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As grandes navegações e a migração dos alimentos pelos mares

22 de agosto de 2023

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As Américas ficaram isoladas dos demais continentes desde o final da última Era do Gelo, há cerca de 12.000 anos atrás. Ocorreram alguns contatos ocasionais de vikings na costa leste do Canadá, por volta de 990 d.C., e de viagens de polinésios do Oceano Pacífico até a América Sul, por volta de 1200. Mas foram exceções que não estabeleceram comunicação regular ou substancial entre os povos destas regiões.

Tudo mudou com a chegada nos europeus no contexto das grandes navegações oceânicas no início da Idade Moderna. Em 12 de outubro de 1492, Colombo e sua tripulação desembarcaram no atual arquipélago das Bahamas, numa ilha que os nativos chamavam de Guanahani e Colombo renomeou para São Salvador.

Na segunda viagem de Colombo (1493-1496), foram introduzidos cavalos, gado, porcos e galinhas no Novo Mundo para alimentação e transporte dos espanhóis. Vieram depois as plantações de açúcar, arroz e, mais tarde, tabaco, cana-de-açúcar e algodão. Chegaram, também, as doenças transmitidas pelos europeus que resultaram numa catástrofe demográfica dizimando quase 90% das populações nativas.

  • BNCC: 7° ano. Habilidades: EF07HI09, EF07HI13, EF07HI14

Intercâmbio colombiano

O historiador Alfred W. Crosby usou a expressão intercâmbio colombiano em sua obra de história ambiental The Columbian Exchange (1972) para chamar a transferência de plantas, animais e doenças entre a Europa, África e América a partir das viagens de Cristóvão Colombo em 1492 e acelerada com a colonização das Américas pelos europeus.

O foco principal de Crosby era mapear as transferências biológicas e culturais que ocorreram entre o Velho e o Novo Mundo. Ele estudou os efeitos das viagens de Colombo entre os dois – especificamente, a difusão global de colheitas, sementes e plantas do Novo Mundo para o Velho, que transformou radicalmente a agricultura em ambas as regiões. Sua pesquisa fez uma contribuição duradoura para a forma como os estudiosos entendem a variedade de ecossistemas contemporâneos que surgiram devido a essas transferências.

O termo tornou-se popular entre historiadores e jornalistas e desde então foi aprimorado com o livro posterior de Crosby Ecological Imperialism: The Biological Expansion of Europe, 900–1900.

Até o século XVI não havia laranjas na Flórida, bananas no Equador, gado e laticínios na Argentina, cana-de-açúcar no Brasil nem chocolate na Suíça, gado no Texas e mandioca na África.

Plantas trazidas pelos europeus para a América

Plantas trazidas pelos europeus para a América. No sentido horário, do canto superior esquerdo: cítricos, maçã, banana, manga, cebola, uva, trigo e arroz.

Os espanhóis introduziram, inicialmente, trigo, oliveiras e videiras para a produção de pão, azeite e vinho, típicos da dieta espanhola além de serem alimentos ligados aos rituais católicos. Com o tempo, outros cereais e o açúcar atravessaram o Atlântico para serem cultivados em grandes latifúndios agrícolas no Caribe, no México, no Brasil e no restante das Américas.

A mão de obra africana escravizada também contribuiu para o intercâmbio de plantas com a introdução de arroz, bananas, bananas-da-terra, limão e feijão fradinho, que criaram fontes adicionais de alimentação, riqueza para os colonizadores e oportunidades para empreendimentos agrícolas.

Plantas nativas da América levadas para o mundo

Plantas nativas do Novo Mundo. No sentido horário, do canto superior esquerdo: milho, tomate, batata, baunilha, seringueira, cacau, tabaco.

As Américas também abasteceram a Europa, Ásia e África com uma rica variedade de novos gêneros alimentícios. Milho, batatas, feijões, tomates, amendoins, tabaco e cacau estavam entre as plantas levadas para o leste através do Atlântico.

Por volta de 1530, o tabaco, fumado ou inalado (na forma de rapé) pelos nativos americanos, tornou-se um produto valioso, cultivado especialmente nas colônias inglesas da América do Norte.

O cacau ou cacahuatl, como os astecas chamavam, era cultivado por muitos povos da Mesoamérica para produzir o xocolatl, palavra que deu origem à chocolate. A mais antiga menção de consumo de chocolate provém dos olmecas, por volta de 1900 a.C. Era tão apreciado que os grãos de cacau eram um produto comercializado rotineiramente e exigido como tributo das tribos subjugadas, além de ser utilizado como moeda pelos astecas.

O chocolate original era uma mistura de água com cacau moído e temperado com milho, pimenta, ervas, flores ou seiva de agave resultando em uma bebida amarga. Hernán Cortez (1485-1547) levou o cacau para a Espanha em 1528. Os espanhóis adicionaram açúcar e mel para aliviar o amargor e, nos cem anos seguintes, à medida que o consumo se disseminava pela Europa, a baunilha – também nativa da América – foi acrescida à mistura, produzindo um novo item de luxo: o chocolate adocicado.

A batata teve o maior impacto no continente europeu, afetando tanto a dieta quanto a expectativa de vida. Este vegetal possui vitaminas essenciais e nutrientes e pode crescer numa ampla variedade de solos. As colheitas elevadas encerraram séculos de ciclos de desnutrição e fome, levando ao aumento da população europeia. Por volta de 1840, a Irlanda era tão dependente da cultura da batata que uma praga que atacou as plantações levou o país à devastadora Grande Fome de 1845-1849.

