Um apartamento em Paris, do final do século XIX, que pertenceu a uma bela atriz e cortesã, foi mantido fechado por setenta anos. Ali ela viveu toda sua vida, recebeu seus amantes, teve um filho e uma neta. Tudo permaneceu intocado: mobília, objetos de decoração, utensílios domésticos, livros, revistas, cartas, pertences pessoais… objetos que remontam à agitada vida parisiense da Belle Époque.
Um caso real, interessante e misterioso, que fornece subsídios para trabalhar o conceito de tempo histórico a partir de histórias de vidas que abrangem o intenso período entre o final do século XIX e meados do XX.
(No final do artigo, sugestões de trabalho para o 9º ano e Ensino Médio.)
O caso “Madame De Florian”
Em 2010, Solange Beaugiron faleceu no sul da França. Estava com 91 anos. Seus herdeiros contrataram um profissional para fazer o inventário dos bens da falecida, entre os quais constava um apartamento em Paris, no quartier Pigalle. Havia setenta anos que ela deixara esse imóvel e mantivera-o fechado. Continuou, contudo, pagando impostos e taxas que recaíam sobre ele.
Quando o apartamento foi aberto, a surpresa foi geral: sob camadas de poeira e teias de aranha, descobriu-se um cenário elegante, congelado no passado, à época da Belle Époque parisiense. Era como entrar em uma cápsula do tempo ou, como alguém comentou, no castelo da Bela Adormecida.
O apartamento de 140 m2 tinha teto de madeira trabalhada, tapeçaria e cortinas de seda, lareira revestida de mármore, candelabros, porcelanas finas, espelhos de cristal, cozinha com um enorme fogão a lenha e uma pia de pedra. Os armários guardavam os objetos pessoais de sua primeira proprietária: roupas, perfumes, cartas, cartões, escovas, enfeites de cabelo etc.
Veja os detalhes nas fotos a seguir.
A bela mulher do quadro
Entre os objetos do apartamento, estava a pintura a óleo de uma bela jovem com o rosto virado, o colo à mostra e usando um vestido de noite de musseline rosa. Era o retrato de Marthe de Florian (1864-1939), avó da proprietária falecida.
Marthe de Florian fora uma atriz e cortesã, como se chamava, então, a mulher que se unia a homens poderosos e ricos que a provia de luxo e bem-estar em troca de sua companhia e favores. O apartamento, localizado no quartier Pigalle, estava no centro da boemia e da agitada vida noturna parisiense. Ainda hoje, ali se concentram restaurantes, bares, cafés, discotecas, casas noturnas (como o centenário Moulin Rouge, fundado em 1889), sex-shops, estúdios e apartamentos de artistas.
Marthe de Florian, cujo nome de batismo era Mathilde Héloise Beaugiron, morou a vida toda no apartamento. Teve muitos admiradores conforme atestam os cartões de visita e as cartas guardadas nas gavetas de seu quarto.
As cartas estavam organizadas por remetentes, em pequenos pacotes amarrados com fitas de cores diferentes. Ela foi cortejada por políticos famosos como os primeiros-ministros Georges Clemenceau (1841-1929) e Pierre Waldeck-Rousseau (1846-1904), Paul Deschanel e Gaston Doumergue, ambos presidentes da República.
O retrato foi feito em 1888, quando ela tinha 24 anos de idade, pelo italiano Giovanni Boldini (1842-1931). Marthe de Florian era, então, sua amante, e ele, um homem casado e pintor famoso. A pintura foi leiloada em Paris pelo preço inicial de 300 mil euros que, rapidamente, alcançou o valor de 2,1 milhões de euros, um recorde mundial para o artista.
A fuga e o tempo congelado
Marthe de Florian faleceu em 1939, aos 75 anos de idade. Seu único filho, Henri Beaugiron (1884-1966) morava no mesmo apartamento junto com a filha Solange Beaugiron (1919-2010), que acabou herdando o imóvel. Durante todo o tempo de vida de Marthe de Florian nenhuma mudança foi feita no apartamento que conservou o mesmo aspecto e decoração do final do século XIX.
Em 1940, Solange Beaugiron, então uma jovem de 21 anos, decidiu fechar as venezianas do apartamento, trancar suas portas e sair da cidade, fugindo para o sul da França. Nunca mais voltou à capital. O que a amedrontou a ponto de deixar tudo para trás? O que a manteve longe de Paris o resto de sua vida?
