Uma tecnologia está revolucionando a pesquisa arqueológica reduzindo o tempo de prospecção e escavação em décadas! Trata-se do LIDAR (abreviatura do inglês Light Detection And Ranging, “Detecção de Luz e Extensão”), um radar que utiliza pulsos de luz (600 mil pulsos por segundo) e mapeia um local com fotos aéreas; os resultados obtidos são filtrados por um software que revela, em imagens 3D, a topografia existente abaixo de uma cobertura vegetal. Conclusão: pode-se encontrar um sítio arqueológico – vestígios de um templo, palácio, sepultura ou monumento – encoberto pela vegetação.
Surgido nos aos 1960 com a invenção do laser, o LIDAR tem sido constantemente aperfeiçoado e aplicado em situações diversas incluindo a arqueologia. Entre 2010 e 2014, o LIDAR mapeou uma extensa área no sul da Inglaterra, descobrindo 17 monumentos relacionados a Stonehenge cuja existência era completamente ignorada. As estruturaras estavam a sete metros de profundidade e foram identificadas sem necessidade de escavação e outros procedimentos que levariam anos ou décadas para serem concluídos.
Segundo Vince Gaffney, da Universidade de Birmingham, que liderou o projeto “Paisagens escondidas de Stonehenge”, o famoso monumento megalítico fazia parte de uma rica estrutura cerimonial composta por santuários, templos e sepulturas. Entre 4000 e 2.500 a.C., o homem neolítico ergueu esses monumentos que atraiam pessoas de todo país. Confira no vídeo abaixo
Veja aqui: tour virtual de Stonehenge feito a partir de imagens do LIDAR (vídeo publicado em 2007).
Um fato curioso, as descobertas mais surpreendentes com o uso do LIDAR estão acontecendo na Mesoamérica (em especial no México, Honduras, Belize e Guatemala) e no Camboja onde cidades inteiras engolidas pela densa floresta tropical estão sendo reveladas em três dimensões. A Amazônia também está sendo mapeada pelo LIDAR e os resultados são impressionantes.
Angamuco, a cidade dos purepechas no México
Em 2007 começaram as pesquisas em busca dos vestígios dos Purepechas (conhecidos como Tarascans ou Tarascos pelos espanhóis) em Angamuco, no estado mexicano de Michoacán. A cultura purepecha floresceu entre 1100 e 1530 d.C. e foi feroz inimiga dos astecas sem nunca ter sido conquistada por eles. Em 2010, o sítio arqueológico foi identificado e marcado. Por dois anos, os arqueólogos trabalharam em uma pequena área de 2 km2.
Em 2013, foi aplicada a tecnologia do LIDAR no sítio arqueológico mapeando 13 km2 em apenas 45 minutos (veja vídeo abaixo). A cidade dos Purepechas ocupava quase toda essa área onde foram identificados mais de 20 mil características arquitetônicas. Pelas imagens do LIDAR pode-se avaliar que se tratava de uma cidade altamente organizada e complexa com uma população muito maior do que a pesquisa anterior na região havia sugerido. Sobre uma enorme plataforma central erguiam-se cinco pirâmides escalonadas que deviam formar o centro religioso e administrativo da cidade.
Veja aqui: animação com imagens do LIDAR de Angamuco com e sem vegetação (publicado em 2013).
Caracol, cidade maia de Belize
Caracol foi uma cidade maia, erguida em plena selva tropical, na atual Belize. Foi ocupada entre 600 a.C. e 900 d.C. por uma população estimada em 115 mil pessoas. É considerado o maior sítio arqueológico das planícies sul da área maia na América Central.
Durante 25 anos, dezenas de arqueólogos literalmente se debruçaram sobre Caracol e seus arredores, limpando o terreno com pás e pincéis em uma área de 14,5 km2. Tratando-se de uma região de floresta fechada com árvores gigantescas, a dificuldade é enxergar até mesmo grandes pirâmides que podem ficar encobertas pela vegetação e escaparem das fotografias aéreas.
