No dia 07 de outubro de 1934, integralistas (membros de um movimento político de extrema-direita) e seus opositores se enfrentaram no centro da cidade de São Paulo em um confronto armado que ficou conhecido como a Batalha da Praça da Sé. O conflito terminou com um morto e cerca de trinta feridos, entre eles agentes da polícia.
A luta entre fascismo e antifascismo, concretizada na Batalha da Praça da Sé, era resultado da polarização ideológica que se vivia no país e que, por sua vez, era reflexo do cenário internacional conturbado pela ascensão dos regimes totalitários na Europa.
No Brasil, o fascismo dos anos 1930 constituiu-se na Ação Integralista Brasileira .
Ação Integralista Brasileira (AIB)
Fundada em 7 de outubro de 1932 pelo escritor e jornalista Plínio Salgado, a AIB era um movimento ultranacionalista, tradicionalista e de extrema-direita inspirado no fascismo italiano e no integralismo português. Seus militantes ficaram conhecidos como camisas-verdes, pela cor de seu uniforme, ou galinhas-verdes por seus detratores.
A AIB apresentava-se como um movimento ultraliberal, sem ligações com o Estado e políticos e nem com grupos internacionais. Combatia o comunismo com veemência.
O integralismo adotou algumas características dos movimentos de massa típicos do fascismo italiano e do nazismo: grandes manifestações em espaços públicos, uniformização dos militantes, uso de símbolos, lemas, saudações, jornais e revistas próprios. A mobilização popular abusava do apelo emocional às massas com discurso ufanista, exaltação dos heróis da pátria, defesa da religião católica e lemas de cunho moral como “Deus, Pátria e Família”.
O integralismo diferenciava-se, contudo, do nazismo por não apoiar o racismo, tendo por slogan a “união de todas as raças e todos os povos”. Contudo, alguns de seus integrantes, como Gustavo Barroso tinham opiniões antissemitas.
Como símbolo, a AIB tinha uma bandeira azul com um disco branco e, no centro, a letra grega sigma maiúscula (Σ). A saudação integralista era “Anauê”, palavra indígena, usada pelos nhambiquaras do Mato Grosso e pelos escoteiros brasileiros na década de 1920.
Contando com uma participação popular ampla, o integralismo penetrou nas cidades e no campo. Contava com mais de 500 mil filiados em 1936, podendo este número ter chegado a 1 milhão de pessoas, tornando-a a primeira agremiação política de massa no Brasil.
No dia 23 de março de 1933, os integralistas, tendo à frente Plínio Salgado, realizaram sua primeira “Marcha sobre São Paulo”, seguindo o modelo do fascismo italiano.
A Frente Única Antifascista (FUA) e os primeiros confrontos
Em oposição ao avanço integralista, foi fundada a Frente Única Antifascista (FUA) em 25 de junho de 1933, em São Paulo. Sob liderança do Partido Socialista Brasileiro de São Paulo (PSB paulita), a FUA contava com a participação de grupos de esquerda (comunistas, anarquistas, trotskistas etc.). A única força política importante que não participou da fundação foi o Partido Comunista do Brasil (PCB).
Não tardou para começarem os confrontos entre antifascistas e os integralistas. Em 14 de novembro de 1933, os integralistas tentaram tumultar a Conferência Anti-integralista que ocorria no salão da União das Classes Laboriosas, em São Paulo. Ao perceber que o público era muito maior do que pensavam, foram procurar reforços nas imediações sendo repelidos por trabalhadores (RODRIGUES, 2017, p. 94).
A FUA demonstrou intenções de articular-se com organizações antifascistas de outros estados para formar a Frente Única Antifascista Nacional, além convocar o movimento operário paulista para a formação de uma frente sindical.
Enquanto isso, os integralistas realizavam suas marchas desfilando com milhares de militantes: no Rio Janeiro (20 de abril de 1934), São Paulo (24 de junho), em Salvador (2 de julho).
No dia 3 de outubro de 1934, feriado nacional em comemoração à Revolução de 1930, ocorreu um violento confronto na cidade de Bauru, no interior de São Paulo, que resultou em tiroteio e na morte de um integralista e outros quatro feridos.
