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Igreja medieval: um “livro de pedra”

16 de março de 2015

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A vida do homem medieval e seu código moral eram pautados pela Morte, o Juízo Final e, do resultado deste, a salvação no Paraíso ou a condenação eterna no Inferno. Essa visão teológica, carregada de temor pelo pecado e do olhar vigilante de um Deus punitivo transparece na arte medieval e, em especial, nas igrejas.

As igrejas não eram somente locais de culto e adoração, mas, também, de aprendizado. Aprendia-se nas pregações, nos rituais religiosos, nas leituras bíblicas e por meio de iluminuras, afrescos, esculturas e vitrais. Para uma população quase inteiramente analfabeta e que desconhecia o latim (a língua usada nas liturgias), essas imagens transmitiam mensagens e valores que moldavam o imaginário da pessoa comum.

As esculturas e relevos que decoravam altares, colunas e fachadas forneciam cenas impactantes. As igrejas medievais, constituíam assim, uma espécie de “livros de pedra” cuja leitura era moldada pelo temor do juízo de Deus.

O Juízo Final

A ideia de um Juízo Final em que a humanidade será julgada por Deus é anterior ao cristianismo e está presente em muitas religiões, inclusive no Islamismo. Para os cristãos, ela aparece no Velho e no Novo Testamento e acontecerá depois da ressurreição dos mortos quando Cristo voltará a Terra para presidir o Juízo Final.

Assim como o joio é colhido e queimado no fogo, assim será na consumação deste mundo. Mandará o Filho do Homem os seus anjos, e eles colherão do seu reino tudo o que causa escândalo, e os que cometem iniquidade. E eles serão lançados na fornalha de fogo; ali haverá pranto e ranger de dentes. Então os justos resplandecerão como o sol, no reino de seu Pai. Quem tem ouvidos para ouvir, ouça. (Mateus 13: 40-43).

Anunciava-se que, no Dia do Juízo Final, as trombetas soariam para que todos, de Adão ao último dos homens, saíssem de suas tumbas e comparecessem diante do Juiz Divino. Tudo seria revelado aos olhos de toda a Humanidade: todos os pecados, todas as virtudes e até as consequências impensáveis de cada ato. As almas dos bons se reuniram aos seus corpos para gozarem a felicidade no Céu, e os pecadores sofreriam na carne e eternamente as penas do Inferno.

As imagens em pedra realizadas pela arte românica sobre o Juízo Final impressionam pela força expressiva de suas figuras e profusão de detalhes. As esculturas da igreja e abadia de Sainte-Foy de Conques, na França, é um exemplo de evangelização por imagens que constitui uma das mais importantes obras da arte românica.

Sainte-Foy de Conques

Durante os séculos XI e XII multiplicou-se, em toda Europa, a construção de igrejas no estilo românico. Foi neste período que surgiu Sainte-Foy de Conques cuja construção, iniciada em 1041, terminou em 1135.

Sainte-Foy fazia parte do grupo das igrejas de peregrinação que, junto com as de Tours, Limoges e Toulouse, estava na rota para Santiago de Compostela, na Espanha. Porém, diferente das demais igrejas de peregrinação, destruídas ou reformadas ao longo dos séculos, Sainte Foy de Conques manteve quase intacto seu caráter românico.

O nome, que significa “Santa Fé”, refere-se a uma santa católica executada durante a perseguição aos cristãos ordenada por Diocleciano, em 303. Foy, uma menina cristã de 12 ou 13 anos, recusou-se a adorar as divindades romanas e, por isso, foi colocada viva em uma fogueira. Mas, misteriosamente, as chamas se apagaram e ela acabou sendo decapitada. Os restos mortais da jovem foram salvos e, anos depois, milagres foram atribuídos a eles.

Desde então, o local passou a atrair muitos peregrinos e a igreja tornou-se rota dos fiéis que seguiam a Santiago de Compostela, na Espanha.

Vídeo sobre a Sainte-Foy de Conques

 O tímpano

Acima das portas, a 3,6 m do solo, há um tímpano semicircular, de 6,7 m de largura e 3,6 m de altura. Em seu interior foram esculpidas 124 figuras representando o Juízo Final, segundo o Evangelho de Mateus. Originalmente, as figuras eram coloridas, o que facilitava a identificação dos personagens e das cenas. A cena está organizada em torno da figura central de Cristo, em tamanho monumental comparada aos outros personagens, todos menores. À direita de Cristo reina a ordem, harmonia e tranquilidade; à esquerda, ao contrário, prevalece a agitação, confusão e desordem.

Na borda externa do arco, aparece um estranho observador com nariz e olhos visíveis parecendo segurar a faixa de pedra. Essa figura curiosa foi retratada quatorze vezes no arco.

Cristo, juiz e rei das almas

Cristo é representado como um juiz e rei, conforme indicado na inscrição, em latim, Iudex e Rex. Está sentado no trono, rodeado de anjos, estrelas e nuvens. O azul e o dourado de seus trajes ainda são visíveis.

Ele é a figura central, separando o Céu do Inferno. Cristo ergue a mão direita, apontando para o céu, onde estão as almas salvas. O braço esquerdo, para baixo, indica o Inferno para os condenados.

Acima de Cristo, dois anjos carregam a cruz. Um deles segura uma pequena lança e o outro, um prego. Ambos estão nas nuvens, indicadas pelas ondulações.