Em 2010, uma equipe de cientistas Universidade de Houston e da Universidade da Califórnia, com financiamento da NASA, utilizou a tecnologia do LIDAR para mapear Caracol e arredores. Os resultados foram surpreendentes. Em apenas cinco dias, o LIDAR mapeou 129 km2 de terreno revelando que os arqueólogos só haviam descoberto 10% da cidade original. Um mapa tridimensional mostrou templos, casas, estradas, reservatórios, terraços agrícolas, cavernas e até túmulos abertos e saqueados.
A Ciudad Blanca, de Honduras
Em 1526, o conquistador Hernán Cortés relatou ao rei Carlos V que os mexicas falavam de uma cidade inteiramente construída de pedra branca e comparável em riqueza e grandeza a Tenochtitán, a capital asteca. Nascia a lenda da Ciudad Blanc, às vezes referida como a cidade perdida do Deus Macaco, e que teria existido em algum ponto da montanhosa floresta de Mosquitia, de 51,5 km2, entre Honduras e Nicarágua. Mosquitia é uma das mais densas e inóspitas florestas do mundo, povoada por serpentes venenosas, plantas urticantes e insetos transmissores de malária, dengue, Chagas e outras doença – condições tão perigosas que tornam o trabalho arqueológico uma missão impossível.
No século XIX, aventureiros europeus e norte-americanos procuraram pela cidade atravessando selvas, montanhas, rios e cataratas. Em 1940, Theodore Morde jurou ter encontrada a Ciudad Blanc e sua façanha foi relatada pelo Times, de Nova York em uma descrição repleta de aventura e coragem. Morde mostrou milhares de artefatos supostamente recolhidos no local. O aventureiro prometeu retornar para iniciar a escavação, mas morreu em 1954 sem revelar o local exato.
A lenda da Ciudad Blanc incorporou-se ao imaginário hondurenho tornando-se tema recorrente nas escolas e imprensa. Em 1960, o governo de Honduras criou Reserva Arqueológica Ciudad Blanca, uma área de 3,2 mil km2 no interior da inexplorada floresta de Mosquitia. Em 1980, a Unesco nomeou a área de Reserva da Biosfera do Rio Plátano e, dois anos depois, declarou-a patrimônio mundial da humanidade.
As pesquisas foram retomadas com financiamento de universidades norte-americanas. Calculou-se a existência de cinco grandes sítios arqueológicos na reserva. Para muitos especialistas, contudo, a cidade perdida seria, na verdade, um elemento do imaginário hondurenho, uma lenda associada à “idade de ouro”, uma era de prosperidade e autonomia para sempre perdidas.
Em 2010, o documentarista Steve Elkins, maravilhado com os relatos da descoberta de Caracol, em Belize, procurou a mesma equipe para mapear a floresta de Mosquitia, em Honduras. Convenceu Ramesh Shrestha e William Carter, diretores do NCALM (National Center for Airborne Laser Mapping, da Universidade de Houston) e especialistas na tecnologia LIDAR a embarcarem na aventura de descobrir a Ciudad Blanca. Muitos acharam loucura dar ouvidos a um documentarista que pretendia executar um trabalho sem a presença de pesquisadores acadêmicos.
Elkins tinha a intenção de fazer um levantamento de toda reserva de Mosquitia, mas diante do custo de milhões de dólares, reduziu a área de pesquisa para cerca de 80 km2, o que mesmo assim lhe custou quase 500 mil dólares. Para levantar o dinheiro necessário, Elkins procurou o cineasta Bill Beneson que, na época, estava terminando um documentário sobre o povo hadza da Tanzânia, na África Oriental.
Finalmente, em maio de 2012, Steve Elkins e Bill Beneson sobrevoaram a região a bordo de um Cessna 337 Skymaster levando a bordo um equipamento LIDAR. As ruínas foram identificadas: templos, pirâmides, quadras de bola e praças. Em seguida, uma expedição de arqueólogos confirmou “no chão” todas as características mostradas nas imagens LIDAR. Não era a descoberta de uma cidade perdida, mas uma nova civilização, ainda desconhecida pelos pesquisadores. Um povo que construía edifícios semelhantes aos maias mas usando técnicas e materiais diferentes como barro e pedras de rio no lugar de rochas talhadas.
