A Revolução de Outubro de 1917 produziu uma guerra civil entre o governo bolchevique (que acabara de tomar o poder) e vários exércitos rebeldes. O início desta guerra civil geralmente é assinalado em 1918, mas os conflitos começaram em 1917. Embora a maior parte da guerra civil tenha terminado em 1920, foram precisos mais dois anos para os bolcheviques esmagarem toda oposição. O resultado final foi dramático: milhões de mortos, cidades e aldeias devastadas, população ameaçada pela fome e tifo, economia arrasada. Mas o comunismo, vitorioso, estava consolidado no poder.
Vermelhos x Brancos
Em outubro de 1917, quando os bolcheviques assumiram o comando político da Rússia, eles estavam longe de serem unanimidade no pais. Sofriam uma forte oposição, inclusive dentro do exército onde surgiu uma unidade de voluntários anti-bolcheviques nas estepas de Kuban. Essa força chegou a proclamar a República Soviética de Kuban, em outubro de 1917. Nos combates, os rebeldes perderam seu comandante Kornilov (abril de 1918).
A notícia da morte de Kornilov, levou Lenin a pronunciar: “Pode-se dizer com certeza que a guerra civil terminou” (Mawdsley, p.22). Ele estava errado. A guerra civil estava apenas começando.
Os rebeldes ficaram conhecidos como brancos em contraste com o Exército Vermelho dos bolcheviques.
O Exército Branco, composto por cossacos, nobres e camponeses anti-bolcheviques, não era uma força unificada tendo, inclusive, divisões internas. Combatendo em uma extensa área com pequena população, foram forçados a lutar de forma independente. Mesmo defendendo algumas reformas, como o sufrágio universal, os brancos não contavam com o apoio popular pois não reconheciam a reforma agrária nem os movimentos nacionalistas. Eram associados à Rússia czarista e vistos como defensores da restauração da monarquia czarista.
O Exército Vermelho, sob liderança de Lênin e Trotsky, tinha maior unidade, mesmo utilizando oficiais czaristas. A ex-elite militar do Czar, com suas aposentadorias e soldos cancelados, teve pouca escolha e juntou-se em massa ao Exército Vermelho. Os bolcheviques controlavam a rede ferroviária o que lhes permitia locomover as tropas rapidamente e ter acesso às regiões de abastecimento e matérias-primas. Contavam com o apoio de cerca de 60 milhões de pessoas, um contingente muito maior do que seus adversários.
Além dos brancos e vermelhos, havia também os “verdes” e os “negros”, os anarquistas.
O desastrado Tratado de Brest-Litovsky
Decidido a salvar a revolução, Lânin voltou a insistir na retirada da Rússia da Grande Guerra, iniciada em 1914 e na qual os russos, aliados da Inglaterra e França, lutavam contra a Alemanha.
Trotsky, o Comissário do Povo para Negócios Estrangeiros, liderou as negociações do armistício junto à Alemanha. Ele acreditava que os alemães logo seguiriam os russos no caminho da revolução proletária. Convencido de que os alemães acabariam sendo varridos pela revolução, Trotsky entregou aos alemães tudo o que eles reivindicavam.
No dia 3 de março de 1918, foi assinado o tratado de paz de Brest-Litovsky entre o governo bolchevique russo e as Potências Centrais (Alemanha, Império Austro-Húngaro, Bulgária e Império Otomano) que reconheceram a saída da Rússia da Primeira Guerra Mundial.
Pelos termos do tratado, a Rússia perdeu a Polônia, a Finlândia, a Ucrânia, os países bálticos (Lituânia, Letônia, Estônia) e vários territórios que foram cedidos à Turquia.
A Alemanha aproveitou o cessar-fogo e a paz na frente oriental para reforçar suas tropas no lado ocidental, especialmente nas fronteiras da França. Quarenta divisões alemãs foram deslocadas para o Ocidente assim que a paz for assinada.
Na Rússia, a assinatura do tratado desencadeou tensões violentas no governo e fez crescer a oposição aos bolcheviques. Os bolcheviques expulsaram os opositores dos soviets e dirigiram uma força policial secreta para eliminá-los.
Áreas que compunham o antigo império russo aproveitaram o caos para declararem a independência. Na Ucrânia, em abril de 1918, o ethman (chefe cossaco) Skoropadski tomou o poder com a ajuda dos alemães; no Cáucaso, em maio de 1918, a Geórgia, o Azerbaijão e a Armênia se proclamaram independentes. Governos rebeldes se formaram em Omsk, Sibéria e Samara, nos Urais.
Forças estrangeiras na guerra civil
Ao mesmo tempo, em abril de 1918, os ingleses e os franceses, dispostos a retomarem seus investimentos nacionalizados pelos bolcheviques, desembarcam uma força expedicionária no porto russo de Murmansk. Os japoneses ocupam Vladivostok, cidade portuária russa no Pacífico e ali permaneceram até 1922.
