Em 24 de fevereiro de 1932, foi estabelecido o voto secreto e feminino no Brasil pelo Decreto no 21.076, do Código Eleitoral provisório. A redação do decreto considerou eleitor “o cidadão maior de 21 anos sem distinção de sexo”. As mulheres conquistavam, depois de muitos anos de reivindicações e discussões, o direito de votar e serem eleitas para cargos no executivo e legislativo.
O Código Eleitoral de 1932, contudo, estabelecia restrições para o voto feminino baseadas no estado civil e a dependência econômica, como se lê abaixo.
Art. 8º – São admitidas eleitoras desde que preencham as demais condições legais:
a) mulher solteira sui júri que tenha economia própria e viva de seu trabalho honesto ou do que lhe rendam bens, empregos ou qualquer outra fonte de renda lícita;
b) viúva em iguais condições;
c) a mulher casada que exerça efetivamente o comércio ou indústria por conta própria ou como chefe, gerente, empregada, ou simples operária de estabelecimento comercial ou industrial, e bem assim que exerça efetivamente qualquer lícita profissão, com escritório, consultório ou estabelecimento próprio ou em que tenha funções, devidamente autorizada pelo marido, na forma da lei civil;
Art. 9º – Ainda são alistáveis, nas condições do art. antecedente:
a) a mulher separada por desquite amigável ou judicial, enquanto durar a separação;
b) aquela que, em consequência da declaração judicial da ausência do marido, estiver à testa dos bens do casal, ou na direção da família;
c) aquela que foi deixada pelo marido durante mais de dois anos, embora esteja este em lugar sabido.
O direito de voto na Primeira República
A República recém-instalada fez mudanças no sistema eleitoral que passou a ser regido pelo sufrágio universal, eliminando a exigência de renda. O Decreto nº 6, de 19 de novembro de 1889, considerava eleitores todos os cidadãos brasileiros no gozo dos seus direitos civis e políticos que soubessem ler e escrever. Foi negado o direito de voto aos analfabetos e aos mendigos. A idade mínima foi reduzida para 21 anos, exceto aos casados, aos oficiais militares, aos bacharéis formados, aos clérigos e doutores.
Não havia referência quanto ao sufrágio feminino, no anteprojeto constitucional de 1890, elaborado pelo Governo Provisório. Contudo, a Comissão dos 21 – uma comissão especial de 21 membros incumbida de dar um parecer acerca do anteprojeto – propôs a concessão do direito de voto às mulheres que tivessem diploma de professora ou títulos científicos, fora do poder do marido ou do pai, e às que tivessem posses pessoais. A proposta não foi aceita sob a justificativa do voto feminino ser uma ameaça à maternidade e à vida doméstica (ÁLVARES, 2014).
A mulher permaneceu excluída da vida política, não podia votar e era inelegível. Restava-lhe como atividade econômica independente o magistério, uma das poucas profissões que as “mulheres dignas” exerciam.
Negando o direito de voto às mulheres e aos analfabetos, excluiu-se um considerável contingente da população brasileira. Em 1920, em um total de 30,6 milhões de habitantes, o eleitorado correspondia a 3,4% da população (censo de 1920).
Primeiros passos rumo aos direitos da mulher
A paulista Bertha Lutz (1894-1976), bióloga formada na Universidade de Sorbonne, Paris, assim que retornou ao Brasil, em 1918, aos 24 anos de idade, liderou uma campanha pioneira pelos direitos da mulher no Brasil em artigos publicados em jornais.
Em 1919, representou o Brasil junto com a paulista Olga de Paiva Meira, no Conselho Feminino Internacional, órgão da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Durante os trabalhos do conselho foram aprovados os princípios de salário igual para ambos os sexos e a inclusão da mulher no serviço de proteção aos trabalhadores.
De volta ao Brasil, Bertha empenhou-se na luta pelo voto feminino e junto com outras mulheres, entre as quais a mineira Maria Lacerda de Moura (1887-1945) e a mato-grossense Carmem Portinho (1903-2001) criou, em 1919, a Liga para a Emancipação Intelectual da Mulher. Em 1922, a Liga deu lugar à Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF), a mais importante entidade civil brasileira na luta pelos direitos civis e políticos das mulheres.
A FBPF luta pela aprovação do voto feminino
Os anos que se seguiram à fundação da FBPF foram de intensa mobilização das afiliadas. Em 1927, elas exerceram forte pressão sobre o senador Juvenal Lamartine, membro da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, onde estava em exame um projeto de lei que estendia o direito de voto às mulheres.
Lamartine deu parecer favorável ao projeto de lei. Pouco depois, lançou-se candidato ao governo de seu estado, Rio Grande do Norte. Em sua plataforma política anunciou que pretendia aprovar o sufrágio feminino. Recebeu pleno apoio da FBPF, que distribuiu panfletos favoráveis à Lamartine.
Eleito presidente do Rio Grande do Norte, Lamartine articulou para que os deputados estaduais elaborassem uma nova lei eleitoral que incluísse o voto feminino. A lei foi sancionada e entrou em vigor em 25 de outubro de 1927 (Lei no 660), estabelecendo que não haveria mais distinção de sexo para o exercício do sufrágio e como condição básica de elegibilidade. Uma avalanche de mulheres acorreu à Justiça do estado para garantir seu direito de votar e de serem votadas.
