Ao longo de três séculos, o Brasil recebeu 5 milhões de africanos cativos, cerca de 40% do total de 12,5 milhões embarcados para a América. A chegada dos primeiros escravizados teria ocorrido em 1535 e continuou até 1850 quando a Lei Eusébio de Queirós extinguiu o tráfico de escravos. Mas a escravidão perduraria por mais quase quatro décadas.
O auge da migração compulsória foi período de 1822 a 1850 quanto aportaram no litoral brasileiro mais de 1,2 milhão de africanos. Ou seja, em apenas 28 anos, o Império do Brasil adquiriu mais de 11% de todos os africanos que chegaram ao longo de três séculos em toda a América.
Durante o longo tempo de escravidão no Brasil colonial e imperial, os escravizados usaram todos os meios para resistir ao cativeiro: fugas, sabotagem da produção, furtos, formação de quilombos e mocambos, assassinato de senhores e feitores, revoltas e até mesmo barganha com seus senhores para obter algum proveito.
A diferença entre escravizados: africanos e crioulos
Importante lembrar que a população de africanos escravizados no Brasil não era homogênea. Para o Brasil foram enviados povos de diferentes etnias e regiões, embarcados em dezenas de portos de partida na África. Tinham línguas, crenças, costumes e culturas diferentes. As formas de captura também se diferenciavam: podiam ser prisioneiros de guerra, condenados ou sequestrados. Variava sua posição social na comunidade de origem: ferreiros, lavradores, comerciantes, xamãs, guerreiros, artesãos, membros da realeza ou chefes tribais.
No Brasil, essas diferenças eram percebidas em dois grupos: os escravos africanos e os escravos crioulos.
Os africanos eram os nascidos livres, que foram capturados e vendidos para o tráfico negreiro. Muitos deles vinham de regiões do golfo de Benin (atualmente parte da Nigéria e de Benin) sendo, na maioria, nagôs, jejes e hauçás (ou haussá). Eram sociedades guerreiras, muitas delas adeptas do Islã, uma religião militante em expansão na África. Estas características estabeleceram laços de solidariedade coletiva e a disposição para lutar contra o cativeiro.
O historiador João José Reis aponta que, na principal região açucareira da Bahia, a freguesia de São Tiago do Iguape, comarca de Cachoeira, um censo de 1835 contou 3.983 escravos, dos quais 2.115 (53%) nascidos na África e, em grande maioria, homens. Entre os africanos, as mulheres eram minoria: apenas 626. Os senhores preferiam os homens por serem mais produtivos no trabalho pesado dos canaviais e nas fábricas do engenho.
Entre os escravos crioulos (negros nascidos no Brasil), a proporção entre homens e mulheres era mais equilibrada o que contribuía para a formação de famílias escravas e, principalmente, a reprodução da população cativa. A maioria dos crioulos nasceu escrava e vivendo em meio a outros igualmente escravizados.
Essa diferença – africanos nascidos livres e crioulos nascido escravos – é fundamental para compreender as formas de resistência à escravidão.
Foram principalmente os escravos africanos que mais se rebelaram contra a escravidão. Os crioulos em geral ficavam à margem das rebeliões e, muitas vezes, se aliaram aos senhores. Por isso, se tornaram às vezes vítimas dos africanos levantados. “Os crioulos eram mestres na barganha com os senhores e nas pequenas lutas do dia a dia, a fuga, o furto, a sabotagem da produção, o fingimento de doença […]”, completa Reis.
Segue a lista de revoltas em ordem cronológica e com uma breve explicação de cada uma.
1) 1789, Engenho Santana, Ilhéus, BA
Escravos crioulos mataram o feitor, pegaram as ferramentas do engenho e refugiaram-se nas matas próximas. O objetivo deles não era serem libertos da condição de escravos, mas buscar maior liberdade na escravidão. É o que sugere o documento criado pelos escravos fugidos e que foi encaminhado ao seu senhor, referenciado como “Tratado proposto a Manuel da Silva Ferreira pelos seus escravos durante o tempo em que se conservaram levantados”.