A Batalha da Sé
Os integralistas marcaram um comício na Praça da Sé, no centro de São Paulo, para o dia 7 de outubro de 1934 em comemoração aos dois anos do Manifesto Integralista. Tão logo os antifascistas da capital paulista souberam dessa intenção se organizaram para impedir o evento.
A FUA e todas as demais organizações de esquerda de São Paulo foram convocadas para participar da contramanifestação, e cada entidade emitiu seu comunicado aos associados, publicou manifestos ao povo e tratou de realizar reuniões preparatórias. Todos aprovaram a proposta de realizar a contramanifestação no mesmo local e hora do comício da AIB com o objetivo de dissolver o evento integralista. Cada organização cuidou de fornecer armamento para os manifestantes.
O comício da AIB havia sido amplamente divulgado pelos jornais assim como as organizações antifascistas distribuíram panfletos por toda a cidade o que despertou a curiosidade da população que, ao meio dia, acorrera à praça em grande número.
A polícia revistou os prédios da Praça da Sé (onde havia as sedes de vários sindicatos) a procura de armas sem encontrá-las. Cerca de quatrocentos militares policiavam a praça armados com fuzis e metralhadoras.
As provocações começaram, de ambas as partes, com os antifascistas gritando “morra o integralismo” e “fora galinhas verdes”, e os integralistas cantavam seus hinos e reagiam com socos e safanões.
Começou então o tiroteio de ambos os lados e com tiros em todas as direções. Os integralistas correram para o vizinho Largo São Francisco onde tentaram retomar o comício, mas foram impedidos pela polícia. Ao final, debandaram e abandonaram suas camisas verdes pelas ruas, para evitar mais agressões.
Estima-se que o confronto tenha terminado com cerca de trinta feridos e sete mortos.
Consequências
A Batalha da Praça da Sé teve grande repercussão entre os antifascistas, reforçando o movimento e impulsionando a formação de uma frente ampla progressista, o que seria concretizado com a criação da Aliança Nacional Libertadora (ANL) em 12 de março de 1935.
No Rio de Janeiro, ainda no dia 7 de outubro, foi lançado o primeiro número do periódico Jornal do Povo, editado por Aparício Torelly, o Barão de Itararé, e ligado ao PCB. Na semana seguinte ao conflito, o jornal dedicou várias reportagens ao episódio paulista, procurando descrever o acontecimento de forma satírica e fazer pilhéria dos integralistas. Uma das suas manchetes foi: “Um integralista não corre, voa”, seguida do texto: “A debandada integralista, como se vê, foi na mais perfeita desordem. Vê-se à esquerda um galinha-verde escondido atrás do poste, e no centro vários acocorados. A retirada dos 10 mil… Salve-se quem puder! E os integralistas, que gostam de frases sonoras bem sonantes, repetiam nessa hora, acompanhados pela castanhola dos dentes: morra meu pai que é mais velho!” (CASTRO, p. 377).
Fonte
- BARBOSA, Jefferson Rodrigues. A ascensão da ação integralista brasileira (1932-1937). Revista de Iniciação Científica da FFC, v.6, 2006.
- MAIO, Marcos Chor; CYTRYNOWICZ, Roney. Ação Integralista Brasileira: um movimento fascista no Brasil (1932-1938). Repositório de Informação Acessível, UFRN, 2003.
- SILVA, R. S. (2005). A política como espetáculo: a reinvenção da história brasileira e a consolidação dos discursos e das imagens integralistas na revista Anauê!. Revista Brasileira de História, 25, dez 2005.
- CASTRO, Ricardo Figueiredo de. A Frente Única Antifascista (FUA) e o antifascismo no Brasil (1933-1934). Rio de Janeiro: Topoi, dez 2002.
- RODRIGUES, Andre. Bandeiras negras contra camisas verdes: anarquismo e antifascismo nos jornais ‘A Plebe’ e ‘A lanterna’. Revista Tempos Históricos, 20 dez 2017.
- COSTA, Fernando Nogueira da. Batalha da Praça da Sé ou A Revoada das Galinhas Verdes. Cidadania e Cultura, 22 mar 2017.