Em maio de 1918, outra força militar estrangeira colocou-se contra os bolcheviques: os tchecos. Era uma legião de 40 mil soldados, desertores do exército austro-húngaro que lutava contra a Áustria-Hungira para libertar a Tchecoslováquia (atual República Tcheca). Eles haviam se comprometido lutar ao lado dos russos contra a Áustria-Hungria. Com a paz de Brest-Litovsk, os tchecos temiam ser entregues para Viena. Daí a rebelião.
Os tchecos tomaram a ferrovia transiberiana e se aproximaram de Ekaterinburg, na parte oriental dos montes Urais, onde os bolcheviques mantinham a família imperial encarcerada. Na noite de 16 a 17 de julho de 1918, os bolcheviques executaram os Romanov (o czar Nicolau II, a czarina Alexandra Feodorovna e filhos) com medo de que fossem entregues aos tchecos.
O preço da vitória bolchevique
Para enfrentarem seus adversários políticos, os bolcheviques pressionam os trabalhadores: impuseram trabalho forçado aos domingo, reprimiram as greves, apropriaram-se da produção de grãos dos camponeses condenando muitas famílias a morrerem de fome.
As execuções sumárias, os massacres, os saques e a tomada de reféns não foram exclusivas dos vermelhos. Os brancos também praticam atrocidades, com a desvantagem de não gozarem da mesma popularidade dos bolcheviques que incitavam o ódio das massas camponesas para vingar séculos de opressão.
O número de vítimas é ainda hoje controverso, oscilando entre 4,5 milhões a 10 milhões de mortos entre combatentes e civis vitimados pela fome, doenças e execuções sumárias – um número muito acima das perdas humanas russas durante a Primeira Guerra Mundial.
As secas de 1920 e 1921 trouxeram uma nova onda de carestia e fome. Epidemias e doenças, especialmente o tifo, tornaram-se pandêmicas matando 3 milhões somente no ano de 1920. Milhões de crianças perambulavam pelas ruas das cidades revirando lixo.
A guerra civil, contudo, foi decisiva para a revolução: os bolcheviques que, no início, pareciam perdidos e desorganizados, ao terminarem os combates, tinham o controle total sobre o país e um governo fortemente centralizado.
Mas como governar um país arrasado? A economia estava devastada, com fábricas, pontes e campos de cultivo destruídos, gado, cavalos e matérias-primas saqueadas, minas inundadas e máquinas danificadas. A produção industrial e as terras cultivadas encolheram a níveis irrisórios, anteriores à guerra.
Em 1921, diante desse quadro desastroso, Lenin propõe o fim do comunismo de guerra e a adoção de uma nova orientação econômica, que foi batizada de NEP (Nova Política Econômica). A NEP baseava em quatro princípios: liberdade de comércio interno, liberdade de salário aos trabalhadores, autorização para o funcionamento de empresas privadas e permissão de entrada de capitais estrangeiros para a reconstrução do país.
Fonte
- MARIE, Jean-Jacques. História da Guerra Civil Russa, 1917-1922. São Paulo: Contexto, s/d.
- MAWDSLEY, Evan. The Russian Civil War. New York: Pegasus Books, 2007
- KENEZ, Peter. História da União Soviética. Edições 70: Lisboa, 2015
- RODRIGUES, Leôncio Martins e FIORE, Ottaviano de. Lênin: Capitalismo de Estado e Burocracia. São Paulo: Perspectiva, 1978.
- ANDRÉ, Larané. De la paix de Brest-Litovsk à la guerre civile. Herodote.net. 06 nov 2017.
- WILDE, Robert. Russian Civil War. ThougtCo. 9 abr 2017.
Obrigado por apresentar um artigo coerente sobre os horrores da revolução russa. Sabemos o quanto nossos colegas historiadores, muitas vezes, romantizam a implantação do comunismo por uma questão meramente ideológica. Abraço!
Independente dos resultados posteriores (que nem sempre são os objetivos iniciais delas), todas as grandes revoluções desencadeadas pela humanidade durante toda a sua história nunca foram mais que enormes banhos de sangue e toda sorte de cometimentos dos mais sórdidos excessos praticados obrigatória e livremente por todos os lados envolvidos nesses conflitos. Tendo isto em vista, creio que apenas poetas bêbados ou drogados, os sonhadores e é claro, os brasileiros, fazem pseudo “revoluções limpas” à base de “canetadas” e hilários duelos verbais entre os desafetos (muitos deles maridos traídos, afeminados, ou reles boçais lotados de empáfia), todos eles de classe… Leia mais »
Tem razão Eduardo. Um abraço.
Agradeço pela sua gentileza em concordar comigo, mas necessariamente, não sou eu quem TEM RAZÃO e sim a História. Dois abraços!