O tratado trazia 19 exigências referentes ao trabalho no engenho. “Dentre as exigências dos escravos havia o pedido de destinação das sextas e dos sábados das semanas para que os escravos pudessem trabalhar para si próprios, pedindo ainda que o senhor destinasse a eles “rede, tarrafa e canoas”, além de poderem plantar o “arroz onde quisermos, e em qualquer brejo, sem que para isso peçamos licença, e poderemos cada um tirar jacarandás ou qualquer pau sem darmos parte para isso” (REIS, 1989, p.123)
Manuel da Silva Ferreira, o proprietário dos escravos, fingiu aceitar as reivindicações e, no final, conseguiu prender os 16 escravos representantes do movimento.
Outras duas revoltas escravas ocorreram no engenho Santana, entre os anos 1821 e 1824 e em 1828. A violenta repressão e esses levantes provocou a fuga dos revoltosos que se aquilombaram nas matas próximas.
2) Maio de 1807, Salvador, BA, 1807
Os hauçás, liderados pelo liberto Antônio e o escravo Baltazar, planejaram tomar a Casa da Pólvora e das Armas, incendiar a alfândega, capelas e igrejas. Marcaram a revolta para a madrugada do dia 27 de maio, dia da procissão de Corpus Christi. Uma semana antes, porém, o movimento foi delatado. Os rebeldes foram desbaratados, presos e dois deles executados em praça pública.
3) Janeiro de 1809, Nazaré das Farinhas, BA
Nas imediações da vila de Nazaré das Farinhas, área de produção de alimentos, escravos hauçás fugidos de Salvador e de engenhos do Recôncavo Baiano se aquilombaram nas margens do rio da Prata. A 5 de janeiro de 1809, cerca de 300 deles atacaram a vila em busca de armas, munição e comida. O ataque foi malsucedido e os rebeldes fugiram deixando para trás mortos e feridos. Dois dias depois, tropas enviadas de Salvador e milícias locais deram combate aos negros, matando muitos deles e prendendo 83 homens e 12 mulheres.
4) Fevereiro de 1814, Itapuã, BA
Na madrugada do dia 28 de fevereiro de 1814, cerca de 250 escravizados atacaram armações pesqueiras em Itapuã, incendiaram barracões, cordoaria e redes de pesca e mataram muita gente incluindo um feitor, sua mulher e filha e escravos que se recusaram a apoiá-los. Apossaram-se dos cavalos e marcharam para outras armações armados de machados e armas de fogo. Os rebeldes, nagôs e hauçás islamizados, gritavam por liberdade, davam vivas aos negros e ao seu “rei”, e pediam morte para os brancos e mulatos.
Perto de Santo Amaro de Ipitanga foram derrotados por tropas de cavalaria enviadas pelo governo. Quatro escravos foram mais tarde sentenciados à pena de morte, enforcados e suas cabeças cortadas e fixadas em postes altos, expostas até que o tempo as consumisse. Muitos condenados a açoites públicos, e 23 homens, provavelmente libertos, foram deportados para o porto português de Benguela, em Angola. Além desses, mais de duas dezenas morreram nas prisões por maus-tratos.
5) Julho de 1814, Iguape, BA
A derrota de fevereiro de 1814 não desanimou os hauçás e, quase imediatamente, organizaram outra. Marcaram o levante para a noite de 23 de julho, véspera de São João, a fim de tirar partido da barulheira de foguetes que se produzia neste dia. Alertadas, as autoridades reagiram rápido e tropas ocuparam todas as estradas que levavam à vila de Iguape. A revolta foi vencida e muitos escravos conseguiram fugir e se aquilombaram.
6) Fevereiro de 1816, Santo Amaro, BA
Em 12 de fevereiro de 1816, após uma festa religiosa, escravos atacaram casas e pessoas em Santo Amaro, queimaram engenhos, entre eles o Cassarangongo e o Quibaca, mataram vários brancos e escravos que lhes recusaram apoio. O levante durou quatro dias, aterrorizando a zona açucareira. Foi reprimido por milícias e escravos leais comandados pelo coronel Jerônimo Fiúza Barreto, proprietário do engenho Quibaca. Pelo menos 30 escravos foram presos e enviados a Salvador.
