Em 2 de setembro de 1822, o Conselho de Estado presidido pela princesa Maria Leopoldina e com aprovação desta, concordou por unanimidade pela separação do Brasil e que essa decisão fosse levada imediatamente ao príncipe regente (em viagem a São Paulo), recomendando-lhe a proclamar a independência.
A princesa Maria Leopoldina era, então, Regente Interina do Reino do Brasil e Chefe do Conselho de Estado desde o dia 13 de agosto de 1822 por decreto assinado por D. Pedro que precisou se ausentar da Corte para resolver uma contenda em a São Paulo.
A decisão do Conselho de 2 de setembro foi motivada pelos despachos das Cortes, recém-chegados ao Rio de Janeiro, nos quais era exigido o retorno de D. Pedro, a prisão de José Bonifácio e a punição dos envolvidos nas manifestações que resultaram no Dia do Fico.
Junto com as instruções das Cortes, seguiram quatro cartas pessoais a D. Pedro: uma escrita por José Bonifácio, outra pela princesa, ambas reforçando as recomendações do Conselho de Estado, carta do rei D. João VI e de Henry Chamberlain, amigo de confiança do príncipe.
As referidas cartas, contudo, nunca foram localizadas em sua versão original. Teriam sido publicadas em folheto na década de 1820 e daí copiadas por cronistas e historiadores, sendo sua existência mencionada por testemunhas que vivenciaram os acontecimentos entre os dias 2 e 7 de setembro de 1822.
As cartas foram levadas por dois mensageiros: o major Antônio Ramos Cordeiro e Paulo Bregaro, hoje Patrono dos Carteiros. Chegaram às mãos de D. Pedro no dia 7 de setembro, quando ele se encontrava às margens do Ipiranga, retornando de Santos. “Quando, em 7 de setembro, o regente proclamou o célebre Grito do Ipiranga, a independência já estava realizada, faltando apenas oficializá-la com a aclamação de D.Pedro como imperador constitucional do Brasil, o que ocorreria em 12 de outubro de 1822″. (NEVES, 2002, p. 228).
A carta da princesa Leopoldina
“Pedro, o Brasil está como um vulcão. Até no paço há revolucionários. Até oficiais das tropas são revolucionários. As Cortes Portuguesas ordenam vossa partida imediata, ameaçam-vos e humilham-vos. O Conselho de Estado aconselha-vos para ficar.
Meu coração de mulher e de esposa prevê desgraças, se partirmos agora para Lisboa. Sabemos bem o que tem sofrido nossos país. O rei e a rainha de Portugal não são mais reis, não governam mais, são governados pelo despotismo das Cortes que perseguem e humilham os soberanos a quem devem respeito. Chamberlain vos contará tudo o que sucede em Lisboa.
O Brasil será em vossas mãos um grande país. O Brasil vos quer para seu monarca. Com o vosso apoio ou sem o vosso apoio ele fará a sua separação. O pomo está maduro, colhei-o já, senão apodrece.
Ainda é tempo de ouvirdes o conselho de um sábio que conheceu todas as cortes da Europa, que, além de vosso ministro fiel, é o maior de vossos amigos. Ouvi o conselho de vosso ministro, se não quiserdes ouvir o de vossa amiga.
Pedro, o momento é o mais importante de vossa vida. Já dissestes aqui o que ireis fazer em São Paulo. Fazei, pois. Tereis o apoio do Brasil inteiro e, contra a vontade do povo brasileiro, os soldados portugueses que aqui estão nada podem fazer.
Leopoldina”.
A posição da princesa Leopoldina
Leopoldina teria aderido à independência do Brasil, antes mesmo do marido, em nome da conservação da monarquia. Ela temia os excessos liberais e as revoluções populares. Eram fortes as lembranças das execuções ocorridas durante a Revolução Francesa quando foi guilhotinada sua tia-avó Maria Antonieta.
A princesa rejeitava as decisões das Cortes e qualquer ameaça de sublevação social. Por isso referia-se aos acontecimentos de Lisboa como “despotismo das Cortes que perseguem e humilham os soberanos a quem devem respeito”, conforme escreveu em sua carta a D. Pedro.
