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Quando o Brasil pensou em substituir o negro por ‘semiescravo’ chinês

4 de maio de 2022

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No final da década de 1870, um grande temor se espalhava entre os grandes fazendeiros brasileiros: a escravidão estava com os dias contados. Desde 1850, o tráfico negreiro estava proibido pela Lei Eusébio de Queirós, impedindo a entrada de novos africanos no país. Sem o tráfico, a reposição de mão de obra estava cada vez mais difícil, principalmente depois da Lei do Ventre Livre, de 1871 que dava liberdade às crianças nascidas de escravas.

Soma-se a isso, a pouca “durabilidade da peça”, como era chamado o escravizado. Em 1872, um escravizado no Brasil vivia em média apenas cerca de 18 anos (BOFF, 2020).

A incidência das fugas e das sublevações escravas em fazendas de Minas Gerais e do Vale do Paraíba junto com a intensificação do movimento abolicionista tornavam urgente uma solução para suprir a mão de obra nas lavouras. A imigração europeia para as lavouras do Oeste paulista já vinha ocorrendo e, desde 1850, aumentava ano a ano. O europeu, contudo, ficava pouco tempo nas fazendas, e logo partia para os grandes centros buscando atividades econômicas ligadas à indústria e comércio.

Foi nesse contexto que o liberal nordestino João Lins Vieira Cansanção de Sinimbu, primeiro-ministro no período de 1878-1880, tentou convencer os senadores para a importação de chins, como chamavam os chineses na época.

O projeto de importação dos “chins”

O primeiro-ministro acrescenta, ainda, que a mão de obra chinesa era a mais adequada ao Brasil pois os imigrantes europeus não queriam ser trabalhadores assalariados e sim proprietários de terras. O chin, argumentava Sinimbu, é “laborioso e exige menor salário”. Mencionou ainda que o sucesso das colônias francesas, inglesas, espanholas e até mesmo os Estados Unidos tinham como base os chins.

Abundante mão de obra chinesa estava, então, disponível. Levas de trabalhadores abandonavam o império chinês, entre outras razões, por causa da superpopulação (370 milhões de habitantes, contra 10 milhões no Brasil), da escassez de alimentos e da crise decorrente da derrota nas Guerras do Ópio (1839-1842 e 1856-1860).

Na década de 1850, os imigrantes chineses representavam um quinto da população que vivia em torno das minas de ouro da Califórnia, nos Estados Unidos. Cuba foi o país latinoamericano que mais recebeu trabalhadores chineses entre 1847 e 1874. O Peru surge como o segundo da lista, tendo registro da entrada de cerca de 100 mil chineses. Os bairros chineses de Havana e Lima são heranças da imigração asiática. Também o Chile e o Equador receberam chineses.

Na América, os imigrantes chineses trabalhavam sob condições de semiescravidão com pagamantos irrisórios, jornadas extenuantes, ambientes insalubres e castigos físicos. São justamente essas características usadas como “atrativo” para convencer os fazendeiros brasileiros que querem um trabalhador que ganhe o menos possível, sujeite-se às privações e trabalhe como o africano, sem estar escravizado.

“Cavalheirismo pacífico”, título da charge de Thomas Nast, de 1869, denuncia o tratamento violento aos imigrantes chineses pelos seus patrões na Califórnia, EUA.

O “perigo amarelo”: racismo e xenofobia

Os debates sobre importação de mão de obra ocorriam, então, sob o contexto dos discursos civilizatórios. Segundo as teorias racistas em voga na época, a humanidade estava dividida e hierarquizada em três raças sendo os brancos a raça superior, o negro a inferior, e os amarelos (asiáticos e indígenas) a intermediária. Segundo Arthur de Gobineau, teórico desse pensamento, o Brasil era um país atrasado por causa da miscigenação entre brancos e negros.

— A ciência da biologia ensina que, nesses cruzamentos de raças tão diferentes, o elemento inferior vicia e faz degenerar o superior. Senador visconde do Rio Branco (MT)

Seguindo essa linha de pensamento, a intenção dos fazendeiros brasileiros em substituir os negros escravizados por trabalhadores europeus era a receita certa para “embranquecer” a população brasileira. A imigração era vista ao mesmo tempo como colonizadora e civilizatória, dirigida por uma elite preocupada em europeizar o Brasil. O asiático, ao contrário, pertencia a raça ou civilização inferior e, em hipótese alguma deveria se misturar com os brasileiros. Os discursos de rejeição aos chineses são exemplares do pensamento racista e xenófobo da elite brasileira.

“O novo sol que brevemente despontará no horizonte”, título da charge, mostra um enorme e ameaçador chinês aparecendo na Baía da Guanabara. Revista Illustrada, Rio de Janeiro, n. 175, 1879.

— Senhores, não sei que fatalidade persegue este Império, digno de melhor sorte: ou há ter africanos, ou há de ter chins? Li numa memória acerca da colonização chin que diz ser essa uma raça porca que muda de roupa só duas vezes ao ano. Pois, quando as nossas leis estabelecem prêmios àqueles que trouxerem para o Império boas raças de animais, tratam de mandar buscar rabichos e caricaturas de humanidade? Senador Dantas (AL)

— Depois de tantos anos de independência e de estarmos mais ilustrados a respeito da marcha dos negócios do mundo, havemos agora de voltar atrás e introduzir nova raça, cheia de vícios, de físico amesquinhado, de moral abatido, que não tem nada de comum aqui e não tem em vista formar uma pátria e um futuro? Havemos de introduzir semelhante raça somente para termos daqui a alguns anos um pouco mais de café? Senador Junqueira (BA).