7) Maio de 1822, Itaparica, BA
280 escravos do engenho Boa Vista, na Ilha de Itaparica, na Bahia, se levantaram contra o novo feitor nomeado por seu proprietário. O feitor foi morto e o movimento começou a se alastrar tendo sido reprimido por milícias da ilha. Ao final, foram 32 escravos mortos e 80 feridos.
8) Outubro de 1822, Pirajá, BA
Cerca de 200 escravos atacaram as forças brasileiras em Pirajá, imediações de Salvador (BA). Teriam sido influenciados pelos portugueses que ocupavam a capital na Guerra de Independência. Muitos escravos foram presos e o general Labatut, comandante francês das tropas brasileiras, ordenou o fuzilamento de 52 deles (31 homens e 20 mulheres) e o açoitamento dos demais.
9) Outubro de 1824, Salvador, BA
Levante dos escravos que formavam o Batalhão dos Periquitos, em Salvador (BA). Eles haviam participado da Guerra de Independência e eram membros do Terceiro Batalhão de Caçadores do Exército, sem perder sua condição de escravos. Quando souberam que seriam transferidos para Pernambuco, os escravos tomaram a cidade de Salvador e assassinaram o governador das Armas, coronel Felisberto Gomes Caldeira. Foi mais de um mês de conflitos até a rendição dos revoltosos. Dois líderes, o major Joaquim Sátiro da Cunha e o tenente Gaspar Lopes Vilas Boas foram condenados à morte por um conselho militar especial, e os demais revoltosos foram enviados a Pernambuco.
10) Dezembro de 1826, Salvador, BA
No 17 de dezembro de 1826 foi descoberto o plano de um grande levante de escravos nagôs do quilombo do Urubu marcado para a noite de Natal. Um dos líderes é Zeferina, rainha do quilombo. Centenas de escravos e libertos foram presos.
11) 1827, Cachoeira, Abrantes e São Francisco do Conde, BA
Neste ano, pelo menos três revoltas escravas ocorreram na Bahia: em Cachoeira, Abrantes e em São Francisco do Conde, esta última envolvendo escravos de dez engenhos.
12) Março de 1828, Salvador, BA
Na noite de 11 de março de 1828, grande número de nagôs fugiu de Salvador e, no dia seguinte, atacou as armações, saqueando e incendiando as casas. O movimento foi reprimido pelas tropas e milícias.
13) Abril de 1828, Cachoeira, BA
No dia 22 de abril de 1828, insurgiram-se os escravos do engenho Vitória, próximo a Cachoeira. O movimento se alastrou a outros engenhos do Recôncavo Baiano e só foi dominado depois de dois dias de luta.
14) Setembro de 1828, Iguape, BA
Cerca de 40 escravos incendiaram as senzalas do engenho Novo, em Iguape, centro da zona canavieira baiana. O grupo seguiu para a casa-grande que foi arrombada e saqueada, seus móveis e outros objetos destruídos. Os rebeldes procuravam a senhora do engenho, Maria Sabina da França possivelmente para se vingarem dos maus-tratos que ela infligia aos escravizados. Mas a senhora escapou a tempo graças à ajuda de um escravo doméstico. Duas crianças foram mortas nesse ataque. Ainda saquearam a casa do padre e mataram alguns crioulos que se recusaram a apoiar o levante.
15) Novembro de 1828, Santo Amaro, BA
Na noite de 30 de novembro de 1828, uma nova revolta escrava em Santo Amaro. Os escravos do engenho do Tanque mataram o feitor, além de vários escravos crioulos e partiram para atacar a casa-grande. A mulher do feitor foi espancada pelos rebeldes, mas conseguiu fugir junto com a dona do engenho, ajudadas por escravos fiéis que as levaram até o vizinho engenho de Sant’Ana.
16) Setembro de 1829, Cotegipe, BA
Em 26 de outubro de 1829, nova sublevação dos nagôs do Recôncavo. Desta vez, em três engenhos de açúcar em Cotegipe. Os escravos incendiaram um dos engenhos e mataram três brancos. O presidente expediu tropa de Salvador, que chegou na madrugada do dia seguinte, quando a rebelião já havia sido dominada pelos milicianos e moradores.