As primeiras eleitoras
A professora potiguara Celina Guimarães Viana (1890-1972), foi a primeira eleitora de que se tem registro oficial no Brasil e a primeira mulher da América Latina com direito a votar. Ela deu entrada ao pedido em 25 de novembro de 1927 em um cartório da cidade de Mossoró, no Rio Grande do Norte.
A professora Júlia Alves Barbosa (1898-1943) foi a segunda eleitora do Rio Grande do Norte, mas poderia ter sido a primeira pois requisitou seu alistamento eleitoral dias antes de Celina, em 22 novembro, na cidade de Natal. Porém, o requerimento de Celina foi deferido primeiro, por ser casada com um homem influente (advogado e professor), ela teve o seu requerimento despachado com mais rapidez, a ponto de ser publicado antes do requerimento de Júlia no Diário Oficial do Estado.
Até fevereiro de 1928, mais dezesseis mulheres alistaram-se em várias cidades (Natal, Mossoró, Acari, Apodi) no Rio Grande do Norte. Em 1929, foi eleita Alzira Soriano (1897-1963), a primeira mulher a assumir a prefeitura, no município de Lajes. Sua campanha foi repleta de ofensas sexistas, em que os opositores diziam às claras que mulher pública é prostituta. De nada adiantaram as ofensas pessoais: Alzira foi eleita com 60% dos votos.
A conquista do direito de voto no Rio Grande do Norte, contudo, teve um sério retrocesso. A Comissão de Poderes do Senado entendeu que a lei federal (que não contemplava o voto feminino) era superior a lei estadual e, por isso, as eleitoras e eleitas do Rio Grande do Norte tiveram seus votos anulados.
A primeira eleição com voto feminino
Em 1933, foram realizadas as eleições para compor a Assembleia Nacional Constituinte. Foi a primeira eleição em que as mulheres exerceram seu direito político. Algumas seções eleitorais foram instaladas exclusivamente para elas. Não se tem registro de quantas eleitoras compareceram às urnas, entre 1.466.700 eleitores inscritos nas mais de cinco mil seções eleitorais espalhadas por todo o país. Desses, aproximadamente 84% compareceram às urnas – menos de 4% da população total.
As 214 vagas de deputados constituintes foram disputadas por 1.040 candidatos, sendo que apenas 19 eram mulheres, a maioria no Rio de Janeiro e Distrito Federal. Bertha Lutz foi uma das candidatadas nessa eleição, mas não foi eleita, apesar de ter participado da comissão do anteprojeto da Constituição.
A proposta das feministas da FBPF, chamada de “Os 13 Princípios” enfatizava questões diretamente vinculadas ao cotidiano das mulheres, como maternidade e proteção à infância, condenava as diferenças salariais motivadas por sexo, nacionalidade ou estado civil, previa a instituição de licença-maternidade remunerada, defendia o acesso irrestrito de mulheres a cargos públicos sem distinção de estado civil.
A FBPF não teve sucesso na sua tentativa de eleger uma representante para a Constituinte. A única mulher eleita em 1933 foi Carlota Pereira de Queiroz (1892-1982), pertencente à elite paulistana. Seu mandato foi em defesa da mulher e das crianças, e por melhorias educacionais.
“Ainda que tivesse sido saudada por todas as feministas, [Carlota] representava uma incógnita política, visto que ela jamais se aproximara da Federação, sendo ligada a outras atividades. (…) Bertha e Carlota tinham divergências profundas, que se explicitariam mais tarde” (SCHUMAHER e BRAZIL, 2000).
Em 1934, foi eleita Antonieta de Barros (1901-1952), a primeira mulher negra deputada estadual, por Santa Catarina, pelo Partido Liberal Catarinense. A bandeira política de Antonieta era o poder revolucionário e libertador da educação para todos. Escreveu dois capítulos da Constituição catarinense, sobre Educação e Cultura e Funcionalismo. Foi um projeto da lei de sua autoria que criou o Dia do Professor e o feriado escolar no dia 15 de outubro (Lei no 145, 1948).
Em 2015, a então presidente Dilma Rousseff sancionou a Lei nº 13.086/15, que incluiu, no calendário oficial, o 24 de fevereiro como o Dia da Conquista do Voto Feminino no Brasil.
Saiba mais
- Berta Lutz defende o direito de voto para as mulheres
- Nova Zelândia, garante o direito de voto à mulher
- Dia Internacional da Mulher: mitos e verdade na escolha da data
Fonte
- RODRIGUES, João Baptista Cascudo. A mulher brasileira: direitos políticos e civis. Fortaleza: Imprensa Universitária do Ceará, 1962.
- SCHUMAHER, Schuma & BRAZIL, Érico Vital (orgs.) Dicionário Mulheres do Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.
- ÁLVARES, Maria Luzia Miranda. Entre eleitoras e elegíveis: as mulheres e a formação do eleitorado na democracia brasileira. Quem vota? Quem se candidata? Caderno Pagu (43), jul-dez 2014.
- TORRES, Aline. Antonieta de Barros, a parlamentar negra pioneira que criou o Dia do Professor. El País, 14 out 2021.
- Eleição de 1933, o limiar da Justiça Eleitoral. Tribunal Superior Eleitoral.