O Humanismo, nascido na Itália, difundiu-se pela Europa entre os séculos XIV e XVI levando uma nova visão de mundo marcada pelo antropocentrismo, racionalismo, experimentalismo e otimismo. Nesse cenário de valorização do conhecimento nascido da experiência prática destacou-se Galileu Galilei (1564-1642), físico, astrônomo, matemático e filósofo italiano, considerado um dos pais da ciência moderna.
Vida de Galileu de autoria do dramaturgo alemão Bertolt Brecht (1898-1956) explora a trajetória desse cientista e a relação do poder (no caso, a Igreja Católica) com a ciência. Escrita à época do regime nazista na Alemanha, a peça retrata também a influência do poder ditatorial sobre a ciência. Neste sentido, a peça é uma metáfora para denunciar a opressão dos pesquisadores pelo poder bem como criticar os intelectuais alemães que se submeteram aos chefes nazistas. Discute, também, a situação de vida dos pesquisadores, a má remuneração, a perseguição aos cientistas, intelectuais e artistas.
Daí ser uma obra atemporal. O próprio Brecht, quando morou nos Estados Unidos, produziu uma segunda versão de Vida de Galileu, em inglês, para apresentar em Los Angeles em 1945 com o ator Charles Laugton (1899-1962). Nessa versão, Brecht enfatizou a responsabilidade da ciência para o bem da sociedade, colocando no fundo do cenário as bombas atômicas sendo lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki. Refletiu sobre o valor e o uso do conhecimento, bem como a influência que a situação política e social exerce sobre a ciência.
(Veja abaixo, o download da cena 1 de “Vida de Galileu”)
Vida de Galileu, a peça
A peça se passa na Itália, no século XVII, em uma era de transformações culturais, e se estende por um período de 28 anos. Galileu, no início da peça tem 46 anos e mora em Pádua com sua filha Virginia, a empregada dona Sarti e o filho dela, Andrea Sarti. Ganha a vida como professor de Matemática e construindo peças que ele inventa ou aprimora como o telescópio e uma bomba d’água.
No entanto, essas atividades não cobrem suas despesas e ele está sempre com dificuldades financeiras para se manter. Sob pressão de sua empregada, tem que aceitar alunos particulares – ainda que com relutância, pois perde tempo em suas pesquisas.
Pádua, a cidade onde Galileu mora, pertence à República de Veneza que era, então, um território livre das ameaças da Inquisição. Essa situação favorece as pesquisas científicas, apesar da cidade pagar muito pouco pelos serviços de Galileu. Em contrapartida, a cidade de Florença, sob governo dos Médici, é dominada pela nobreza e pelo alto clero, e a ciência deve servir à fama e ao poder e, portanto, depende dos interesses da elite governante. Já em Florença, a ciência recebe um apoio financeiro generoso e Galileu pretendia mudar-se para a corte florentina, quando perdeu sua liberdade de pesquisar.
As pesquisas de Galileu se concentram na física e na astronomia. Com seu novo telescópio, ele revoluciona a visão de mundo com base nas observações da Lua e das luas de Júpiter. Consegue provar a teoria heliocêntrica de Nicolau Copérnico (1473-1543) e refuta a antiga visão de mundo ptolomaica geocêntrica de que a Terra é o centro do universo o que contradiz a posição assumida pela igreja.
A primeira cena da peça mostra Galileu como professor, explicando para o jovem Andrea a visão copernicana do mundo de forma muito clara e compreensível. Critica as crenças e tradições, e estimula a mente aberta e a experiência prática. Eufórico e cheio de otimismo, Galileu anuncia que uma nova era está começando. Tem convicção de que o resto da sociedade será influenciado pelas novas descobertas científicas.
A peça avança alguns anos e mostra a tentativa inútil de Galileu convencer os estudiosos em um jogo de vaidade e disputa científica. Eles questionam a confiabilidade do telescópio de Galileu e acusam-no de fraude.
Os defensores da teoria de Ptolomeu, interpretam o heliocentrismo como um insulto e uma degradação de si mesmos pois teriam que se colocar em uma posição inferior, à qual resiste. A Igreja, por sua vez, impede que a cosmovisão heliocêntrica seja implementada, porque a nova teoria questiona sua autoridade e significado e, em última instância, seu poder.
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Bertolt Brecht, o autor
Por suas ideias libertárias e marxistas, Bertolt Brecht (1898-1956) foi hostilizado pelos nazistas desde o aparecimento desses grupos. Em 1923, durante a encenação de sua peça, jovens nazistas lançaram bombas no teatro. A peça foi cancelada após seis apresentações.
Brecht pretendia que suas peças, poemas, canções, romances e contos fossem instrumentos de transformação social e de reflexão crítica do espectador. Em 1928, Brecht estreou sua Ópera dos três Vinténs, com música de Kurt Weill, um dos maiores sucessos teatrais da República de Weimar. Poucos anos depois, tudo mudou.