Ao lado dos anjos, há duas figuras simbolizando o Sol e a Lua. Possivelmente representam o tempo que é redimido por Cristo. Na cruz, está gravada a profecia: “O sinal da cruz aparecerá quando o Senhor vier para julgar a humanidade”.

A pesagem das almas

No centro, aos pés de Cristo, um anjo e um demônio frente a frente fazem a pesagem das almas, representadas aqui por abóboras ao invés de bebês ou crianças. O demônio parece estar traindo, forçando o peso com o dedo enquanto o anjo protege a alma sob a sua asa aberta.

Abaixo deles, há duas portas, uma abrindo para o céu, e outra para o inferno. Do lado esquerdo (à direita de Cristo), a própria santa Foy (a quem a igreja foi dedicada) recebe as almas salvas na porta do Céu.

Do lado direito (à esquerda de Cristo), o demônio empurra violentamente o condenado para a boca do Inferno. Acima deles, outros condenados são torturados.

O Paraíso

À direita de Cristo, estão a Virgem Maria e São Pedro com as chaves do céu, seguidos pelo eremita Dadon, o fundador da primeira capela, o abade Bégon, segurando um báculo e outras figuras importantes da história de Sainte-Foy de Conques.

Os anjos abrem caixões para saírem as almas dos bons. Abaixo, aparecem figuras do Velho e Novo Testamento. As inscrições avisam quem tem direito ao Paraíso: os castos, os pacíficos, os gentis, os piedosos.

O inferno

À esquerda de Cristo, há quatro anjos. Dois vigiam a entrada do Céu, proibindo a entrada dos condenados. Um carrega espada e escudo, e o outro, a bandeira da vitória.

A representação do Inferno é repleta de detalhes. Os condenados são espancados com bastões ou garfos, derrubados, mordidos, puxados pela barba, pendurados pelo pescoço ou tornozelos, assados no fogo, capturados em redes.

A mensagem do tímpano é clara: ninguém escapará do Juízo Final. O anjo ao lado de Cristo segura o Livro da Vida onde está escrito Signatur, “Está consumado”.

Os condenados

Lúcifer, a figura maior e central, preside o Inferno. Está cercado por pecadores sendo torturados. Sob seus pés, um homem está deitado sobre um braseiro simbolizando o pecado da Preguiça  e da Indolência.

Do lado direito, uma homem enforcado com um saco de dinheiro no seu pescoço. As vezes identificado como Judas, ele pode significar o pecado da Ganância ou da Avareza. Do lado esquerdo, uma mulher seminua (adúltera) e um homem, amarrados pelo pescoço; ele parece um monge o que faz supor terem uma relação pecaminosa o que, neste caso, representa o pecado da Luxúria.

Um cavaleiro está sendo derrubado de seu cavalo, de ponta-cabeça, por dois demônios que talvez roubem sua preciosa armadura. Esta figura representa o pecado do Orgulho, da arrogância.

Um homem sentado sobre chamas tem a sua língua arrancada por um demônio simbolizando o pecado da Calúnia ou da Fofoca. À direita, um homem com uma mulher sentada sobre seus ombros representando a megera, isto é, a mulher autoritária que peca pela desobediência e não submissão ao marido segundo os padrões culturais da Idade Média.

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O casal amarrado (à esquerda) e o homem enforcado simbolizam os pecados da Luxúria e da Ganância. No centro, Lúcifer pisa outro pecador.

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Demônios derrubam cavaleiro condenado pelo Orgulho.

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Homem condenado pelo pecado da Calúnia tema a língua arrancada pelo demônio enquanto arde no fogo. À direita, outros são empurrados para as chamas do Inferno.

O relicário de Sainte-Foy de Conques

Os restos mortais de Sainte-Foy estão guardados em um precioso relicário chamado “Majestade Sainte Foy”. Tem o formato de uma figura humana sentada em um trono. A cabeça é mais antiga, do século IV e contem o crânio da santa. O relicário foi posteriormente enriquecido com coroa e corpo chegando a forma atual no século X. Feito de madeira, a estatueta de 85 cm de altura foi inteiramente recoberta com folhas de ouro, mármore, prata dourada, pérolas e pedras preciosas (ametistas, esmeraldas, opalas, ágatas, jades, safiras, cornalina, granada e cristais de rocha). É um dos mais antigos relicários da França medieval.

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Relicário “Majestade Sainte-Foy” que contém o crânio da mártir.

Fonte

  • VAUCHEZ, Andre. A espiritualidade na Idade Média Ocidental, séc. VIII a XII. Rio de Janeiro: Zahar, 1995.
  • VAUCHEZ, Andre. Cristianismo. Dicionário dos tempos, dos lugares e das figuras. São Paulo: Forense, 2012.
  • DELUMEAU, Jean. História do medo no Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
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Beatriz Lopes Dos Santos
Beatriz Lopes Dos Santos
9 anos atrás

Bom gostei muito do assunto pois é um tema do meu agrado que é falar sobre religião, coisas que envolve a religião, o modo de pensar da época, as coisas que mudaram e vej o quanto é importante estudar esse assunto assim posso compreender o assunto melhor … bom obrigada pelo conhecimento a mais professor é isso.

Beatriz Lopes Dos Santos
Beatriz Lopes Dos Santos
9 anos atrás

Professor mandei minha resposta até meia noite e está com a data errada por favor verifique obrigada

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