17) Abril de 1830, Salvador, BA
Na manhã do dia 1º de abril de 1830, um grupo de 18 a 20 nagôs assaltou três lojas de Salvador apoderando-se de espadas e facas (conhecidas como “parnaíbas”) e daí seguindo para o depósito de negros “novos”. Outros escravos nagôs aderiram ao grupo e atacaram a guarda policial. As tropas reprimiram os rebeldes matando 50 negros enquanto os demais se dispersaram pelos matos de São Gonçalo. Vasculhando as matas, a polícia capturou 41 revoltosos.
18) Abril de 1832, Campinas, SP
O plano de revolta escrava envolvia quinze fazendas da vila de Campinas, uma das principais produtoras de açúcar da província de São Paulo. Os escravizados, africanos e crioulos, planejavam matar os seus senhores para conquistarem a sua liberdade. Eles arrecadaram dinheiro, obtido do comércio de alimentos que plantavam em seus dias de folga, para comprar pólvora e fabricar armas e azaguaias (uma lanaça curta).
A data prevista para a revolta era o feriado de Páscoa, 22 de abril de 1832, quando a vigilância senhorial diminuía e as famílias brancas se reuniam para ir às missas na igreja matriz. Descoberto o plano, um total de 32 homens foram incriminados. A grande maioria vinha do Congo Norte, alguns e Angola e Moçambique.
19) Maio de 1833, Carrancas, MG
Uma insurreição violenta de escravos ocorreu nas fazendas Campo Alegre, Bella Vista e Bom Jardim, em Carrancas, sul de Minas Gerais, pertencentes à família Junqueira. É considerada a maior revolta de escravos do Sudoeste brasileiro. Na tarde de 13 de maio de 1833, escravos crioulos liderados por Ventura Mina e armados de enxadas, foices e paus iniciou a rebelião na fazenda Campo Alegre, matando o filho do proprietário, deputado Francisco Junqueira.
De lá, o grupo seguiu para a fazenda Bela Cruz e atacou a casa-grande, matando todos os moradores, num total de oito membros da família Junqueira. À noite, os revoltosos rumaram para a Fazenda Jardim, onde o levante foi sufocado e o líder do movimento, Ventura Mina, morto a tiros, juntamente com mais quatro escravos.
As lutas resultaram na morte de nove membros da poderosa família de latifundiários do Sul de Minas e de cinco escravos. Os revoltosos sobreviventes fugiram, sendo capturados dias depois. No processo penal, foram indiciados 31 escravos, sendo 6 enforcados. Foi a maior condenação coletiva aplicada na história da escravidão brasileira.
20) Janeiro de 1835, Revolta dos Malês, Salvador, BA
É considerada a maior rebelião urbana de escravos das Américas. Foi protagonizada por africanos haucás e nagôs, em sua maioria muçulmanos e, por isso chamados de malês pelos baianos. A data do levante foi marcada para 25 de janeiro, um domingo, dia da festa de Nossa Senhora da Guia quando uma grande parte da população livre se deslocaria para o distante Bonfim junto com contingentes do corpo policial.
A data marcava também o final do mês de Ramadã (período de jejum dos muçulmanos) e próximo da festa da “Noite da Glória” ou “Noite da Determinação” (Lailat al-Qadr) que, segundo a tradição muçulmana é o momento que os anjos descem à terra com aprovação de Alá para executar suas ordens.
Estima-se que mais de 500 pessoas foram punidas com prisão com trabalho forçado, açoite e deportação. Dezesseis foram condenados à morte mas só quatro forma de fato executados. Morreram fuzilados, em 14 de maio de 1835, no campo da Pólvora, pois ninguém se dispôs a ser o carrasco do enforcamento previsto em lei.
21) Janeiro de 1835 a 1840, Cabanagem, PA
Negros escravizados, libertos, quilombolas e indígenas participaram da Cabanagem, uma das maiores rebeliões populares do Brasil. Uniram-se contra o mandonismo branco e também pela abolição da escravatura. A rebelião começou com a tomada de Belém pelos cabanos em 1835, estendeu-se a Santarém, Manaus e toda a região até a fronteira do atual Amapá.