Que histórias e hipóteses podemos levantar a partir dessas informações fornecidas pela imprensa em 2010?
Trabalhando com os alunos
O caso “Madame De Florian”, como foi chamada Solange Beaugiron, foi muito noticiado em 2010, por ocasião de seu falecimento e abertura do inventário. O fato do apartamento ter permanecido intocado por setenta anos e a descoberta de uma pintura tão valiosa causaram comentários nos jornais e nas redes sociais. Por isso, é fácil encontrar notícias a respeito, inclusive em português. Há, também, um verbete na Wikipedia sobre Marthe de Florian.
As notícias, porém, pouco esclarecem e deixam muitas perguntas sem respostas. Daí o clima de mistério que envolve esse caso curioso e que desafia os alunos a um trabalho investigativo sobre a época dos acontecimentos.
Investigar o período abrangido – por volta de 1880 até 1940 –, permite levantar importantes acontecimentos históricos: Segunda Revolução Industrial, Belle Époque, descobertas científicas, invenções, conflitos imperialistas, Primeira Guerra Mundial, crise de 1929, nazi-fascimo e Segunda Guerra Mundial. Refletir como esses acontecimentos históricos influenciaram na vida de três gerações de uma família vivendo sob um mesmo teto.
Apresentamos abaixo um roteiro de trabalho para os alunos. É uma sugestão que o professor deverá adaptar conforme suas necessidades e objetivos pedagógicos, bem como os recursos disponíveis para pesquisa. É interessante que o trabalho possibilite aos alunos refletir sobre a ideia de tempo histórico, percebendo como gerações diferentes testemunharam e viveram momentos tão diversos.
Para fazer o download do Roteiro de Trabalho, inscreva-se abaixo.
O roteiro de trabalho (3 páginas) traz:
- Um resumo do caso Madame Florian para os alunos lerem.
- Link para pesquisar na Internet.
- 9 questões para os alunos em que eles devem formular hipóteses e pesquisarem sobre a época (anos 1880 a 1940).
- Comentários para o professor
Obrigado por compartilhar essa incrível história, fascinante!
É uma história inspiradora para um romance e um filme. Lembro do filme, “Retratos da vida” (“Les uns et les autres”, de Claude Lelouch, 1980) sobre os dramas pessoais de três gerações afetadas pela guerra. Trajetórias de vidas interrompidas e desviadas que deixaram lacunas de dimensões desconhecidas e sem respostas.
Temos estórias (e histórias) também imensamente fascinante.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Sebastiana_de_Melo_Freire
A história dessa mulher se entrelaça com a história de São Paulo.
Bem lembrado Gesse! Vamos escrever sobre ela?
Joelza, “Madame de Florian”, FANTÁSTICO, (OBS; conservação dos objetos; isto só foi possível na frança, por que no inverno A TEMPERATURA LOCAL chega a -6,…GRAUS, e os CUPINS, TRAÇAS, e outros insetos não sobrevivem a temperaturas ABAIXO DE + 3,…GRAUS,… fosse no brasil estes objetos estariam EM FARELOS) Parabéns Pela Matéria.
Bem lembrado Eduino! Obrigada pela contribuição!
História interessantíssima! 🙂
[…] Voltando ao passado Para a turma do 9º ano e Ensino Médio, um caso real noticiado pela imprensa fornece subsídios para trabalhar tempo histórico e as relações entre vida pessoal e fatos que marcaram o final do século XIX a metade do XX. […]
[…] e História ao traçar um panorama da sociedade europeia burguesa do final do século XIX, em plena Belle Époque e Segunda Revolução Industrial. Publicado em 1901, sem ter recebido a última revisão do […]
Com certeza, é a história mais intrigante, que li. Não pelo fato de madame de Florian, ter deixado o seu apartamento na época. mas sim os fatos que permeiam essa historia, ela deveria ser judia? estava fugindo dos nazistas? e principalmente o que levou essa mulher a deixar sua casa trancada por mais de 70 anos, sem nunca voltar nela, será que estava querendo deixar algum tipo de mensagem, um legado para a posteridade? Com certeza esse tema é alvo para muitos indagamentos. Parece até um romance!