A Peste Negra é a pandemia mais mortal já documentada na história da humanidade. Em 1347 d.C., ela espalhou-se de algumas cidades portuárias italianas para quase toda a Europa, matando, em poucos anos, dezenas de milhões de pessoas e dizimando mais da metade da população do continente. Muitas pesquisas buscaram as origens da Yersinia pestis, a bactéria responsável pela Peste Negra. Porém, os motivos pelos quais o patógeno chegou repentinamente à Europa naquele momento permaneciam obscuros. Um estudo recente lança uma nova hipótese: erupções vulcânicas até então desconhecidas teriam lançado enxofre na atmosfera causando um resfriamento que destruiu as colheitas no Mediterrâneo e forçou a importação de grãos de regiões afetadas pela peste.
“Isso adiciona uma peça ao quebra-cabeça que não tínhamos. Antes, ninguém havia considerado o clima como fator relevante para a Peste Negra”, afirma Hannah Barker, historiadora da Universidade Estadual do Arizona que não participou do novo estudo, publicado na na revista Communications Earth & Environment em dezembro de 2025.
Vestígios nos anéis de crescimento das árvores
Os primeiros indícios da influência vulcânica vieram dos anéis de crescimento das árvores: o tamanho e consistência dos anéis capturam informações sobre temperatura e umidade que os pesquisadores podem atribuir a anos precisos do calendário. O coautor do estudo, Ulf Büntgen, dendrocronologista da Universidade de Cambridge, observou que as árvores no alto dos Pirineus, na Espanha, indicaram dificuldade de se desenvolverem durante os verões de 1345 e 1346 — como se as árvores tivessem sofrido uma forte onda de frio durante sua estação de crescimento.
Oito outras cronologias de anéis de árvores de toda a Europa comprovaram sua descoberta inicial: pouco antes da chegada da Peste Negra à Itália em 1347, a Europa experimentou sua onda de frio mais severa em quase um século. Büntgen também descobriu alguns possíveis culpados. A onda de frio coincidiu com picos de enxofre atmosférico aprisionado nas camadas de gelo da Groenlândia e da Antártica, indicando a presença de partículas de enxofre bloqueando a luz solar, provenientes de erupções vulcânicas em algum lugar da Terra (não se sabe exatamente onde). “A temperatura do verão não é extrema, mas é fria — e isso acontece dois anos seguidos”, afirma o dendrocronologista. “Isso provavelmente é resultado de um conjunto de erupções vulcânicas ricas em enxofre.”
Evidências históricas de mudanças climáticas
As evidências históricas preencheram outras lacunas. Do Japão à França, os responsáveis pelos registros documentaram condições climáticas excepcionalmente nubladas entre 1345 e 1347. Nos verões destes anos, as más colheitas na Itália e arredores dispararam os preços dos grãos para o nível mais alto em 80 anos. Com a escassez de alimentos nos primeiros meses de 1347, havia a ameaça de instabilidade política e rumores de rebelião nas principais cidades italiana. “Nas fontes, é possível ver governos em pânico, tentando descobrir o que fazer”, afirma a historiadora Hannah Barker.
Há um século, as cidades italianas possuíam haviam estabelecido extensas redes comerciais para comprar e importar trigo. Manter uma reserva estratégica de grãos era parte das atribuições do governo; seus maiores gastos não militares eram com a compra de grãos. Normalmente, as cidades recorriam aos mercados do Mediterrâneo e do Mar Negro. Mas, a partir de 1343, Gênova e Veneza envolveram-se em uma guerra com o Império Mongol pelo controle do comércio no Mar Negro e de portos cruciais e interromperam o comércio com a região. Assim, essas cidades italianas voltaram-se para a Sicília, Espanha e norte da África em busca de seus suprimentos de trigo.
Dois anos depois, ocorreu o resfriamento provocado por vulcões e a consequente devastação da agricultura em todo o Mediterrâneo. Isso deixou Veneza, Gênova e outros importadores italianos em uma situação difícil — e dispostos a encerrar o embargo do Mar Negro. “Em 1347, eles foram forçados a fazer as pazes com os mongóis porque sentiam a pressão da diminuição dos suprimentos de alimentos”, explica Martin Bauch, historiador do Instituto Leibniz para a História e Cultura da Europa Oriental e coautor da nova pesquisa.

A partir de 1347, grandes cargas de trigo comercializado nos portos do Mar Negro chegaram à Europa em navios italianos. No meio dos grãos estava a Yersinia pestis, a bactéria responsável pela Peste Negra.
Em poucos meses, galeras italianas carregadas de grãos partiram de portos do Mar Negro no que hoje é a Crimeia e a Ucrânia. A carga dos navios continha, além de trigo, a peste. Relatos históricos esparsos sugerem que a Yersinia pestis vinha causando grandes baixas nos exércitos mongóis na região do Mar Negro há anos. Assim, quando os carregamentos de trigo em larga escala da região do Mar Negro foram retomados em 1347, as cidades italianas “também importaram pulgas portadoras da Yersinia pestis, talvez alimentando-se da poeira dos grãos”, afirma Büntgen. À medida que o grão era distribuído na Itália, as pulgas infestavam ratos e humanos locais, e a peste se espalhava rapidamente.
Os resultados ajudam a explicar por que a Peste Negra chegou primeiro a Veneza e Gênova, que dependiam de grãos importados, e só apareceu mais tarde em lugares que produziam mais alimentos internamente, como Roma e Milão. “É uma consequência muito precoce da globalização”, diz Büntgen. “O comércio ajudou a disseminá-la.”
Fonte
- BAUCH, Martin; BÜNTGEN, Ulf. As mudanças climáticas no comércio de grãos no Mediterrâneo mitigaram a fome, mas introduziram a Peste Negra na Europa Medieval. Communications Earth & environment, 4 dez 2025.
- BARKER, Hannah. Enterrando os corpos: grãos, embargos e Yersinia pestis no Mar Negro, 1346-48. The University of Chicago Press Journals, v.96, n. 1, jan 2021.