Os negros Patriota, Joaquim Antônio e João do Espírito Santo, conhecido como “Diamante” lideraram os escravos, libertos e quilombolas combatendo até mesmo o presidente cabano Eduardo Angelim que não compartilhava das ideias abolicionistas. Patriota e Joaquim Antônio foram fuzilados por ordem de Angelim. Diamante fugiu pela mata e formou grupos de assalto que compartilhavam os mesmos ideais.
Houve lideranças negras por toda a Amazônia durante a Cabanagem como Belisário que se intitulava “libertador da raça” e comandou 300 rebeldes, o negro Félix com seus 400 homens da região do Acará, e o negro Cristóvão liderando um bando de 150 rebeldes.
22) Novembro de 1838, Vassouras, RJ
Em novembro de 1838, centenas de escravos crioulos dos cafezais de Manuel Francisco Xavier e Paulo Gomes de Ribeiro Avelar se reúnem nas matas de Paty do Alferes para formar um quilombo. Eram liderados pelo ferreiro Manoel Congo, também chamado de “pai” ou “mestre”, a quem atribuíam o poder de se tornar invisível. A revolta teria começado após a morte do escravo Camilo Sapateiro, pelo capataz de uma das fazendas do capitão-mor Manuel Francisco Xavier. Manoel Congo, foi capturado e enforcado em 6 de setembro de 1839. Os demais escravos que sobreviveram foram condenados a 650 açoites e três anos de gargalheira (colar de ferro).
23) Dezembro de 1838, Balaiada, MA
Em 13 de dezembro de 1838, escravizados, livres e quilombolas pegam em armas para lutar durante a revolta popular da Balaiada. Chegando a comandar cerca de 3.000 negros fugidos, o liberto Cosme Bento das Chagas, o negro Cosme se juntou aos balaios e incentivou a insurreição nas fazendas maranhenses. Chagas se intitulava “tutor e imperador da liberdade”, chegando a fundar uma escola de ler e escrever no quilombo da Lagoa-Amarela, na comarca do Brejo.
24) 1846, a seita do Divino Mestre, Recife, PE
A polícia da província de Pernambuco acusou o crioulo Agostinho José Pereira, chamado “Divino Mestre”, de fundar uma seita religiosa para servir de disfarce a uma sociedade secreta cujo objetivo era preparar uma insurreição de escravos. A seita teria uns trezentos seguidores e se espalhara por Recife. A polícia encontrou na casa do pregador, no bairro de São José, uma Bíblia onde estavam marcadas passagens sobre o fim da escravidão, e também textos sobre o Haiti e versos chamados de “ABC”. Agostinho alfabetizou muitos de seus seguidores para que pudessem ler Bíblia e isso alarmou a sociedade escravista e as autoridades religiosas que desconfiaram das intenções abolicionistas do pregador.
25) Ciclo de conspirações negras no Vale do Paraíba
Na fronteira entre as províncias do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo, diversas conspirações foram descobertas. Em Vassouras, o movimento tinha origem num culto religioso centro-africano e de raízes Kongo/Mbundu. Falava-se na intervenção de Santo Antônio enquanto os rebeldes de Itu invocavam a São Benedito. Marcada para o dia de São João, a revolta previa o envenenamento dos senhores e ligava-se às discussões sobre o fim do tráfico atlântico para o Brasil.
26) Março de 1849, São José do Queimado, ES
Em 19 de março, os crioulos Chico Prego, João da Viúva e Elisiário lideraram mais de 300 escravizados em revolta após uma promessa não concretizada de liberdade feita pelo missionário italiano Gregório José Maria de Bene. O frei iria negociar a alforria daqueles que trabalharam na construção de uma igreja inaugurada durante a festa de São José. A repressão foi violenta, os fugitivos foram arrastados pelo chão por muitas léguas. Alguns sobreviventes fundaram o quilombo de Rosa d’Água em Cariacica.