Os europeus introduziram a mandioca e o milho na África ocidental que prosperaram em solos pobres e tornaram-se culturas tradicionais africanas, e dos mais importantes alimentos-base da alimentação neste continente. Levaram também as batatas e o milho americano para a Ásia no século XVI. O pimentão e a pimenta da América do Sul introduzidos na Índia pelos portugueses são hoje partes integrantes da culinária indiana.

A descoberta do quinino auxiliou os europeus em seus empreendimentos coloniais na África. Nativa de região andina do Equador, Bolívia, Peru e Colômbia, a casca da árvore quina contém um alcaloide que proporciona tratamento medicinal efetivo contra a malária, doença transmitida por mosquitos. Descoberto pelo Dr. Thomas Thomson, em 1841, o quinino contribuiu para cortar pela metade as mortes de colonizadores europeus no continente africano e nas áreas de colonização do Oceano Pacífico.

As pimentas caiena, tabasco e jalapeño, além do pimentão e de várias outras espécies, derivam da espécie capsicum, encontrada na Bolívia e Brasil. Chegando à Europa depois de 1493, a capsicum espalhou-se através do Sul e Leste da Ásia e acabou adotada pela culinária tradicional de muitos países europeus e asiáticos, como a Hungria (páprica) e Coreia (kimchi). O uso medicinal das pimentas provou-se tão útil quanto suas adaptações culinárias. A pimenta oferece quantidades adequadas de vitaminas A, B e C, ajuda a digestão ao aumentar a quantidade de saliva e de ácidos gástricos; e é usada atualmente para o alívio de dores em casos de artrite, dores de dente e outras doenças.

Hoje, das 20 maiores culturas mundiais, cinco (milho, batata, mandioca, tomate e batata doce), são originárias da América.

Introdução de animais na América

A América tinha poucos animais domesticados: alpaca, llama, peru, porquinho-da-índia e pato-almiscarado. O uso da llama era limitado, pois não servia como montaria e não carregava cargas maiores do que 35 quilos. Porém, utilizava-se as peles para a fabricação de tecidos. O maior animal presente nas Américas era o bisão, que resistia à domesticação.

Em contrapartida, a América recebeu galinha, vaca, cabra, ganso, coelho, porco, carneiro, gato, abelha europeia, pombo, cavalo, burro e cães de grande porte.

Junto com o gado, os espanhóis trouxeram o arado de metal. Atrelado aos animais, este equipamento permitia a expansão dos seus empreendimentos agrícolas. Mais terra cultivada produzia quantidades maiores de alimentos e, consequentemente, aumentava o tamanho da população e estendia a expectativa de vida. Além disso, o gado fornecia uma fonte estável de proteína na forma de carne e laticínios.

O cavalo, trazido à América pelos espanhóis inicialmente, mudou a vida de muitas tribos americanas nas Grandes Planície, permitindo a mudança para um estilo de vida nómade, baseado na caça a cavalo ao bisonte.

Os Mapuches, do Chile, foram rápidos em adotar o cavalo dos espanhóis e melhorar suas capacidades militares contra os colonizadores. Da mesma maneira, os Tupi-Guarani no sul do Brasil e Paraguai tornaram-se exímios cavaleiros e enfrentaram com sucesso as investidas dos portugueses.

Os efeitos da introdução da pecuária europeia na América nem sempre foram positivos. No Caribe, a proliferação de animais europeus consumiu a fauna nativa e a vegetação rasteira, alterando o meio ambiente. Os animais criados livres danificaram as plantações para subsistência dos povos indígenas.

As doenças: o mortal contato

Quando Colombo chegou ao Caribe pela segunda vez, em 1493, ele trazia 1500 pessoas e centenas de porcos e outros animais. Assim que desembarcaram, os porcos que estavam fechados no porão dos navios, foram soltos.

No dia seguinte, os europeus começaram a adoecer, inclusive Colombo. Os nativos americanos começaram a morrer. Provavelmente foi a gripe suína, à qual os nativos americanos não tinham imunidade. Vinte e três anos depois, em 1516, Bartolomé de las Casas escreveu sobre a ilha que hoje é o Haiti e a República Dominicana: “Hispaniola está despovoada, roubada e destruída… porque em apenas quatro meses, um terço dos índios que os espanhóis tinham sob seus cuidados morreram.” Dois anos depois, ele escreveu que “das 1.000.000 almas que havia em Hispaniola, os cristãos deixaram apenas 8.000 ou 9.000, o restante morreu”.

Os dados sobre as populações pré-colombiana na América são incertos, mas as estimativas da perda de população por estas doenças entre 1500 e 1650 variam entre 80% e 90%.

Os colonizadores trouxeram para a América doenças bacterianas, virais e parasitárias: tuberculose, cólera, peste bubônica, varíola, varicela, sarampo, gripe, tifo, coqueluche. O comércio transatlântico de escravos introduziu na América a hepatite B, malária e febre amarela aumentando este coquetel de doenças mortais.

A América, por sua vez, disseminou patógenos perigosos para a Europa como uma cepa de sífilis, hepatite e a doença de Chagas.

A migração de plantas e animais alterou a vida em três continentes deixando profundas consequências culturais, econômicas e na força de trabalho. Transformou a dieta humana, forneceu novas formas de transporte, abriu extensas áreas de cultivo e pasto desmatando regiões e interferindo no meio ambiente. Aumentou a variedade de alimentos para os seres humanos e os animais interferindo na expectativa de vida e contribuindo para reduzir significativamente uma história contínua de insegurança alimentar.

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