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Maio 68: quando os estudantes incendiaram o Velho Mundo

9 de abril de 2019

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BNCC

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Em maio de 1968, explodiu na França uma enorme onda de protestos que teve início com manifestações estudantis por reformas na educação. O movimento cresceu tanto que evoluiu para uma greve de trabalhadores que balançou o governo do então presidente da França, general Charles De Gaulle. A revolta nasceu espontânea e antiautoritária, e rapidamente abraçou causas diversas dirigidas contra o capitalismo, o consumismo, o imperialismo norte-americano, o desemprego, a Guerra do Vietnã etc.

Apesar do movimento não ter sido unicamente francês – ocorreram manifestações estudantis com confrontos policiais na Espanha, Bélgica, Itália, Alemanha Ocidental, Polônia e Checoslováquia – foi na França que ele ganhou contornos mais definidos e irradiou maior influência pelo mundo.

Origens imediatas: Nanterre

O começo de tudo foi uma série de conflitos entre estudantes e autoridades da Universidade de Paris, em Nanterre, uma cidade nos subúrbios da capital conhecida principalmente por seu bairro povoado por trabalhadores norte-africanos pobres.

Em 22 de março de 1968, um grupo de estudantes tomou a sala de reuniões da administração da universidade.  Eles protestavam contra a prisão de estudantes ocorrida dois dias antes durante uma manifestação contra a Guerra do Vietnã. O movimento se propagou e foi apoiado por universitários da Sorbonne, em Paris, uma das mais renomadas universidades do mundo.

Os protestos abrangeram outras questões. Uma parte ativa do movimento estudantil defendeu a “liberalização da moral”, desafiou a “velha universidade”, a sociedade de consumo, o capitalismo e os valores tradicionais. Os chamados Enragés (Irritados) de Nanterre reivindicavam o direito de acesso aos dormitórios femininos invocando as ideias de Wilhelm Reich (1897-1957), um psicanalista austríaco defensor da liberação sexual.

Maio 68: explode o movimento estudantil

estudantes, Paris, 1968

Estudantes desafiam os policiais, Paris, 1968.

Na sexta-feira, dia 3 de maio de 1968, cerca de 400 estudantes ocuparam a sala de administração da Sorbonne para uma manifestação. Diante da ameaça de estudantes de extrema direita invadirem a sessão para atacar os “comunistas”, o reitor Jean Roche pediu às forças policiais que restaurassem a ordem.

A Sorbonne foi evacuada sob força e bombas de gás lacrimogêneo. 574 estudantes foram presos e 279 ficaram feridos. A intervenção policial a pedido do reitor, sem aviso prévio ou negociações, foi muito mal vista pelos estudantes que acreditavam contar com a proteção da instituição acadêmica. O caso foi interpretado como uma  “violação do santuário acadêmico”.

Nos dias 5 e 6 de maio, ocorreram novas manifestações e novos choques com policiais. As demandas imediatas eram: abertura da Universidade de Nanterre (que fora fechada no dia 3), a retirada da polícia da Sorbonne e a libertação dos estudantes presos. Diante da negação das autoridades, mais de 10 mil estudantes começaram a construir barricadas preparando-se para a luta aberta contra a força policial. Carros foram derrubados, paralelepípedos foram arrancados das ruas e empilhados. No Quartier Latin, o bairro estudantil de Paris, foram erguidas 60 barricadas em suas ruas tortuosas.

Aos universitários juntaram-se estudantes do ensino médio, desempregados, artistas, intelectuais, professores, imigrantes. Moradores do Quartier Latin se solidarizaram ao movimento e forneceram comida e abrigo para os manifestantes e indicaram rotas de fuga.

Na noite do dia 10 de maio, uma sexta-feira, ocorreu a Noite das Barricadas, quando 20 mil estudantes enfrentaram, nas ruas do Quartier Latin, a tropa policial formada por mais de 6 mil homens armados. O confronto atravessou a noite e continuou no dia seguinte. O resultado foi dramático: 469 prisões, centenas de feridos além de 125 carros danificados, ruas devastadas e vários focos de incêndio.

Gás lacrimogêneo, Paris 1968

Bombas de gás lacrimogêneo eram lançadas pelos policiais contra os estudantes que revidavam com bombas caseiras e pedras, Paris, 1968.

O movimento se expande

Com a cobertura televisiva, o episódio francês tornava-se conhecido pelo mundo e ganhava apoiadores na Europa e nas Américas.

A reação brutal do governo ampliou a importância das manifestações: o Partido Comunista Francês anunciou seu apoio aos universitários e uma influente federação de sindicatos convocou para o dia 13 de maio uma greve geral de 24 horas. A greve uniu estudantes e trabalhadores em protesto contra a política trabalhista e educacional do governo De Gaulle.

No dia 16 de maio, 50 empresas foram ocupadas e, no dia seguinte, 200 mil trabalhadores entraram em greve. Quase toda a indústria química e de metal foi afetada. No sábado, dia 18 de maio, as greves e ocupações de fábricas se espalharam mobilizando cerca de 10 milhões de pessoas. No auge, quase 2/3 da força de trabalho do país cruzaram os braços. A França experimentava, pela primeira vez em sua história, uma greve geral de proporções alarmantes.

As reivindicações dos grevistas eram: aumento salarial, jornada semanal de 40 horas, previdência social, igualdade de salário entre mulheres e homens, universidade livre.