— Acostumado à convivência branda e amistosa dos antigos escravos brasileiros, fazendeiro nenhum será capaz de suportar o contato dos chins. Seus vícios se exacerbam com o uso detestável e enervante do ópio. Só o cheiro que os chins exalam bastará para afugentar o fazendeiro mais recalcitrante. Senador Escragnolle Taunay (SC). Fonte: Agência Senado

A charge reforça o preconceito aos chineses mostrando-os como ladrões de porcos e galinhas. Revista Illustrada, Rio de Janeiro, n.175, 1879.

Em defesa da imigração dos “chins”

Os senadores que defendiam a imigração asiática recorriam, por sua vez, a argumentos também carregados de preconceitos.

— Dizem que os chins vêm amesquinhar a nossa raça, mas não estão aí os nossos índios? (…) E isso piora a nossa raça? (…) Os chins não nos vêm perturbar a ordem doméstica. Pelo contrário, são muito humildes, servem muito, trabalham. São até excelentes cozinheiros. Não são revolucionários, não têm pretensões. Acho que é uma boa importação. (…) São sóbrios, infatigáveis e econômicos. Sendo materialistas, só visam o lucro. Além de materialistas, são educados sob o regime autoritário o mais severo, que lhes impõe desde o nascer. É com esse espírito de ordem que trabalham. Senador Cândido Mendes de Almeida (MA).

— O trabalhador chin, além de ter força muscular, é sóbrio, laborioso, paciente, cuidadoso e inteligente mesmo. Por sua frugalidade e hábitos de poupança, é o trabalhador que pode exigir menor salário. Assim, deixa maior soma de lucros àquele que o tem a seu serviço. É essa precisamente uma das razões por que devemos desejá-lo para o nosso país. Cansanção de Sinimbu ao Senado, 1879 (Agência Senado).

O primeiro-ministro Cansanção de Sinimbu procurava tranquilizar os senadores garantindo que não havia risco de “abastardamento das raças” do Brasil porque os chineses não ficariam para sempre aqui, pois é da natureza deles retornarem ao país natal.

O primeiro-ministro procurou convencer os senadores a aprovar a liberação de verbas necessárias para o envio de uma missão diplomática à China para negociar o tratado. O custo da viagem ficaria em 120 contos de réis. Uma fortuna! Era o valor dos orçamentos somados da Biblioteca Pública, do Observatório Astronômico, do Liceu de Artes e Ofícios, da Imperial Academia de Medicina e do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro para todo o ano de 1879.

A viagem dos diplomatas brasileiros à China é longa, feita a bordo de um navio de guerra da Marinha.

Após muitas discussões, o Senado e a Câmara aprovaram em 1879, a liberação dos 120 contos de reis para que a missão diplomática fosse à China. Em 1880, pela primeira vez, um navio brasileiro, chegou à China e, meses depois, retornou ao Rio de Janeiro, completando a volta no planeta.

As negociações com o vice-rei Li Hung Chang levaram meses. Ao final, foi assinado um acordo em 1881 garantindo o livre trânsito de cidadãos entre os dois impérios. Um consulado brasileiro foi instalado em Xangai.

E os chineses não vieram

No início de 1882, em sua Fala do Trono, o imperador D. Pedro II não faz qualquer menção ao tratado com a China. O recado estava claro: o governo não pretendia levar adiante aquela questão. Os fazendeiros que suprissem os braços na lavoura por sua própria conta e risco.

Os esforços para estabelecer um fluxo imigratório de chineses não obtiveram sucesso. A própria China não tinha interesse em mandar gente para o Brasil. A solução chinesa foi, assim, abandonada sem que os chin tivessem vindo para o Brasil.

Por essa época, os chineses eram barrados nos Estados Unidos. Em 1882, o Congresso aprovou a Lei de Exclusão dos Chineses, que proibia a entrada no país de coolies (como chamavam os chineses) e impedia a cidadania aos naturalizados. A interdição prolongou-se até 1902 e acabou por incluir japoneses, indianos, filipinos, coreanos e outros imigrantes asiáticos. A lei, contudo, só foi oficialmente revogada em 1943.

No Brasil, poucos anos depois ocorreu a abolição (1888) e logo a seguir, em 1889, instalada a República. Em 1890, o recém-formado governo republicano promulgou o decreto 528 que praticamente proibia a entrada de imigrantes da Ásia e da África. Contudo, dois anos depois o decreto ficou sem efeito com a Lei n. 97/1892 que permitia a entrada de imigrantes chineses e japoneses no Brasil. Começaria, então, uma nova etapa na história da migração.

“O único barrado”, é o título da caricatura que mostra um chinês sentado na frente do “Portão dourado da Liberdade”, fechado. O cartaz na parede diz: “Aviso: Comunistas, niilistas, socialistas, fenianos e bandidos são bem-vindos, mas não é permitida a entrada de chineses”.

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