Os geoglifos da floresta Amazônia
Em fevereiro de 2015, um drone levando um aparelho LIDAR mapeou a Amazônia brasileira procurando evidências de ocupações humanas anteriores à chegada aos europeus. Uma equipe internacional liderada pelo arqueólogo José Iriarte, da Universidade de Exeter, Inglaterra, localizou, em locais onde a floresta foi derrubada, mais de 450 geoglifos de padrões geométricos. São círculos de barro, quadrados e linhas de significado ainda desconhecido mas que são prova de um comportamento coletivo. Acredita-se que existam muitos outros geoglifos escondidos abaixo da vegetação.
As imagens do LIDAR jogaram por terra as teses dos pesquisadores sobre a ocupação da Amazônia. Afirma-se então que a floresta era um obstáculo e que fora habitada unicamente por pequenos grupos de caçadores-coletores e agricultores seminômades que causaram um impacto mínimo sobre o meio ambiente e, portanto, que a floresta que vemos hoje permanece intocada há milhares de anos.
As descobertas sugerem, contudo, que que a Amazônia teria sido habitada por sociedades mais complexas e hierárquicas do que se supunha e que elas tiveram um grande impacto sobre o meio ambiente. A floresta que hoje conhecemos pode ser resultado de intensa manipulação humana no passado. Isso forneceria lições preciosas para as políticas de manejo e uso sustentável da biodiversidade amazônica.
Conclusão
O LIDAR permite fazer em poucos dias o trabalho de dezenas de anos. Essa tecnologia está trazendo ao mundo parte da história que se desconhecia ou se conhecia de forma errada. Os arqueólogos estão revendo seus estudos e análises sobre os povos das florestas. As dificuldades de escavação em selvas fechadas levaram-nos a subestimar as realizações e o engenho dos povos antigos. Afirmava-se, então, que as cidades maias erguidas nas planícies com vegetação esparsa eram maiores do que as construídas nas áreas de florestas tropicais. Por conseguinte, generalizou-se a ideia que grupos humanos antigos eram incapazes de criar assentamentos grandes e sustentáveis nos trópicos que, além disso, tinham solo pobre demais para suportar grandes populações.
Percebe-se, agora, que essa conclusão se baseava em investigações incompletas. Pode-se agora avaliar a dimensão das cidades, estimar quantas pessoas viviam nelas e o quanto interferiram na paisagem natural. A floresta de Mosquitia, em Honduras, que hoje parece inóspita, em tempos pré-colombianos foi, provavelmente, um vasto jardim interligando assentamentos humanos e com cultivos diversos – cenário muito diferente da monocultura atual. A floresta amazônica que se suponha intocada por milhares de anos talvez tenha tido grandes campos agrícolas.
O LIDAR tornou-se uma ferramenta chave para a arqueologia podendo detectar estruturas variadas como edifícios, restos de estradas, terraços agrícolas, aquedutos, cavernas, cercas e até mesmo as fronteiras entre bairros antigos. No entanto, esse tipo de tecnologia não funcionar tão bem em áreas urbanas onde fios e encanamentos dificultam a leitura das informações. Para este tipo de trabalho, os arqueólogos ainda precisam de suas tradicionais picaretas, pás e espátulas.
Outras aplicações do LIDAR já estão em uso há tempos. A polícia o utiliza para marcar a velocidade de veículos no trânsito; meteorologistas o empregam para examinar camadas da atmosfera e pesquisar concentrações de poluição atmosférica; a NASA o aplica no dispositivo de pouso da Estação Espacial; para os militares, ele serve para fornecer informações detalhadas do terreno onde se deslocam as tropas.
Fonte
- LIDAR. (Journal of Archaeological Science)
- Into the light: how lidar is replacing radar as the archaeologist’s map tool of choice. (The Guardian)
- Unique artifacts uncovered in Mexico shed light on ancient civilisation.
- Cemetery discovered at pre-Hispanic Mexican city of Angamuco.
- Lasers i the Jungle. (Archaeology Archive).
- Lost city discovered in the Honduras rain forest. (National Geographic)
- Brasil Amazon: drone to scan for ancient Amazonia. (BBC News)
Ótimo texto, muito rico e esclarecedor!! Acabei de conhecer seu espaço e achei fantástico!! Parabéns e muito obrigado!!
Bem-vindo Paulo! obrigada!