Em 25 de janeiro de 1835, ocorreu na cidade de Salvador, na Bahia, um dos mais significativos levantes de escravos do Brasil, a revolta dos Malês.
A revolta foi articulada por escravos malês, como eram chamados os africanos muçulmanos na Bahia, no século XIX. Em sua maioria, os malês eram do grupo étnico africano hauçás, mas também contava com muitos nagôs (iorubás) e jejes incluindo seguidores do candomblé. “Podemos dizer que a conspiração foi malê e o levante foi africano” (REIS, p. 151, grifos do autor).
A data do levante foi marcada para 25 de janeiro, um domingo, dia da festa de Nossa Senhora da Guia quando grande parte da população livre se deslocaria para o distante Bonfim junto com contingentes do corpo policial. A data escolhida marcava, também, o final do mês de Ramadã (período de jejum dos muçulmanos) e próximo da festa da “Noite da Glória” ou “Noite da Determinação” (Lailat al-Qadr) que, segundo a tradição muçulmana é o momento que os anjos descem à terra com aprovação de Alá para executar suas ordens.
O movimento, contudo, foi denunciado pelos libertos Domingos, Guilhermina e Sabina – desencadeando uma série de medidas preventivas como reforço da guarda, aumento das rondas noturnas e patrulhas policiais. Com isso descobriu-se uma reunião num sobrado, em Salvador, onde cerca de 60 africanos realizavam uma ceia na qual possivelmente acertavam os últimos preparativos para o levante. O grupo enfrentou os guardas e saiu às ruas da cidade antecipando a rebelião – prevista para eclodir somente às 5 horas da madrugada, quando os escravos iam às fontes pegar água.
As ações dos revoltosos voltaram-se contra as forças policiais que durante quatro horas lutaram nas ruas da capital baiana. A precipitação do movimento e a rápida reação policial contribuíram para conter as adesões. Dentre os cerca de 22 mil africanos da população de Salvador, cerca de 600 aderiram ao levante.
O objetivo principal dos revoltosos era destruir a dominação branca e por fim à escravidão, não sendo claro, porém, se o benefício seria estendido aos mulatos e crioulos (vistos como cúmplices dos senhores) e aos africanos não muçulmanos.
Estima-se que mais de 500 pessoas foram punidas com açoites, prisões e deportações, 281 escravos e libertos foram presos, e 16 africanos condenados à morte, entre os quais, os escravos nagôs Pedro, Gonçalo e Joaquim, e o liberto Jorge da Cruz Barbosa. Morreram fuzilados, em 14 de maio de 1835, no campo da Pólvora, pois ninguém se dispôs a ser o carrasco do enforcamento previsto em lei.
Segundo Alberto da Costa e Silva, em artigo que discute os argumentos de João José Reis, a revolta dos Malês foi uma jihad (guerra santa muçulmana) contra os senhores brancos e cristãos.
“Para mim, o movimento de 1835 na Bahia tem tudo de uma guerra santa, repito. De uma guerra santa que não deixa de ser uma guerra santa pelo fato de a ela se terem somado, por solidariedade étnica, nagôs que não eram muçulmanos e, por desejo de liberdade e de desforra contra os brancos, negros de outras nações, que saíam às ruas com eles.
[…]
O jihad baiano não se fez contra os santuários religiosos de nagôs, jejes e angolas; fez-se contra o Império do Brasil, o Governo da Bahia, os senhores de escravos, os brancos e seus aliados e cúmplices.” (COSTA E SILVA, p. 28 e 31)
- BNCC: 8° ano. Habilidades: EF08HI19, EF08HI20
Fonte
- REIS, João José. Rebelião escrava no Brasil: a história do levante dos Malês (1835). São Paulo: Brasiliense, 1987.
- COSTA E SILVA, Alberto. Sobre a rebelião de 1835 na Bahia. Revista Brasileira, abr-mai-jun 2002, ano VIII, no. 31, Academia Brasileira de Letras, p. 9-33.
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Abertura
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