27) 1853, Conspirações na Bahia e Pernambuco
Dados os fortíssimos rumores de conspiração em Salvador, alguns africanos libertos são presos e deportados por serem suspeitos. Em Pernambuco, nas vilas de Jaboatão, Nazaré e Pau d’Alho, escritos árabes são encontrados entre a comunidade islâmica escravizada. Numa atmosfera de muitos temores e medos de insurreições escravas, o alufá (sacerdote muçulmano) Rufino José Maria (ou Abuncare, seu nome africano), de origem ioruba, foi preso em Recife sob suspeita de participação na revolta.
28) Abril de 1854, Taubaté e São Roque, SP
Em 17 de abril, dia de São Benedito, escravizados de Taubaté planejaram atacar a praça da matriz, nomear um rei e seguir armados para Pindamonhangaba. Em São Roque, a revolta tinha raízes em comunidades religiosas lideradas pelo preto forro José Cabinda que recebia o espírito chamado “Pai Gavião” ou ‘Coroado”.
29) 1858, Santana do Livramento, RS
Escravizados em combinação com o negro castelhano Francisco Antonio Dias, conhecido como Antonio Barbat, planejam uma fuga em massa para o Estado Oriental (Uruguai). O sinal para que os rebeldes pudessem reconhecer uns aos outros seria o cabelo raspado à navalha na circunferência da cabeça.
30) Março de 1859, Capivari, Encruzilhada e Herval, RS
Em março, escravizados, desertores e criminosos fugidos planejavam atacar as vilas e fugir para o Estado Oriental (Uruguai).
31) Agosto de 1860, Itapemirim, ES
Em agosto, autoridades descobriram uma revolta organizada por homens e mulheres escravizados pertencentes às “Sociedades Pemba” nas fazendas da região.
32) 1861, Anajatuba, Viana e Turiaçu, MA
Escravizados e libertos de Anajatuba planejam uma revolta inspirada na Guerra de Secessão nos EUA. Depois de ver navios americanos ancorados em São Luís, rebeldes param de trabalhar ao imaginar que tropas americanas viriam ajudá-los a conseguir a liberdade. Quilombolas de Turiaçu e Viana circulam informação sobre a guerra.
33) 1862, Muribeca, PE
Insurreição planejada por escravos aquilombados dos Engenhos Guararapes, Conceição e Recreio. Muitos acreditavam que o governo imperial e a Inglaterra apoiariam sua luta pela liberdade e liam coletivamente os jornais da época.
34) 1863, conspirações no RS, RJ, MG, SP, MA e PA
Ciclo de conspirações negras em conexão à chamada Questão Christie. Escravizados planejavam lutar ao lado da Inglaterra numa eventual guerra contra o Brasil. Em Pelotas, o liberto Sebastião Maria foi preso por falar em ingleses contrários à escravidão. Em Campinas, uma insurreição foi sufocada na Fazenda Atibaia. Nas demais províncias, escravizados e quilombolas fogem em massa.
35) Novembro de 1863-1864, Taquari, RS
Insurreição planejada para o período eleitoral em novembro. Escravizados planejavam reunir-se no cemitério de onde arrancariam barras de ferro para usar como lanças e depois de atacar Taquari para conseguir dinheiro, armamento e fardamento oficial, finalmente fugindo “com os castelhanos” para o Estado Oriental (Uruguai).
36) Outubro de 1864, Serro e Diamantina, MG
Em outubro, artesãos das fazendas do Serro e escravizados das minas de diamante em Diamantina insurgiram-se em conjunto com o Quilombo dos Ferreiros e libertos. Inspirados pelas notícias vindas dos jornais a respeito da Guerra de Secessão nos EUA, os rebeldes resistiram ao cerco armado por dois meses em São João da Chapada. Entre os líderes, estavam a quilombola Vitorão, além do marceneiro José Cabrinha e o alfaiate Adão, ambos letrados e autores de cartas durante o levante.
37) Maio de 1864 a julho de 1865, fazendas da Ordem do Carmo, SP, PR e PA
Em maio, escravizados da Fazenda Capão Alto, na vila paranaense de Castro, recusaram-se a acompanhar o representante de novos arrendatários para São Paulo. Em dezembro, cativos da Fazenda Gaecá, perto de São Sebastião, atacaram a sede por desconfiar que seriam vendidos “para serra acima” pelo administrador. Em julho de 1865, na Fazenda Pernambuco, arredores de Belém, escravizados atacaram o feitor e se aquilombaram, influenciados por notícias sobre a Guerra de Secessão nos EUA.