Aproximou-se de José Bonifácio e de seus partidários, mais conservadores. Apoiou a permanência de D. Pedro no Brasil – simbolizado no Dia do Fico – passando a defender também a independência do Brasil sob um regime monárquico sem riscos.
Teria sido Leopoldina, segundo alguns autores, que idealizou a bandeira do Brasil, ainda enquanto Regente Interina, unindo o verde da Casa de Bragança e o amarelo ouro da Casa de Habsburgo-Lorena. Outros opinam que foi o artista francês Jean-Baptiste Debret o autor da bandeira nacional.
Depois disso, Leopoldina se empenhou a fundo no reconhecimento da independência do Brasil pelas cortes europeias, escrevendo cartas ao pai, imperador da Áustria, e ao sogro, rei de Portugal.
A carta de José Bonifácio
“Senhor, as Cortes ordenaram minha prisão, por minha obediência a Vossa Alteza.
E, no seu ódio imenso de perseguição, atingiram também aquele que se preza em o servir com a lealdade a dedicação do mais fiel amigo e súdito. O momento não comporta mais delongas ou condescendências.
A revolução já está preparada para o dia de sua partida. Se parte, temos a revolução do Brasil contra Portugal, e Portugal, atualmente, não tem recursos para subjugar um levante, que é preparado ocultamente, para não dizer quase visivelmente. Se fica, tem, Vossa Alteza, contra si, o povo de Portugal, a vingança das Cortes, que direi?! até a deserdação, que dizem já estar combinada. Ministro fiel que arrisquei tudo por minha Pátria e pelo meu Príncipe, servo obedientíssimo do Senhor D. João VI, que as Cortes têm na mais detestável coação, eu, como Ministro, aconselho a Vossa Alteza que fique e faça do Brasil um reino feliz, separado de Portugal, que é hoje escravo das Cortes despóticas.
Senhor, ninguém mais do que sua esposa deseja sua felicidade e ela lhe diz em carta, que com esta será entregue, que Vossa Alteza deve ficar e fazer a felicidade do povo brasileiro, que o deseja como seu soberano, sem ligações e obediências às despóticas Cortes portuguesas, que querem a escravidão do Brasil e a humilhação do seu adorado Príncipe Regente.
Fique, é o que todos pedem ao Magnânimo Príncipe, que é Vossa Alteza, para orgulho e felicidade do Brasil.
E, se não ficar, correrão rios de sangue, nesta grande e nobre terra, tão querida do seu Real Pai, que já não governa em Portugal, pela opressão das Cortes; nesta terra que tanto estima Vossa Alteza e a quem tanto Vossa Alteza estima.
José Bonifácio de Andrada e Silva“.
Por que o Sete de Setembro tornou-se a data da independência?
A proclamação às margens do Ipiranga, em São Paulo, não causou nenhuma mudança no país nas semanas seguintes. Somente as províncias de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro tiveram conhecimento do episódio. Levaria muito tempo para a notícia chegar ao resto do país.
Além disso, havia meses que já vinham ocorrendo movimentos a favor da independência em Pernambuco e na Bahia. Em 5 de outubro de 1821, Pernambuco rompeu com Portugal, e em 25 de junho de 1822, a cidade baiana de Cachoeira proclamou a sua separação. Foram movimentos separatistas precursores, mas pouco lembrados.
Para entender melhor essa história, veja o artigo Independência não se faz no grito.
Fonte
- NEVES, Lúcia Bastos Pereira das. Emancipação política. In: VAIFAS, Ronaldo (dir.). Dicionário do Brasil Imperial (1822-1889). Rio de Janeiro: Objetiva, 2002.
- REZZUTTI, Paulo. D. Leopoldina: a história não contada: a mulher que arquitetou a independência do Brasil. Ed. Leya, 2017.
- DEL PRIORE, Marry. A carne e o sangue. A imperatriz D. Leopoldina, D. Pedro I e Domitila, a Marquesa de Santos. Rio de Janeiro: Rocco, 2012.
- SCHUMAHER, Shuma e BRAZIL, Érico Vital (org.). Dicionário mulheres do Brasil: de 1500 até a atualidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.
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