Ao iniciar a década de 1930, os nazistas ficaram ainda mais violentos contra seus adversários. Em 28 de fevereiro de 1933, um dia após o incêndio do Reichstag, Brecht deixou Berlim com sua família e amigos e fugiu para o exterior. Em maio daquele ano, seus livros foram queimados em praça pública em cerimônia nazista e todas suas obras foram proibidas. Brecht perdeu sua cidadania alemã em 1935.
Durante seu exílio, escreveu diversas peças, entre elas Terror e Miséria no III Reich, estreada em Paris em 1938, e Vida de Galileu, estreada em Zurique, em 1943.
Vida de Galileu no Brasil
No Brasil, a peça de Brecht foi encenada pelo Teatro Oficina, em São Paulo, em dezembro de 1968, no momento em que era editado o Ato Institucional n.5 (AI-5), que consolidou a ditadura militar no país. Uma forte censura foi implantada nos meios de comunicação e nas artes. Vida de Galileu, mais uma vez, serviu de bandeira pelas liberdades democráticas.
Pouco tempo depois, em 1º de abril de 1970, dez cientistas do então Instituto Oswaldo Cruz, atual Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) foram cassados com base no AI-5. A cassação foi ordenada pelo então Ministro da Saúde, Francisco de Paula da Rocha Lagoa.
Com isso o Instituto, que na época contava com 70 profissionais, perdeu 14% do seu quadro de pesquisadores, todos com 20 ou 30 anos de atuação científica, reconhecidos por sua intensa produção científica e líderes de grupos de pesquisa. Suas pesquisas foram paralisadas e muitos foram embora do Brasil dedicando seus conhecimentos para importantes laboratórios internacionais. O caso ficou conhecido como “Massacre de Manguinhos”.
Trabalhando a peça em sala de aula
Após ler a peça com a turma, lance algumas perguntas para verificar a compreensão do texto.
1. Que elementos do texto confirmam que se trata de uma peça teatral? RESP.: Texto em forma de diálogo e marcações de cenas.
2. Quantos personagens compõem a cena? Qual é o personagem principal? RESP.: Três personagens, sendo Galileu, o principal.
3. Onde e quando ocorre a peça? Onde se passa a cena? RESP.: Ocorre em Pádua, na Itália, no século XVII e a cena acontece no quarto de Galileu.
Aprofunde a compreensão do texto, relacionando as falas ao contexto histórico.
4. O que Galileu queria ensinar ao garoto? RESP.: A teoria heliocêntrica de Copérnico, que defendeu a ideia de que a Terra e os demais planetas giram em torno do Sol.
5. Como ele demonstrou isso? RESP.: Mostrando de maneira prática: movimentou a cadeira com Andrea sentado nela.
6. O que essa forma de demonstração indica sobre os métodos de pesquisa de Galileu? RESP.: Ele valoriza a experiência prática e a observação (“ver” o mundo e não apenas olhar).
7. A que teoria Galileu se refere quando diz: “há dois mil anos a humanidade acredita que o Sol e as estrelas do céu giram em torno dela [a Terra]”? RESP.: Refere-se à teoria geocêntrica, defendida por Ptolomeu e aceita pela Igreja Católica.
8. Que características do Humanismo podemos perceber nas palavras de Galileu? RESP.: A busca do conhecimento por meio da pesquisa (“vamos investigar, e começar pelo começo: a descrição”), da observação (“queremos ver com os nossos olhos”) e da crítica (“O que era indubitável, agora é posto em dúvida”); o experimentalismo (“e não tem outro jeito?”); o raciocínio lógico (“Quando eu viro, você por acaso fica assim?”); otimismo (“agora é um tempo novo”).
9. Em que trecho se nota a oposição da Igreja às ideias de Galileu? RESP.: Na fala de Dona Sarti quando ela diz “Depois ele fala essas coisas na escola, e os padres vêm me procurar, porque ele fica dizendo coisas que são contra a religião”.
O trabalho pode ser complementado com uma pesquisa sobre Galileu, sua importância para a ciência moderna e as ameaças que sofreu da Inquisição a ponto de ser obrigado a retirar sua teoria. O tema permite discutir sobre o papel da ciência e seus confrontos com a religião e o poder.
Fonte
- BRECHT, Bertolt (1898-1956). Vida de Galileu (peça de 1938-1939). In: Teatro completo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991, p. 55-62.
- NAESS, Atle. Galileu Galilei: um revolucionário e seu tempo. Rio de Janeiro: Zahar, 2015.
- GUERRA, Andreia et al. Galileu e o nascimento da ciência moderna. São Paulo: Atual, 1997.
- MACLACHLAN, James. Galileu Galilei. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
- BRAGA, Marco; GUERRA, Andreia; REIS, José Claudio. Breve história da ciência moderna, v. 2: das máquinas do mundo ao universo das máquinas (séc. XVI a XVIII). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.