38) 1865, Minas Gerais
Os cativos falavam “em liberdade, em Lopez do Paraguai, e muitas outras coisas perigosas”. Mais de 20 conspirações negras ocorreram na província, em conexão com a Guerra do Paraguai, incluindo novamente o Serro.
39) 1867, Viana, MA
Insurreição quilombola liderada pelos escravizados do mocambo São Benedito do Céu, nas matas de Viana e Turiaçu. Em julho, inspirados na Guerra do Paraguai, incendiaram as fazendas Timbó, Santa Bárbara e Santo Inácio. Os quilombolas esperavam o apoio dos índios Gamela e forçaram um feitor a escrever uma carta para as autoridades maranhenses onde diziam “nos achamos em campo a tratar da Liberdade dos Cativos, pois a muito que esperamos por ela”.
40) Junho de 1868, Porto Alegre, RS
Revolta organizada para eclodir na noite de São João, em 24 de junho. Os rebeldes planejavam atacar a cidade divididos em quatro divisões de lanceiros, visando o Quartel da Guarda Nacional, o Laboratório Pirotécnico e o Arsenal de Guerra. Prisioneiros de guerra paraguaios foram contatados pelos escravizados.
41) 1871, conspirações no RJ, MA, ES, SP e MG
Conspirações em conexão com a passagem da Lei do Ventre Livre. No Rio de Janeiro, na fazenda de João de Souza Botelho, escravizados exigem pagamento de salários a título de se acharem forros. No Maranhão, escravizados de Turiaçu, Santa Helena e São Bento fogem em massa para os quilombos. No Espírito Santo, escravizados planejam levantes em Queimado, Mangaraí, Cachoeiro de Itapemirim e Cariacica. Em São Paulo, as conspirações se espalham em Espírito Santo do Pinhal e São Roque. Em Minas Gerais, escravizados de fazendas de Sabará, Caeté, Jaguari, e Leopoldina se rebelam. Em Santa Luzia, os rebeldes pretendiam “gritar a República e ficarem forros.”
42) 1881, Resende, Areias, Bananal, Silveiras e Queluz, RJ e SP
Em março, uma revolta é descoberta na Freguesia de Campo Belo, em Resende, de onde se espalha para várias fazendas na fronteira entre Rio e São Paulo. Três homens brancos são indiciados ao lado dos escravizados que pretendiam ir à Corte Imperial “gritar a liberdade.”
43) 1882, Campinas, SP
Liderados pelo liberto Felipe Santiago, os 120 escravizados da Fazenda do Castelo, em Campinas, rebelam-se aos gritos de “Mata branco” e “Viva a Liberdade”. A família do administrador da fazenda é assassinada. A revolta estava ligada a uma sociedade de cunho milenarista chamada “Arasia”. Foram presos 74 suspeitos.
44) Dezembro de 1885, os “Incógnitos”, sociedade secreta abolicionista, RJ e SP
Em setembro, descobre-se uma insurreição escrava influenciada por uma sociedade secreta abolicionista chamada “Incógnitos.” Com sede na Corte, a sociedade esperava obter participação popular em várias províncias. Os rebeldes diziam contar com o apoio do Imperador, do Conde d’Eu e de figuras políticas. No Natal de 1885, focos de revolta aparecem em Limeira, Mogi Mirim e Casa Branca, na província de São Paulo onde os escravizados diziam seguir o Rei Pilintra.
45) 1887-1888, São Paulo e outras províncias
Ciclo de revoltas, fugas em massa das fazendas, aquilombamento, marchas e confrontos em vilas paulistas. Em Araras, por exemplo, os escravizados da Fazenda Empíreo apresentam-se ao Juiz de Órfãos reivindicando liberdade, salários e boa alimentação. Revoltas se espalham pelo Brasil representando a crise final do escravismo.
Fonte
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