Horas depois da célebre batalha de Waterloo (junho de 1815), com a noite chegando, uma multidão sinistra ocupou o campo onde jaziam 50.000 soldados mortos ou morrendo. Na escuridão, aquelas pessoas passavam de cadáver em cadáver despojando-os de tudo de valor que possuíssem, incluindo os dentes da frente. Eles seriam vendidos aos dentistas para fabricar próteses e dentaduras.
Um fato curioso, os catadores de dentes existiam há muito tempo. Eles seguiam os exércitos, avançando sobre os cadáveres assim que os vivos deixavam o campo. Os mortos eram, na sua maioria, jovens e com dentes saudáveis. Os dentes da frente eram arrancados e despachados em barris para países da Europa e para os Estados Unidos. Em 1819, o dentista americano Levi Spear Parmly escreveu que tinha em sua posse “milhares de dentes extraídos de corpos de todas as idades que caíram em batalha”.
A demanda por dentaduras
No início do século XIX, a odontologia era uma especialidade médica incipiente mas com forte procura pelos clientes ricos. O consumo de açúcar entre os aristocratas aumentara muito e, com ele, as cáries, o tártaro, a gengivite e outros problemas que só agravavam com a falta de higiene bucal. O resultado eram dentes podres e a única solução conhecida era arrancá-los.
Sem dentes, o rosto murchava e a pessoa ficava parecendo velha. Além disso, era difícil falar de forma inteligível. A procura por próteses e dentaduras cresceu. Seus fabricantes eram profissionais de diferentes áreas: químicos, joalheiros, fabricantes de perucas, ferreiros e artesãos de marfim.
A base da dentadura era de marfim de hipopótamo ou morsa. Os dentes podiam ser de marfim ou dentes humanos fixados na base, o que aumentava muito o preço. Na década de 1780, uma dentadura de marfim com dentes humanos poderia custar mais de £100 em Londres, e levava pelo menos seis semanas para ficar pronta.
Fosse com dentes humanos ou artificiais, a dentadura estava fora do alcance da maioria das pessoas. Somente os ricos podiam pagar por um bom conjunto de dentaduras.
Os “dentes de Waterloo”
Dentes humanos eram mais desejáveis e também os mais difíceis de se encontrar. Desde a Idade Média, os pobres vendiam seus dentes como um meio de ganhar dinheiro. Seus dentes acabavam na boca dos ricos que podiam pagar por dentaduras e próteses. Mas o número de fornecedores “vivos” era pequeno.
Outra fonte eram os cadáveres cujos dentes eram arrancados pelos ladrões de túmulos. Porém, o fornecimento não era constante e nem sempre eram dentes saudáveis.
Por isso, em 1815, a notícia de milhares de mortos franceses, britânicos e prussianos espalhados nos campos de Waterloo foi extremamente atraente para os saqueadores. Eram milhares de corpos (e dentes!) reunidos em um mesmo lugar e ainda insepultos. Muitos soldados sobreviventes também se lançaram à extração de dentes dos companheiros para ganhar um dinheiro extra.
Não se sabe se os clientes dos dentistas tinham conhecimento da procedência dos dentes. O termo “dentes de Waterloo” foi cunhado recentemente.
As dentaduras de George Washington
Muito antes dos “dentes de Waterloo” inundarem o mercado, George Washington (1732-1799), primeiro presidente dos Estados Unidos, já usava dentaduras de dentes humanos.
Washington extraiu o primeiro dente aos 24 anos e acabou perdendo todos. Começou a usar dentadura aos 49 anos de idade e depois disso chegou a ter sete ou oito conjuntos de dentaduras.
Elas eram feitas de marfim de hipopótamo, latão e ouro, e tinham molas para forçá-las a abrir, bem como parafusos para mantê-las juntas. Os dentes eram humanos, provenientes de escravos. Segundo registros, em maio de 1784, Washington pagou a vários escravos não identificados 122 xelins por um total de nove dentes a serem implantados por um dentista francês residente nos Estados Unidos.
Quando ele assumiu a presidência, em 1789, consta que ele usava um conjunto especial de dentaduras feitas de marfim, latão e ouro feito para ele pelo dentista John Greenwood. De acordo com seus diários, as dentaduras desfiguravam sua boca e lhe causavam dor, para a qual ele tomava láudano, uma tintura a base de ópio. Em 4 março de 1793, seu discurso de posse na Câmara do Congresso, na Filadélfia, durou apenas dois minutos, consistindo de somente 135 palavras – o mais curto da história dos Estados Unidos. Possivelmente, devido a dor e desconforto que a dentadura lhe causava.
Fonte
- Waterloo and its dental legacy. British Dental Journal. 26 jun 2015.
- KERLEY, Paul. The dentures made from the teeth of dead soldiers at Waterloo. BBC News. 16 jun 2015.
- George Washington and teeth from enslaved people. George Washington Mount Vernon.