximou-se dele e acertou sua cabeça com um sabre. O Mariscal tombou do cavalo e caiu de costas no rio. O general Câmara acercou-se dele e bradou:
— Renda-se, general! Sua vida será respeitada! […] Entregue sua espada!
— Minha espada fica comigo. Morro com minha pátria!
Ao erguer o braço, em um esforço desesperado para reagir, López recebeu um balaço de fuzil no peito, disparado pelo soldado gaúcho João Soares. Lentamente, sua cabeça pendeu para trás e afundou na água.” [LIMA 2016, p. 351).
Teria sido uma execução?
Como se observa nesses relatos, há discordâncias em relação ao tiro: foi dado pelas costas ou no peito de López? Foi um ato inesperado ou por ordem do general Correia da Câmara? Essas divergências não passaram despercebidas na época e, pior, suscitaram uma pergunta constrangedora: Estando López ferido e enfraquecido, porque não foi feito prisioneiro? Por que o tiro fatal? Teria sido uma execução?
A questão levou o Ministro da Guerra, barão de Muritiba, a solicitar ao general Correia da Câmara que informasse as reais condições da morte de Solano López para que “fizesse desaparecer a nuvem suspiciosa” que pairava sobre os fatos. O general escreveu, pela terceira vez, o seu relatório no qual reforçou a “feroz resistência de Solano López” que negou por três vezes a rendição e que o tiro foi inesperado, partiu da retaguarda e não foi à queima-roupa.
Não houve autópsia do corpo de López. Em seu terceiro relatório oficial, Correia Câmara explicou: “Não fiz um exame sobre os ferimentos do marechal López, por que nunca foi costume fazê-lo sobre os cadáveres dos generais […].
Após a morte de Solano López
A hipótese de execução é corroborada pela profanação do cadáver de Solano López. Antes do corpo ser transportado em tipoia ao acampamento, ele teve sua orelha esquerda cortada. Soldados quebraram os dentes a coronhadas de fuzis. Arrancaram um dedo, pedaço do couro cabeludo, mechas de cabelos e todas as roupas como troféus de guerra (DORATIOTO 2002, p.453).
Seguiu-se um massacre à população civil, com a matança de mulheres e crianças e o incêndio de casebres ainda com seus moradores no interior.
Somente no dia 4 de março, o Conde d’Eu foi informado da morte de Solano López. O comandante estava afastado dos combates e encontrava-se no navio para “passeio de três dias” por razões de doença. Eufórico com a notícia, mandou disparar tiros e dar vivas à morte do ditador. Brindes de fina champagne foram levantados ao Imperador, ao Conde e ao general Correia da Câmara. À noite, na vila de Concepción, realizou-se baile, aonde concorreram as “melhores famílias” paraguaias locais, com a presença do genro do Imperador. [TAUNAY sd, p. 185]
O espólio de Solano López
A espada do mariscal foi enviada, por Correia da Câmara, para ser entregue ao imperador D. Pedro II, que tanto fizera para que a guerra se mantivesse até o final. O soberano receberia diversas outras prendas de guerra, guardadas em sua coleção particular.
Correia da Câmara presenteou o visconde de Rio Branco com a condecoração que López portava, mantendo para si o relógio do Mariscal, que a seguir doaria a um museu. O major Floriano Peixoto, presente no combate de Cerro Corá, reclamou que, das “cousas de López obtive uma manta singela para cavalo”.
Chico Diabo, o matador de López, tomou para si a faca de prata e ouro que López levava quando foi morto e na qual constavam, gravadas em ouro, as iniciais FL (Francisco López), coincidentemente as mesmas do nome de Chico (Francisco Lacerda). A lança com que feriu López encontra-se no Museu Histórico Nacional, no Rio de Janeiro.
Chico Diabo recebeu como recompensa cem cabeças de gado. O imperador D. Pedro II não autorizou que ele recebesse medalha por bravura em combate, para não alimentar a suspeita de que Solano Lopez havia sido morto após se render – o que seria uma desonra ou mesmo um crime de guerra que envergonharia o Brasil perante as nações. Pela mesma razão, o soldado que disparou o tiro fatal nada recebeu.
O tempo fez surgir interpretações acerca da figura de López, retratando-o tanto como um tirano cruel quanto um grande líder paraguaio. No decorrer dos anos, o nome Cerro Corá se tornaria parte da cultura paraguaia, batizando ruas e edifícios. O local foi transformado no Parque Nacional Cerro Corá.
Fonte
- BOTELHO, Francisco; LIMA, Laura Ferrazza de. Guerra do Paraguai: Vidas, personagens e destinos no maior conflito da América do Sul. Harlequim, 2021.
- DORATIOTO, Francisco. Maldita Guerra. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
- FRAGOSO, Gel. Augusto Tasso. História da Guerra entre Tríplice Aliança e o Paraguai. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1960. vol. V.
- LIMA, Luiz Octavio de. A Guerra do Paraguai. São Paulo: Planeta, 2016.
- MAESTRI, Mario. Quem matou o Mariscal? Cerro Corá, 1º de março de 1870: entre a História e o mito. Tempos Históricos, v. 18, 2014, p. 354-387.
- MAGNOLI, Demetrio. História das Guerras. São Paulo: Contexto, 2009.
- PIMENTEL, General Joaquim B. de Azevedo. Episódios militares. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1978.
- TAUNAY, Visconde. Cartas da Campanha. A Cordilheira; agonia de Lopez. 1868-São Paulo: Melhoramentos, 1922.
- TAUNAY, Visconde. Diário do Exército: de Campo Grande a Aquidabán. 2 vol. São Paulo: Melhoramentos, [sd].
- GARCIA, Maria Fernanda. Vergonha histórica: Brasil massacrou mulheres e crianças paraguaias. Observatório do Terceiro Setor. 05 maio 2022