Outras faculdades e colégios aderiram ao movimento e foram ocupados como a Academia de Artes, em Nanterre, o Conservatório de Arte Dramática, a Faculdade de Medicina, bem como cinemas, teatros, escolas, estações ferroviárias etc. Bandeiras negras (anarquismo) e vermelhas (comunismo) flutuavam nos prédios ocupados e em manifestações. O movimento estendeu-se a Nantes, Bordeaux, Dijon e outras cidades francesas.

Pressionado, no dia 30 de maio o presidente De Gaulle convocou eleições para junho. Com a manobra política (que desmobilizou os estudantes) e promessas de aumentos salariais (que fizeram os operários voltarem às fábricas), o governo retomou o controle da situação. As eleições foram vencidas por aliados de De Gaulle e a crise acabou. Em 1969, De Gaulle renunciou vindo a falecer no ano seguinte, o que foi visto como o fim de uma era.

Quartier Latin, Paris 1968

As ruas do Quartier Latin viraram palco de confronto entre estudantes e policiais, Paris, 1968.

Efeitos de Maio 68

Uma das principais influências de Maio 68 se deu no âmbito sociocultural. Novos valores apareceram centrados na autonomia, na criatividade, na multidisciplinaridade, na valorização do indivíduo, no questionamento da autoridade e das regras tradicionais da sociedade, .

Influenciou também o ensino que passou a valorizar o aluno como um sujeito que pode intervir na pedagogia da qual ele é o objeto: é a coeducação. Cresceu a participação de estudantes e pais em conselhos de classe e na redefinição de metodologias e regras escolares. A disciplina autoritária deu lugar à participação dos alunos nas decisões, aos debates e à liberdade de expressão.

Maio 68 é frequentemente associado à liberação sexual, também chamada revolução sexual. O movimento hippie, surgido na mesma época, foi também um promotor do “amor livre” que entendia a sexualidade como prazer e não apenas um meio de reprodução. A popularização da pílula anticoncepcional (liberada na França em 1967) expandiu as discussões sobre a moral contribuindo para a mudança de comportamento em relação ao sexo.

O feminismo também se desenvolveu durante esses anos em sua vertente mais radical o Movimento de Libertação das Mulheres (MLF) que desempenhou um importante papel na luta pelo direito ao aborto, contra várias formas de opressão e de misoginia e na reivindicação de igualdade de gênero.

Frases criadas pelos estudantes de Maio 68

 Durante os turbulentos dias de Maio 68, os muros e paredes de Paris ficaram cobertos de grafites e cartazes com frases que mais pareciam gritos de guerra dos estudantes. Elas versavam sobre tudo: política, sociedade, cultura, moral, educação etc. Uma das mais famosas foi “É proibido proibir” (Il est interdit d’interdire) que se tornou o lema de Maio 68. Conheça outras:

Cartazes, maio 1968

Cartazes do movimento estudantil fixados nos muros e paredes de Paris, maio 1968

LIBERDADE

  • Sejam realistas, exijam o impossível!
  • A imaginação ao poder!
  • É proibido proibir!
  • As paredes têm ouvidos, seus ouvidos têm paredes
  • Se queres ser feliz, prende o teu proprietário.
  • O patrão precisama de você, você não precisa dele.

PODER

  • Todo poder abusa. O poder absoluto abusa absolutamente.
  • Todo poder aos conselhos operários (um enraivecido). Todo poder aos conselhos enraivecidos (um operário).
  • Abaixo o realismo socialista. Viva o surrealismo.
  • Abaixo o Estado!
  • O poder tinha as universidades, os universitários tomaram-nas. O poder tinha as fábricas, os trabalhadores tomaram-nas. O poder tinha os meios de comunicação, os jornalistas tomaram-nos. O poder tem o poder, tomem-no!
cartaz francês, maio de1968

“Abolição da sociedade de classes”, cartaz francês, maio de1968.

POLÍTICA

  • A política passa-se nas ruas.
  • Viva o poder dos conselhos operários estendido a todos os aspectos da vida.
  • Trabalhador: você tem 25 anos, mas o seu sindicato é do outro século.
  • Todo reformismo se caracteriza pela utopia da sua estratégia, e pelo oportunismo da sua tática.
  • Juventude Marxista Pessimista.
  • Abaixo os jornalistas e todos os que querem manipular.
  • A publicidade manipula você.
  • Quando a Assembleia Nacional se transforma em um teatro burguês, todos os teatros da burguesia devem se transformar em Assembleias Nacionais.

REVOLUÇÃO

  • A revolução deve ser feita nos homens, antes de ser feita nas coisas.
  • Um só fim de semana não revolucionário é infinitamente mais sangrento que um mês de revolução permanente.
  • Quanto mais amor faço, mais vontade tenho de fazer a revolução. Quanto mais revolução faço, maior vontade tenho de fazer amor.

UNIVERSIDADE

  • Abaixo a Universidade.
  • Professores, sois tão velhos quanto a vossa cultura; o vosso modernismo nada mais é que a modernização da polícia, a cultura está em migalhas.

VALORES

  • A sociedade nova deve ser fundada sobre a ausência de qualquer egoísmo e qualquer egolatria. O nosso caminho será uma longa marcha de fraternidade.
  • Tu, camarada, tu que eu desconhecia por detrás das turbulências, tu amordaçado, amedrontado, asfixiado, vem, fala conosco.
  • Abaixo a sociedade de consumo.
  • Os limites impostos ao prazer excitam o prazer de viver sem limites.
  • O sonho é realidade.
  • Acabareis todos por morrer de conforto.
  • O sagrado, eis o inimigo.
  • Viva o efêmero.
  • Corra, camarada, o velho mundo está atrás de você.

Fonte

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